ACSTJ de 12-10-2006
Tráfico de estupefacientes Autoria Cumplicidade Insuficiência da matéria de facto Atenuação especial da pena
I - Deve ser condenada como autora (art. 26.º do CP) de um crime de tráfico de estupefacientes, p. p. art. 21.º do DL 15/93 - e não apenas como mera cúmplice (art. 27.º, n.º 1, do CP) - quem, como a aqui arguida, «durante cerca de 18 meses e até 07.09.2000», se «dedicou com regularidade», «conjuntamente com o seu companheiro», «à cedência de heroína a indivíduos dependentes desta substância»: a) «Os indivíduos que pretendiam adquirir heroína telefonavam para a residência da arguida e do seu companheiro e, a qualquer um deles, encomendavam a quantidade pretendida ou deslocavam-se lá com vista à aquisição de heroína»; b) «Eram atendidos por qualquer um deles»; c) «Se a encomenda tivesse sido feita por telefone, deslocavam-se à residência dos arguidos para aí irem buscar o produto encomendado»; d) «A cedência de heroína só era efectuada a pessoas de confiança da arguida e do seu companheiro a quem estes não cediam menos de ½ grama de heroína, pelo valor de 5000$»; e) «No dia 07. 09.2000, a arguida e o companheiro detinham na sua residência: - 0,708 g de “cannabis” (resina); - 0,061 g + 12,557 g + 76,280 g de heroína»; f) «Sabiam a arguida e o seu companheiro que os produtos por ambos detidos eram heroína, cocaína e cannabis»; g) «Conheciam as suas qualidades estupefacientes»; h) «Destinavam pelo menos a heroína à sua venda»; i) «Agiu a arguida deliberada, livre e conscientemente, em comunhão de esforços e intentos com o seu companheiro, bem sabendo que a venda de heroína, bem como a sua detenção e a de cannabis e cocaína eram proibidas e punidas por lei». II - Se bem que, no recurso de revista, «não possa ser alterada a decisão proferida pelo tribunal recorrido quanto à matéria de facto» (art. 729.º, n.º 2, do CPC), o processo poderá voltar ao tribunal recorrido «quando o Supremo entenda que a decisão de facto pode e deve ser ampliada, em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito» (art. 729.º, n.º 3). III - Tal devolução ao tribunal recorrido justificar-se-á, estando em causa a eventual atenuação especial da pena em função do art. 72.º, n.º 2, al. d), do CP («Tendo decorrido muito tempo sobre a prática do crime»), se o tribunal colectivo, a pretexto de «não conhecer a vida da arguida, já que a mesma não quis estar presente em julgamento, apenas se conhecendo o facto de estar na Holanda e não ter antecedentes criminais», não se tiver pronunciado sobre se a arguida mantivera (ou não), desde a prática do crime, «boa conduta», apesar de ter podido em qualquer altura do julgamento - e, maxime, no momento processual definido pelo art. 369.1 e 2 do CPP («prova suplementar») ou «logo que, em função da prova para o efeito produzida em audiência, o considerasse necessário à correcta determinação da sanção que eventualmente pudesse vir a ser aplicada» - «solicitar a elaboração de relatório social ou de informação dos serviços de reinserção social, ou a respectiva actualização (...)» (art. 370.1). IV - E nem o facto de a arguida «estar na Holanda» seria impeditivo de, através do chamado «auxílio judiciário mútuo em matéria penal» (art.s 145.º e ss. do DL 144/99 de 31AGO), se obterem, junto das autoridades holandesas, «meios de prova» complementares (art. 145.2.b) e/ou informações sobre sentenças (art. 163.º) e, através dos serviços de identificação criminal, informações sobre o seu «registo criminal» holandês.
Proc. n.º 2816/06 - 5.ª Secção
Carmona da Mota (relator) **
Pereira Madeira
Santos Carvalho
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