Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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    Sumários do STJ (Boletim) - Criminal
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ACSTJ de 11-10-2006
 Admissibilidade de recurso Dupla conforme Insuficiência da matéria de facto Erro notório na apreciação da prova Obscuridade Recurso da matéria de facto Acórdão da Relação Fundamentação Tráfico de estupefacientes Crimes de perigo Qualificação jurídica Âmbi
I - A irrecorribilidade dos acórdãos proferidos, em recurso, pelos Tribunais da Relação, depende da natureza da decisão (interlocutória ou final), do sentido da decisão (absolutória ou condenatória), da gravidade da moldura penal do crime ou crimes objecto da condenação e, bem assim, da ocorrência de confirmação da decisão objecto de recurso - als. c) a f) do n.º 1 do art. 400.º do CPP.
II - Conforme textua a al. f) daquele art. 400.°, só são irrecorríveis as decisões condenatórias por crime ou crimes puníveis com prisão não superior a 8 anos, desde que confirmatórias da decisão de 1.ª instância.
III - No caso vertente, sendo o crime punível com prisão de 4 a 12 anos, é evidente que, independentemente da ocorrência da dupla conforme, que aliás não se verifica, a decisão é recorrível.
IV - A matéria de facto só pode ser considerada insuficiente para efeitos da nulidade da decisão prevista pelas disposições conjugadas dos arts. 379.°, n.º 1, al. a), e 374.°, n.º 2, do CPP quando a sentença não enumera todos os factos provados e não provados, incluindo-se nestes todos os constantes da acusação ou pronúncia, da contestação e resultantes da discussão com relevo para a decisão.
V - A obscuridade da decisão só é susceptível de constituir nulidade, nos termos dos referidos preceitos, quando é ininteligível a fundamentação e/ou a decisão tout court, isto é, o segmento do dispositivo em que o tribunal faz consignar a condenação ou a absolvição.
VI - O disposto no n.º 2 do art. 374.º do CPP - relativo à fundamentação da sentença - não é directamente aplicável às decisões proferidas por via de recurso, pelos tribunais superiores, mas só por via de aplicação correspondente do art. 379.° do mesmo diploma legal (ex vi art. 425.°, n.º 4), razão pela qual tais exigências [constantes do n.º 2 do art. 374.° do CPP] terão de ser devidamente adaptadas, tendo em vista que as decisões proferidas em recurso visam a sindicação de decisão já proferida, essa, sim, sujeita ao escrupuloso cumprimento da disciplina e comandos constantes do preceito em causa.
VII - O reexame da matéria de facto pelo tribunal de recurso não constitui, salvo os casos de renovação da prova (art. 430.° do CPP), uma nova ou suplementar audiência, de e para produção e apreciação de prova, sendo antes uma actividade de fiscalização e de controlo da decisão proferida sobre a matéria de facto, rigorosamente delimitada pela lei aos pontos de facto que o recorrente entende erradamente julgados e ao reexame das provas que sustentam esse entendimento - art. 412.º, n.º 2, als. a) e b), do CPP.
VIII - O duplo grau de jurisdição em matéria de facto não visa a repetição do julgamento na 2.ª instância, dirigindo-se somente ao reexame dos erros de procedimento ou de julgamento que tenham sido referidos em recurso e às provas que impõem decisão diversa, indicadas pelo recorrente, e não a todas as provas produzidas na audiência.
IX - Por isso, o recurso da matéria de facto não visa a prolação de uma segunda decisão de facto, antes e tão-só a sindicação da já proferida, sendo certo que, no exercício dessa tarefa, o tribunal de recurso apenas está obrigado a verificar se o tribunal recorrido valorou e apreciou correctamente as provas, pelo que, se entender que a valoração e apreciação feitas se mostram correctas, se pode limitar a aderir ao exame crítico das provas efectuado pelo tribunal recorrido.
