ACSTJ de 18-10-2006
Furto Furto de uso Elementos da infracção Dolo específico
I - O traço diferencial, a linha de fronteira essencial, entre o furtum rei e o furtum usus de veículo vai buscar a sua raiz ao elemento subjectivo do agente, mais restritivo neste do que naquele, pois se ali [furtum rei] ao agente preside o intuito de introduzir na sua esfera patrimonial a coisa alheia de que se apoderou, na mira de passar a exercer sobre ela os poderes como se fosse seu dono, pela inversão do título de posse, já no furto de uso o agente não passa de um detentor, de propósito mais limitado, sobre a forma de usar a coisa. II - No furto de uso de veículo vinga a atitude espiritual de um possuidor precário, pois o agente representa tão-só a utilização ilegítima, abusiva, do veículo, e não uma vontade dirigida à apropriação, com o animus de um proprietário. III - A detecção desse intuito exterioriza-se através de factos-índice que objectiva e inequivocamente são dele revelação. IV - Assim, a utilização tendencialmente momentânea e a restituição quase imediata é elemento implícito do crime de furto de uso; a utilização para além do limite temporal que se pressupõe momentâneo é já demonstração da utilização uti dominus, enquanto que a restituição prevista no art. 206.º do CP é mero pressuposto de atenuação especial do crime de furtum rei (cf. Faria e Costa in Comentário ao Código Conimbricense, II, pág. 140). V - A restituição efectiva só caracteriza o furto de uso se ab initio preencher o propósito do agente de abandonar a coisa (cf. José António Barreiros in Crimes Contra o Património, Universidade Lusíada, pág. 60). VI - Sublinhe-se que o abandono do veículo só por si não é absolutamente conclusivo dessa intenção, tudo passando pela demonstração factual do intuito que orientou o agente na deslocação patrimonial que efectivou. VII - Este é também o sentido da jurisprudência do STJ, que considera que estando perfectibilizados os elementos objectivos do crime (subtracção ilegítima de coisa móvel, com intenção de ilegítima apropriação para o agente ou para terceiro), não tendo o agente demonstrado a sua intenção de restituir a coisa após a sua utilização, fica excluída a prática de crime de furto uso.
Proc. n.º 2809/06 - 3.ª Secção
Armindo Monteiro (relator)
Santos Cabral
Oliveira Mendes
Sousa Fonte
|