ACSTJ de 21-02-2007
Recurso da matéria de facto Recurso da matéria de direito Competência da Relação Competência do Supremo Tribunal de Justiça Vícios do art. 410.º do Código de Processo Penal Homicídio qualificado Tentativa Culpa Motivo fútil Medida concreta da pena
I - A impugnação da decisão final do tribunal colectivo passa por uma de duas alternativas: visando-se exclusivamente o reexame da matéria de direito (art. 432.º, al. d), do CPP) o recurso é dirigido directamente ao STJ; se não visar exclusivamente o reexame da matéria de direito, dirige-se, «de facto e de direito», à Relação, caso em que a decisão desta, se for recorrível, nos termos do art. 400.º do CPP, poderá depois ser impugnada perante o STJ (art. 432.º, al. b), do CPP). II - Nesta última hipótese, o recurso – agora puramente de revista – terá que visar exclusivamente o reexame da decisão recorrida (a da Relação) em matéria de direito (com exclusão, por isso, dos eventuais vícios, processuais ou de facto, do julgamento de 1.ª instância), embora se admita que, para evitar que a decisão de direito se apoie em matéria de facto ostensivamente insuficiente, fundada em erro de apreciação ou assente em premissas contraditórias detectadas por iniciativa do STJ, para além do que tenha de aceitar-se já decidido definitivamente pela Relação, em último recurso, aquele se abstenha de conhecer do fundo da causa e ordene o reenvio nos termos processualmente estabelecidos. III - É unicamente com este âmbito que o STJ pode ter de avaliar da subsistência dos aludidos vícios da matéria de facto, o que significa que está fora do âmbito legal do recurso a reedição dos vícios apontados à decisão de facto da 1.ª instância, em tudo o que foi objecto de conhecimento pela Relação. IV - O especial tipo de culpa do homicídio qualificado é conformado através da especial censurabilidade ou perversidade do agente, enumerando o n.º 2 do art. 132.º do CP um catálogo dos exemplos padrão e o seu significado orientador como demonstrativo daquele especial tipo de culpa. V - Motivo fútil é o motivo de importância mínima. Será também o motivo frívolo, leviano, a ninharia que leva o agente à prática desse grave crime, na inteira desproporção entre o motivo e a extrema reacção homicida, o que se apresenta notoriamente inadequado do ponto de vista do homem médio em relação ao crime de que se trate, traduzindo uma desconformidade manifesta entre a gravidade e as consequências da acção cometida e o que impeliu o agente a essa comissão, que acentua o desvalor da conduta por via do desvalor daquilo que impulsionou a sua prática. VI - O vector fulcral que identifica o «motivo fútil» não é, pois, tanto o que passe por dizer-se que, sendo ele de tão pouco ou imperceptível relevo, quase que pode nem chegar a ser motivo, mas sim aquele que realce a inadequação e faça avultar a desproporcionalidade entre o que impulsionou a conduta desenvolvida e o grau de expressão criminal com que ela se objectivou. VII - Numa situação em que:- surgem dois grupos de jovens distintos e uma troca de palavras relacionada com o olhar para as raparigas acompanhantes como motivo de confronto;- toda a sequência que vai resultar no evento tem a sua génese numa banal discussão típica de noites de fim-de-semana de ambiente urbano e, progressivamente, vai-se avolumando sem que se descortine um motivo racional, e termina com o arguido a desferir na vítima, com uma navalha, três golpes que o atingiram na face posterior do tórax, hemitórax direito ao nível da omoplata e face externa do terço superior do ombro direito, num momento em que não existia uma situação de confronto, mas sim uma perseguição tenaz e persistente da vítima, para a agredir;- tal tipo de actuação não só consubstancia um motivo fútil como é quase paradigma de motivo fútil, do qual começam a existir réplicas, essencialmente em ambientes e situações deste tipo, não oferecendo qualquer crítica a qualificação do homicídio operada pelas instâncias. VIII - Se, sindicando a decisão recorrida, se verifica que:- a mesma equacionou devidamente a determinação do fim das penas, na sua tríplice dimensão de justa retribuição da culpa, de contribuição para a reinserção social do arguido em sede de prevenção especial, e de neutralizar os efeitos negativos da prática do crime em sede de prevenção;- se abrangeu a elevada gravidade de ilicitude do facto no seu modo de execução, com o inusitado recurso à violência e as suas consequências;- ao nível do tipo de ilícito, foi considerado o elevado grau de perigo pela forma como foi colocado em causa um valor fundamental da vida em comunidade;- em sede de tipo de culpa, salientou-se a forma acabada de dolo directo;- no que concerne às finalidades da conduta, encontraram-se motivos irrelevantes;- na personalidade, foi devidamente elencado o processo de socialização do recorrente como factor negativo e de compreensão para a sua tendência para o crime;encontram-se correctamente definidos os parâmetros dentro dos quais tem lugar a fixação da medida concreta da pena, não se vislumbrando qualquer razão para colocar em causa a decisão recorrida, que fixou a pena aplicada ao arguido em 4 anos de prisão, pela prática de um crime de homicídio qualificado, na forma tentada, p. e p. pelos arts. 131.º, 132.º, n.ºs 1 e 2, al. d), 22.º, 23.º, n.ºs 1 e 2, e 73.º, todos do CP.
Proc. n.º 260/07 - 3.ª Secção
Santos Cabral (relator)
Oliveira Mendes
Maia Costa
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