Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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    Sumários do STJ (Boletim) - Criminal
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ACSTJ de 21-02-2007
 Escutas telefónicas Nulidade Questão interlocutória Admissibilidade de recurso Cindibilidade do recurso Regras de produção de prova Proibição de prova Recurso da matéria de facto Acórdão da Relação Omissão de pronúncia
I - A nulidade das escutas telefónicas, enquanto questão interlocutória, que não pôs termo à causa e que já foi apreciada, em recurso, pela Relação, está abrangida pela regra da irrecorribilidade imposta pela al. c) do n.º 1 do art. 400.°, por referência da al. b) do art. 432.°, ambos do CPP.
II - O facto de não ter sido objecto de recurso autónomo não lhe confere recorribilidade fundamentada na circunstância de as restantes questões tratadas no recurso poderem ser objecto de impugnação para este Supremo Tribunal.
III - Este entendimento, respeitando a garantia constitucional do duplo grau de jurisdição, está em perfeita consonância com o regime dos recursos para o STJ traçado pela Reforma de 1998, que obstou, de forma clara, ao segundo grau de recurso, terceiro grau de jurisdição, relativamente a questões processuais ou que não tenham posto termo à causa. A excepção é a prevista na al. e) do art. 432.º do CPP, à qual não é subsumível a hipótese em apreço.
IV - De acordo com o art. 403.º do CPP é possível a limitação do recurso a uma parte da decisão quando essa parte recorrida puder ser separada da não recorrida, de forma a tornar possível uma apreciação e decisão autónomas.
V - Se o recorrente interpõe recurso de diversos actos processuais [trazendo à colação o regime das nulidades a que aludem os arts. 123.º e ss. do CPP], é em face do regime global dos mesmos actos que deve ser aferida a sua legalidade. Não é, pois, possível considerar apenas parte das normas que compõem o regime aplicável, criando um instituto novo para decisão no caso concreto que se reconduza ao do regime das nulidades menos as normas relativas à admissibilidade que o recorrente não queria ver sindicadas.
VI - Existe uma diferença qualitativa entre a intercepção efectuada à revelia de qualquer autorização legal e a que, autorizada nos termos legais, não obedeceu aos requisitos a que alude o art. 187.º do CPP: nesta hipótese o meio de prova foi autorizado, e está concretamente delimitado em termos de alvo, prazo e forma de concretização, e se os pressupostos de autorização judicial forem violados estamos apenas em face de uma patologia relativa a uma regra de produção de prova.
VII - As regras de produção da prova são «ordenações do processo que devem possibilitar e assegurar a realização da prova. Elas visam dirigir o curso da obtenção da prova sem excluir a prova. As regras de produção da prova têm assim a tendência oposta à das proibições de prova. Do que ali se trata não é de estabelecer limites à prova como sucede com as proibições de prova, mas apenas de disciplinar os processos e modos como a prova deve ser regularmente levada a cabo».
VIII - Já o que define a proibição de prova é a prescrição de um limite à descoberta da verdade.
IX - É esta distinção que terá de estar subjacente a qualquer análise do regime legal das escutas telefónicas, não confundindo as patologias que colidem com étimos e princípios inultrapassáveis, pois que integram o cerne dos direitos individuais com inscrição constitucional, com aquelas que se traduzem em mera irregularidade produzida no contexto amplo de um meio de prova que foi autorizado.
X - Quando o que está em causa é a forma como foram efectuadas as intercepções telefónicas produzidas no âmbito de meio de prova autorizado e perfeitamente definido carece de qualquer fundamento, sendo despropositada, a referência a uma prova proibida.
XI - Havendo recurso da matéria de facto, não se exige que o tribunal de recurso realize novo julgamento, mas a sindicância da decisão sobre a matéria de facto, para se traduzir na efectiva tutela dos direitos de defesa (art. 32.º, n.º 1, da CRP), exige que o tribunal ad quem aprecie de forma completa, ainda que concisa, os concretos fundamentos do recurso para depois concluir pela procedência ou improcedência da impugnação.
XII - Se, nos termos do art. 412.°, n.º 3, do CPP, o recorrente que pretende impugnar a decisão sobre a matéria de facto tem de especificar as provas que impõem decisão diferente da recorrida, o Tribunal da Relação, em sede de fundamentação do seu acórdão, terá necessariamente de abordar especificadamente cada uma das provas e argumentos indicados, salvo naturalmente aqueles cuja consideração tiver ficado prejudicada pela resposta dada a outros.
XIII - Não o fazendo, o acórdão recorrido omite pronúncia sobre questão que era obrigado a conhecer, sendo, por isso, nulo, nos termos dos arts. 428.º, n.º 1, 431.º, 425.º, n.º 4, e 379.º, n.º 1, al. c), do CPP.
Proc. n.º 4685/06 - 3.ª Secção Santos Cabral (relator) Oliveira Mendes Henriques Gaspar Soreto de Barros