ACSTJ de 04-10-2006
Mandado de Detenção Europeu Direitos de defesa Conhecimento do conteúdo do mandado Auto Identidade do arguido Nulidade insanável Nulidade da sentença
I - No domínio do Mandado de Detenção Europeu, o conhecimento do conteúdo do mandado é conditio sine qua non de um adequado exercício do direito de defesa, postulado, ao menos, no art. 32.°, n.º 1, da CRP, tendo em conta, nomeadamente, que só conhecendo o conteúdo do mandado de detenção se poderá saber, por exemplo, se a infracção foi amnistiada (art. 11.º, al. a), da Lei 65/2003, de 23-08), se a pessoa foi definitivamente julgada pelos mesmos factos e ou a pena foi integralmente cumprida, está a ser executada ou já não pode ser cumprida [al. b)], se a infracção é punível com pena de morte ou com outra pena de que resulte lesão irreversível da integridade física [al. c)], para só mencionar casos mais expressivos. II - Não constando do auto de audiência expressamente ter sido o arguido inteirado do conteúdo do mandado, serão no mínimo fantasiosas todas as extrapolações que sobre o assunto se pretendam extrair de factos circunstanciais. III - O processo existe justamente como prova e garantia de que os procedimentos supostos na lei são observados, de tal modo que, já de longos tempos, se vem afirmando a insuperável máxima processual segundo a qual quod non est in autus non est in mundo. IV - Sempre que processualmente, pelo menos, resulte que não foi dado ao detido o conhecimento do mandado mostram-se violados os arts. 17.º, n.º 1, e 18.°, n.º 3, da Lei 65/2003, e, por essa via, o direito fundamental de defesa consagrado no citado art. 32.°, n.º 1, da CRP, o que constitui uma nulidade insanável, à semelhança do que se encontra previsto no art. 119.º, al. d), do CPP, embora a «falta de inquérito» aqui se restrinja a falta de um acto [essencial] do inquérito - a falada falta de informação - em relação à qual se pode afirmar afoitamente a «falta de inquérito», com a consequente nulidade absoluta do acto documentado pelo «auto de audiência» levado a cabo no tribunal a quo. V - A razão por que o tribunal superior é chamado a intervir na decisão de um Mandado de Detenção Europeu reside justamente em dar corpo às garantias formais postuladas por lei. VI - Uma dessas garantias é a de assegurar que a pessoa em causa é efectivamente a que é reclamada pelo Estado suplicante. VII - Por isso, ao tribunal em causa não basta afirmar «que nada indica que não seja o arguido a pessoa procurada». VIII - Não é isso que a lei lhe pede, isto é, um juízo dubitativo sobre a identidade do procurado. IX - O que se lhe pede é que, certificando-se positivamente de que se trata da pessoa procurada, decida em conformidade. X - Nestes termos, ou aquele tribunal assume que não há erro de identidade sobre a pessoa visada e decide em conformidade, ou não assume e em última análise, terá de socorrer-se dos princípios gerais de processo penal em matéria de prova. XI - Não procedendo assim cai-se sob alçada dos arts. 374.°, n.º 2, e 379.°, n.º 1, do CPP, por aplicação subsidiária, havendo, pois, uma nulidade na respectiva decisão.
Proc. n.º 3758/06 - 5.ª Secção
Pereira Madeira (relator)
Rodrigues da Costa
Santos Carvalho
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