ACSTJ de 18-10-2006
Autoria Co-autoria Comparticipação Acção típica
I - Numa concepção restritiva do conceito de autoria só é autor quem realiza, por si mesmo, a acção típica. A simples contribuição para a produção do resultado, mediante acções distintas das típicas, não pode fundamentar a imputação da autoria. II - Nesta perspectiva, os outros intervenientes, que só determinam o autor a realizar o facto punível, ou o auxiliam, teriam de ficar impunes se não existissem os especiais preceitos penais relativos à comparticipação. III - Ao conceito restritivo de autor opõe-se o conceito extensivo, segundo o qual é autor todo aquele que contribuiu para causar o resultado típico sem que a sua contribuição para a produção do facto tenha que consistir numa acção típica. O fundamento dogmático desta teoria é a ideia da equivalência de todas as condições na produção do resultado, a qual serve de base à teoria da condição sine qua non. IV - Assim, também o instigador e o cúmplice seriam autores. V - Porém, é a teoria do domínio do facto que se apresenta como eixo fundamental de interpretação da teoria da comparticipação e de análise do artigo 26.º do CP. VI - Autor é, segundo esta concepção, quem domina o facto, quem toma a execução “nas suas próprias mãos”, de tal modo que dele depende decisivamente o «se» e o «como» da realização típica. VII - A trilogia de formas de autoria prevista no artigo 26.º do CP - autoria imediata, autoria mediata e co-autoria - corresponde a três tipos diversos de domínio do facto: a) o agente domina o facto na medida em que é ele próprio quem procede à realização típica, quem leva a cabo o comportamento com o seu próprio corpo; b) o agente domina o facto, e a realização típica mesmo sem nela fisicamente participar, quando domina o executante através de coacção, de erro ou de um aparelho organizado de poder; c) ou domina o facto através de uma divisão de tarefas com outros agentes, desde que, durante a execução, possua uma função relevante para a realização típica. VIII - Quando uma pluralidade de agentes comparticipa num facto nem sempre é fácil definir e autonomizar com exactidão o contributo de cada um para a realização típica. O facto aparece como a obra de uma vontade que se dirige para a produção de um resultado. Porém, para a autoria não só é determinante a vontade de direcção, mas também a importância objectiva da parte do facto assumida por cada interveniente. Daí resulta que só possa ser autor quem, segundo a importância da sua contribuição objectiva, comparte o domínio do curso do facto. IX - Sem embargo, na co-autoria cabe ainda a actuação que, atendendo à “divisão de papéis”, não entre formalmente no arco da acção típica. Basta que se trate de uma parte necessária da execução do plano global dentro de uma razoável “divisão de trabalho” (domínio funcional do facto). X - A co-autoria consiste, assim, numa “divisão de trabalho” que torna possível o facto ou que facilita o risco. XI - Requer, no aspecto subjectivo, que os intervenientes se vinculem entre si mediante uma resolução comum sobre o facto, assumindo cada qual, dentro do plano conjunto (expresso ou tácito, prévio ou não à execução do facto), uma tarefa parcial, mas essencial, que o apresenta como co-titular da responsabilidade pela execução de todo o processo. A resolução comum de realizar o facto é o elo que une num todo as diferentes partes. XII - No aspecto objectivo, a contribuição de cada co-autor deve alcançar uma determinada importância funcional, de modo que a cooperação de cada qual no papel que lhe correspondeu constitui uma peça essencial na realização do plano conjunto (domínio funcional). XIII - O STJ tem, de há muito, consagrado a tese de que, para a co-autoria, não é indispensável que cada um dos intervenientes participe em todos os actos para obtenção do resultado pretendido, bastando que a actuação de cada um seja um elemento componente do todo indispensável à sua produção. XIV - A decisão conjunta pressupõe um acordo que pode ser tácito, pode bastar-se com a consciência e vontade de colaboração dos vários agentes na realização de determinado tipo legal de crime. XV - As circunstâncias em que os arguidos actuaram nos momentos que antecederam o crime podem ser indício suficiente, segundo as regras da experiência comum, desse acordo tácito. XVI - Se o arguido conhecia a possibilidade de o processo em que estava inserido poder conduzir à morte de outrem e, prefigurando tal resultado, não desenvolveu qualquer mecanismo inibitório e, pelo contrário, envolveu-se no processo causal, conformando-se com o resultado, actuou como co-autor na produção daquela morte.
Proc. n.º 2812/06 - 3.ª Secção
Santos Cabral (relator)
Pires Salpico
Oliveira Mendes
Silva Flor
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