Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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    Sumários do STJ (Boletim) - Criminal
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ACSTJ de 21-02-2007
 Defensor Carência de defesa Homicídio qualificado Consumo de álcool Medida concreta da pena Pedido de indemnização civil Indemnização
I - A manifesta carência de defesa que impõe ao juiz a sua intervenção activa tem de ser evidenciada por um conjunto de circunstâncias processuais, que traduzam a ausência, sérias omissões ou o desinteresse patente do defensor nomeado, reveladas por si mesmas ou em consequência de alguma intervenção ou solicitação do próprio arguido.
II - O juiz, se deve intervir em casos de carência manifesta de defesa, não pode nem deve sindicar ou avaliar os modos ou as formas de intervenção no exercício da defesa, que podem relevar da liberdade de intervenção e da estratégia definida pelo próprio defensor.
III - O facto referido pelo recorrente de que foi escasso o tempo que mediou entre a nomeação de defensor [daquele defensor] e a audiência não revela, no caso dos autos, carência manifesta, uma vez que o defensor nomeado, se pretendesse dispor de maior tempo de preparação, poderia e deveria solicitá-lo ao juiz antes do início da audiência. E só em caso de recusa poderia invocar que estava privado das condições de preparação que entendia necessárias, o que não aconteceu.
IV - A circunstância de o recorrente consumir bebidas alcoólicas em excesso e comprimidos Valium, apenas por si, não releva favorável ou desfavoravelmente, uma vez que não está provado que no momento dos factos [o arguido vivia há cerca de 30 anos na residência sita na Rua…, em Lisboa; esta residência caracteriza-se por ser uma antiga pensão, cujos quartos foram arrendados a vários inquilinos, entre os quais GE, de 74 anos, e a mãe do arguido, com quem este residia, paredes meias com a primeira, partilhando em comum a cozinha e a casa de banho; no dia 24-03-2005, a hora não concretamente apurada, mas da parte da manhã, o arguido resolveu deslocar-se à casa de banho comum da sua residência e deparou-se com GE junto da porta de entrada do quarto dela; houve uma troca de palavras entre ambos, de teor não concretamente apurado, e o arguido, sem qualquer motivo, desferiu um empurrão em GE; em consequência deste empurrão, GE bateu com o peito na tábua dos “pés” da sua cama e caiu desamparada, ficando em posição de decúbito ventral no chão do seu quarto; GE começou de imediato a gritar em voz alta e a queixar-se das costelas, dizendo que ia contar à polícia o que tinha sucedido, ao mesmo tempo que se arrastava um pouco para chegar junto da sua cama; para evitar que GE fosse contar à polícia o sucedido, quando esta se encontrava junto à cama, o arguido colocou-se em cima das costas dela e agarrou num cobertor que se encontrava em cima da cama; de seguida, colocou o cobertor na boca dela, pressionando-o com força, configurando como possível que com o seu peso nas costas de GE, ao mesmo tempo que pressionava o cobertor contra a boca desta, lhe pudesse tirar a vida, o que não o impediu de continuar; o arguido apenas parou de efectuar pressão nas costas e na boca de GE, quando se apercebeu de que esta já se encontrava sem vida; em resultado da acção do arguido, GE sofreu fracturas de dois dentes incisivos direitos, fracturas dos arcos médios e posteriores das 3.ª à 11.ª costelas, com infiltrações sanguíneas peri-focais e fracturas dos arcos anteriores da 4.ª e 5.ª costelas, com infiltração sanguínea peri-focal; a morte de GE foi devida a “shock” consecutivo às referidas lesões traumáticas costais, as quais constituíram causa directa e adequada da morte desta; o arguido agiu deliberada, livre e conscientemente; ao actuar da forma supradescrita fê-lo para não ser responsabilizado pela agressão perpetrada a GE] estivesse sob influência de tais produtos ou que tal circunstância se tivesse reflectido na decisão e no modo e nos termos da acção.
V - Pela prática do crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos arts. 131.º e 132.º, n.ºs 1 e 2, als. b) e f), do CP, com os contornos supra-expostos, mostra-se adequada a condenação do arguido, delinquente primário, que confessou os factos de forma integral e sem reservas, numa pena de 15 anos de prisão.
VI - Sendo a decisão de fixação de uma indemnização equitativa o resultado de uma mediação inescapável do prudente critério do juiz entre a objectividade dos fins e o sentido da justa medida, o resultado do julgamento não deverá ser censurado quando não for clara e manifestamente inaceitável.
VII - No caso dos autos, o tribunal a quo, ao fixar em € 65.000 o valor global da indemnização por danos não patrimoniais, sendo € 5.000 destinados a ressarcir todo o sofrimento e dor física sentidos pela vítima durante o processo de agressão que conduziu à sua morte, € 20.000 para ressarcimento do dano morte e o remanescente, no montante de € 40.000, repartido em quatro parcelas de € 10.000 cada, destinadas, respectivamente, a cada um dos quatro filhos da falecida, para ressarcimento dos danos não patrimoniais sofridos em consequência da morte da mãe, ponderou com razoabilidade a justa medida e a relação entre a natureza dos danos, a culpa do recorrente e a sua condição, sendo de manter os valores atribuídos nas indemnizações.
Proc. n.º 4594/06 - 3.ª Secção Henriques Gaspar (relator) Soreto de Barros Armindo Monteiro Santos Cabral