Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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    Sumários do STJ (Boletim) - Criminal
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ACSTJ de 07-03-2007
 Competência do Supremo Tribunal de Justiça Competência da Relação Acórdão do tribunal colectivo Vícios do art. 410.º do Código de Processo Penal Recurso da matéria de facto Recurso da matéria de direito Medida da pena Concurso de infracções Cúmulo jurídic
I - Constitui jurisprudência uniforme e constante deste STJ a orientação segundo a qual é da competência dos Tribunais de Relação, e não do STJ, o conhecimento dos recursos interpostos de acórdãos de tribunais colectivos, que se não limitem a questões de direito, encontrando-se nesta situação os recursos em que vem alegada a ocorrência de algum dos vícios previstos nas als. a) a c) do n.º 2 do art. 410.º do CPP, visando-se com tal arguição a colocação em causa da bondade ou correcção da decisão proferida sobre a matéria de facto.
II - Num caso em que, conquanto haja sido arguido o vício da contradição insanável entre a fundamentação e a decisão, vício previsto na al. b) do n.º 2 do art. 410.º do CPP, a verdade é que o recorrente não põe minimamente em causa a decisão proferida sobre a matéria de facto, a qual aceita, circunscrevendo-se a sua discordância relativamente ao acórdão recorrido à medida e espécie de pena aplicada, assim impugnando apenas a aplicação do direito aos factos em matéria de punição, é de concluir que o recurso visa, em exclusivo, o reexame da matéria de direito, e por isso consonante com os poderes de cognição do STJ – art. 432.º, al. d), do CPP –, que é, pois, competente para o conhecimento do recurso.
III - O concurso de crimes tanto pode decorrer de factos praticados na mesma ocasião, como de factos perpetrados em momentos distintos, temporalmente próximos ou distantes. Por outro lado, o concurso tanto pode ser constituído pela repetição do mesmo crime ou de crimes que protejam o mesmo bem jurídico, como pelo cometimento de crimes da mais diversa natureza. Por outro lado ainda, o concurso tanto pode ser formado por um número reduzido de crimes, como pode englobar inúmeros crimes.
IV - Não tendo o legislador nacional optado pelo sistema de acumulação material (soma das penas com mera limitação do limite máximo) nem pelo da exasperação ou agravação da pena mais grave (elevação da pena mais grave, através da avaliação conjunta da pessoa do agente e dos singulares factos puníveis, elevação que não pode atingir a soma das penas singulares nem o limite absoluto legalmente fixado), é forçoso concluir que com a fixação da pena conjunta se pretende sancionar o agente, não só pelos factos individualmente considerados, mas também e especialmente pelo respectivo conjunto, não como mero somatório de factos criminosos, mas enquanto revelador da dimensão e gravidade global do comportamento delituoso do agente, visto que a lei manda se considere e pondere, em conjunto, (e não unitariamente) os factos e a personalidade do agente: como doutamente diz Figueiredo Dias (Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, págs. 290-292), como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado.
V - Importante na determinação concreta da pena conjunta será, pois, a averiguação sobre se ocorre ou não ligação ou conexão entre os factos em concurso, a existência ou não de qualquer relação entre uns e outros, bem como a indagação da natureza ou tipo de relação entre os factos, sem esquecer o número, a natureza e gravidade dos crimes praticados e das penas aplicadas, tudo ponderando em conjunto com a personalidade do agente referenciada aos factos, tendo em vista a obtenção de uma visão unitária do conjunto dos factos, que permita aferir se o ilícito global é ou não produto de tendência criminosa do agente, bem como fixar a medida concreta da pena dentro da moldura penal do concurso, tendo presente que entre a gravidade dos factos (conjunto dos factos) e a pena terá de haver uma correspondência, tendencialmente uma consonância ou equivalência, sendo também de relevo a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização).
VI - Tendo em consideração que:- estamos perante 3 crimes de corrupção passiva para a prática de acto ilícito perpetrados entre Outubro de 2002 e Julho de 2003, todos eles cometidos no mesmo contexto e com utilização do mesmo processo;- o facto de o arguido nunca ter sido objecto de censura penal e o número de infracções cometidas revelam uma situação de mera pluriocasionalidade, através da qual aquele obteve ou esperava obter vantagem económica, circunstância esta que, em exclusivo, subjaz a todos os comportamentos delituosos;tudo ponderado, designadamente a gravidade dos factos (tendo aqui também em conta o valor das vantagens obtidas ou que o arguido esperava obter, de pouco significado ou expressão económica) e o quantum das penas parcelares (de 2 anos de prisão por cada um dos 3 crimes), tendo em atenção o efeito previsível da pena conjunta sobre o arguido, homem com 55 anos de idade, o qual foi aposentado compulsivamente, entende-se fixá-la em 3 anos de prisão.
VII - Pressuposto material básico do instituto da suspensão da execução da pena é a expectativa, objectivamente fundada, de que a simples censura do facto e a ameaça da pena de prisão bastarão para afastar o condenado da criminalidade: tal prognóstico favorável requer uma valoração global de todas as circunstâncias que possibilitem a formulação de uma conclusão sobre o comportamento futuro do condenado, aí se incluindo a personalidade (inteligência e carácter), a vida anterior (condenações anteriores), as circunstâncias do crime (motivo e fins), conduta posterior ao crime (arrependimento, reparação do dano) e circunstâncias pessoais (profissão, família, condição social), e terá de ser feito tendo em vista considerações de prevenção especial.
VIII - Mas, de acordo com o preceituado no art. 50.º, n.º 1, do CP, a par daquele pressuposto material, outro existe: o texto legal alude às finalidades da punição, sendo estas, segundo o art. 40.º, n.º 1, do CP, a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, o que equivale a dizer que, a par de considerações de prevenção especial, coexistem considerações de prevenção geral.
IX - Assim, para aplicação desta pena de substituição é necessário, em primeiro lugar, que o julgador se convença, face à personalidade do condenado, suas condições de vida, comportamento global, natureza do crime e sua adequação a essa personalidade, que o facto cometido não está de acordo com essa personalidade e foi simples acidente de percurso esporádico, e que a ameaça da pena, como medida de reflexos sobre o seu comportamento futuro, evitará a repetição de comportamentos delituosos, sendo necessário, em segundo lugar, que a pena de suspensão de execução da prisão não coloque irremediavelmente em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e a estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias, ou seja, o sentimento de reprovação social do crime ou sentimento jurídico da comunidade.
X - Numa situação em que estamos perante delinquente primário, com 55 anos de idade, bem integrado social e familiarmente, estimado e considerado no meio em que vive, aposentado na sequência de processo disciplinar (circunstância de particular relevo na formulação do juízo de prognose), há que formular um juízo de prognose positivo.
XI - Assim sendo, e tendo por certo que a pena de suspensão da execução da prisão não coloca em causa o sentimento jurídico da comunidade, é de suspender a execução da pena ao arguido, pelo período de 4 anos (tendo em atenção as suas condições pessoais, os crimes praticados e o quantum da pena conjunta), subordinando-se a suspensão à entrega da importância de € 1250, no prazo de 3 meses, a favor da Misericórdia local.
Proc. n.º 4813/06 - 3.ª Secção Oliveira Mendes (relator) Maia Costa Henriques Gaspar Soreto de Barros