Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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    Sumários do STJ (Boletim) - Criminal
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ACSTJ de 18-10-2006
 Competência do Supremo Tribunal de Justiça Âmbito do recurso Questão nova Matéria de facto Matéria de direito Defensor Suspensão Nulidade insanável Vícios do art. 410.º do Código de Processo Penal Erro notório na apreciação da prova Livre apreciação da pr
I - Conforme é jurisprudência constante deste Supremo Tribunal, os recursos destinam-se a reexaminar decisões proferidas por jurisdição inferior e não a obter decisões sobre questões novas, não colocadas perante aquelas jurisdições.
II - Os recursos são remédios jurídicos que se destinam a despistar e corrigir erros in judicando ou in procedendo, que são expressamente indicados pelo recorrente, com referência expressa e específica aos meios de prova que impõem decisão diferente, quanto aos pontos de facto concretamente indicados (quanto à questão de facto), ou com referência à regra de direito respeitante à prova, ou à questão controvertida (quanto à questão de direito) que teria sido violada, com indicação do sentido em que foi aplicada e do sentido com que deveria ter sido aplicada. Assim, o julgamento do recurso não é o da causa, mas sim do recurso e tão-só quanto às questões concretamente suscitadas e não quanto a todo o objecto da causa, em que estão presentes, face ao Código actual, alguns apontamentos da imediação (somente na renovação da prova, quando pedida e admitida) e da oralidade (através de alegações orais, se não forem pedidas e admitidas alegações escritas).
III - Não pode, assim, o STJ conhecer de questões que, embora resolvidas pelo tribunal de 1.ª instância, não foram suscitadas perante a 2.ª instância, de cuja decisão agora se recorre.
IV - O defensor é um elemento essencial à administração da justiça e um verdadeiro órgão de administração desta, o que significa que exerce também uma função pública, no interesse geral, que ultrapassa o interesse particular do arguido.
V - A posição jurídica de defensor no processo não depende da qualidade de advogado constituído ou defensor nomeado: estas são modalidades de nomeação, de designação, do órgão de defesa, mas não afectam a igualdade da posição jurídica (cf. art. 62.º do CPP).
VI - Tendo o defensor sido nomeado e mantido o exercício da sua representação e assistência de forma regular, uma superveniente crise nas suas relações com a Ordem que integra, e sequente aplicação de sanção (de suspensão) por esta, é patologia que só reflexamente poderá ter repercussão no processo penal, e de forma alguma se poderá afirmar que se trata de uma situação de falta de advogado relevante como nulidade principal.
VII - O estatuto da OA regula tal situação referindo que a sanção disciplinar apenas inicia a produção de efeitos legais no dia seguinte ao da notificação ao arguido e, ainda, que os que transgredirem o preceituado no n.º 1 do art. 53.º (não inscrição) serão, salvo nomeação judicial e sem prejuízo das disposições penais aplicáveis, excluídos por despacho do juiz ou do tribunal, proferido oficiosamente, a reclamação dos conselhos ou delegações da OA ou a requerimento dos interessados. Se a hipótese se der na pendência da lide, o transgressor será inibido de nela continuar a intervir e, desde logo, o juiz nomeará advogado oficioso que represente os interessados, até que estes prevejam, dentro do prazo que lhes for marcado, sob pena de, findo o prazo, cessar de pleno direito a nomeação, suspendendo-se a instância ou seguindo a causa à revelia (cf. arts. 143.º e 158.º).
VIII - Trata-se de um poder-dever que impende sobre o juiz de inibir o transgressor de continuar a intervir no processo a partir do momento em que tal situação lhe é comunicada, e não se vislumbra motivo pelo qual os actos praticados anteriormente por advogado escolhido pelo arguido com base numa relação de confiança deverão ser objecto de desconfiança processual: até ao momento em que o juiz o determina, o advogado nomeado ou constituído mantém a plenitude das suas funções, carecendo de fundamento a invocação de nulidade por falta de defensor pelo facto de a defensora ter sido suspensa pela OA.
IX - É concorde a doutrina no sentido de que o art. 410.º do CPP consagra o recurso de revista ampliada, o que significa que, quando tiver havido renúncia ao recurso em matéria de facto, nas Relações e no STJ, o tribunal ad quem não tem de se restringir à tradicionalmente denominada questão de direito mas antes pode alargar o seu conhecimento a questões documentadas no texto da decisão proferida pelo tribunal a quo que contendam com a apreciação do facto.
X - Tal recurso de revista ampliada consubstancia-se na possibilidade que é dada ao tribunal de recurso de conhecer a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada quando a decisão de direito não encontre na matéria de facto provada uma base tal que suporte um raciocínio lógico-subsuntivo; de verificar uma contradição insanável da fundamentação sempre que através de um raciocínio lógico conclua que da fundamentação resulta precisamente a decisão contrária, ou que a decisão não fica suficientemente esclarecida dada a contradição entre os fundamentos aduzidos; de concluir por um erro notório na apreciação da prova sempre que para a generalidade das pessoas seja evidente uma conclusão contrária à exposta pelo tribunal.
XI - O conceito de erro notório tem de ser interpretado, como o tem sido o de facto notório em processo civil, mormente para os efeitos do art. 514.º, n.º 1, do CPC, isto é, como um facto de que todos se apercebem directamente ou que adquire carácter notório por via indirecta, isto é, mediante raciocínios formados sobre factos observados pela generalidade dos cidadãos. Erro notório existirá, assim, sempre que se revelem distorções de ordem entre os factos provados e não provados, ou que estes traduzam uma apreciação manifestamente ilógica, arbitrária, fora de qualquer contexto racional, e por isso incorrecta, e que, em si mesma, não passe despercebida imediatamente à observação e verificação comum do homem médio.
XII - Para além disso, a existência daquele vício tem de resultar da decisão recorrida na sua globalidade, sem recurso a elementos externos.
XIII - Improcede a alegação de tal vício se o que o recorrente denomina de erro notório não passa de uma patente discordância em termos de matéria de facto, pois que não se pode confundir erro notório com uma diferente convicção em termos probatórios e uma diversa valoração da prova produzida em audiência, e que saber se a prova produzida fundamenta ou não uma convicção sobre a autoria dos factos ilícitos é o topo de uma avaliação que integra a globalidade da mesma prova.
Proc. n.º 2536/06 - 3.ª Secção Santos Cabral (relator) Pires Salpico Oliveira Mendes