Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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    Sumários do STJ (Boletim) - Criminal
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ACSTJ de 24-10-2006
 Burla Escolha da pena Prevenção geral Cúmulo jurídico Pena única Perdão
I - A pena não detentiva não satisfaz as fortes exigências de prevenção geral do crime, num caso em que o arguido se apropriou de € 62 349,74 por meios astuciosos para com os empregados da companhia seguradora e dos bancos, utilizando as falsificações como instrumento do engano, causando aos herdeiros de E prejuízo patrimonial de igual valor e até ao presente, o arguido não restitui tal montante ou qualquer quantia aos ofendidos apesar de já terem decorrido mais de 7 anos, sendo que, em consequência dessa conduta reprovável, os ofendidos sofreram grandes dificuldades económicas e forte abalo psicológico - aqui o decurso do tempo acentua a necessidade da pena, pois o recorrente já podia ter ressarcido ao menos em parte os ofendidos, tanto mais que se encontra em liberdade e, portanto, com possibilidade de angariar outros meios para além do seu parco salário.
II - Para proceder ao cúmulo jurídico de penas em concurso de infracções quando só algumas beneficiam de perdão, há que seguir estes passos:- 1.° efectua-se o cúmulo jurídico de todas as penas em concurso, independentemente de alguma delas beneficiarem de perdão e, assim, obtém-se a pena única;- 2.° calcula-se o perdão, após se ficcionar um cúmulo jurídico parcelar das penas que por ele estão abrangidas;- 3.° faz-se incidir o perdão assim calculado sobre a pena única inicial, mas o perdão tem como limite máximo a soma das parcelas das penas “perdoáveis”, tal como encontradas na operação de cálculo dessa pena única inicial.
III - Rejeita-se, assim, a fórmula que há anos era a jurisprudencialmente consagrada: na situação apontada, havendo que cumular penas abrangidas por perdão com penas por ele não abrangidas, entendia-se que haveria que efectuar um cúmulo jurídico provisório das penas abrangidas pelo perdão, aplicar o perdão à pena única parcelar provisória e, depois, efectuar o cúmulo final entre o remanescente desta e as restantes penas não abrangidas pelo perdão.
IV - Ora, esta fórmula é passível, pelo menos, de duas críticas pertinentes:- por um lado, dela resulta uma dupla compressão injustificada de certas penas. Como se sabe, para a formação de um cúmulo jurídico, todas as penas, com excepção da mais grave, sofrem uma determinada compressão, maior ou menor consoante a ponderação que é feita dos factos e da personalidade do agente, visto que, em regra, não é aplicada a pena máxima do concurso (a soma material de todas as penas). Daí decorre que na fórmula em apreço há uma primeira compressão na formação do cúmulo jurídico provisório para calcular o perdão e uma segunda no cúmulo jurídico definitivo. E, como facilmente se percebe, é uma dupla compressão injustificada, pois há só um cúmulo jurídico real, já que o outro é meramente ficcionado tendo em vista o cálculo do perdão;- a outra crítica é a de que, com este método, o perdão fica diluído e não transparece na pena única definitiva, pelo que, por um lado, o arguido mal se apercebe de que beneficiou de um perdão no meio das contas do cúmulo, por outro, não se sabe ao certo que desconto efectivo foi feito na pena única final, por fim, perde-se o efeito dissuasor da condição resolutiva a que está sujeito o perdão (art. 4.º da Lei 29/99).
Proc. n.º 2941/06 - 5.ª Secção Santos Carvalho (relator) ** Costa Mortágua Rodrigues da Costa Arménio Sottomayor