X - O vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada resulta da circunstância de o tribunal não ter esgotado os seus poderes de indagação relativamente ao apuramento da matéria de facto essencial, ou seja, quando o tribunal, podendo e devendo investigar certos factos, omite esse seu dever, conduzindo a que, no limite, se não possa formular um juízo seguro de condenação ou de absolvição. Trata-se pois de vício que resulta do incumprimento por parte do tribunal do dever que sobre si impende de produção de todos os meios de prova cujo conhecimento se lhe afigure necessário à descoberta da verdade e à boa decisão da causa - art. 340.º, n.º 1, do CPP.
XI - Por sua vez, o vício do erro notório na apreciação da prova consubstancia-se na incorrecção evidente da valoração, apreciação e interpretação dos meios de prova, incorrecção susceptível de se verificar, também, quando o tribunal retira de um facto uma conclusão ilógica, arbitrária ou notoriamente violadora das regras da experiência comum.
XII - O crime de tráfico de estupefacientes é um crime de perigo abstracto, razão pela qual qualquer uma das actividades ou condutas previstas no art. 21.º, n.º 1, do DL 15/93, de 22-01, sem mais, desde que o respectivo agente não se encontre para tanto autorizado, e suposto o dolo em qualquer uma das suas modalidades, são integrantes do crime.
XIII - Resultando da matéria de facto provada que:- a arguida A, no período compreendido entre 15-06-2001 e 08-03-2002, se dedicou à venda a terceiros de produtos de natureza estupefaciente, nomeadamente heroína e cocaína, ou uma mistura destes denominada speed ball ou rebolau, sendo que o não fazia, por regra, através de entregas directas a consumidores, antes através de encomendas por telefone, a fim de ocultar a sua actividade, telefonemas que foram objecto de intercepção, encontrando-se as gravações relevantes efectuadas em apenso ao processo (apensos I a IX);- concretamente, de 15-06-2001 até ao Natal desse ano, vendeu, cedeu e distribuiu a I as referidas substâncias estupefacientes, pessoa que consigo actuava concertadamente, recebendo o produto estupefaciente, com destino à revenda, sendo que após esta realizada entregava à arguida o preço respectivo;- o mesmo sucedeu com H, no período compreendido entre 21-12-2001 e 26-02-2002, e com F, no período compreendido entre o início de 2002 e 08-03-2002;- na sequência de uma busca à residência da arguida, efectuada em 08-03-2002, foram ali apreendidos, além do mais, duas embalagens de um produto acastanhado, com o peso de 5,5 g, o qual submetido a exame foi identificado como heroína, com o peso líquido de 4,730 g, um saco de plástico recortado, cujos recortes a arguida destinava à embalagem de doses de produto estupefaciente, e € 150 que a arguida detinha na sua mão esquerda e era o resultado da venda de produto estupefaciente;- a arguida conhecia bem as características da heroína e da cocaína, sabendo que não lhe era permitido deter, ceder, vender ou comprar tais produtos e que desenvolvia a actividade de tráfico com o propósito de arrecadar benefícios económicos, tendo agido livre e voluntariamente, com consciência da censurabilidade da sua conduta;é evidente que carece de qualquer fundamento a alegação de que as instâncias fizeram uma interpretação e uma aplicação do art. 21.°, n.º 1, do DL 15/93, violadoras dos princípios constitucionais sobre as garantias de defesa e da presunção de inocência, sob a argumentação de que estamos perante insuficiência factual, decorrente da não concretização ou individualização dos factos delituosos.
XIV - Perante esta factualidade, mostra-se correcta a subsunção dos factos à norma do art. 21.º do DL 15/93, de 22-01, e adequada a fixação da pena em 6 anos de prisão.
XV - O STJ vem entendendo que o pedido de requalificação jurídica dos factos para crime de menor gravidade tem implícita a pretensão de redução da pena cominada, visto que a convolação para crime de menor gravidade implica uma menor responsabilização do respectivo agente.
Proc. n.º 2264/06 - 3.ª Secção Oliveira Mendes (relator) Pires Salpico Henriques Gaspar Silva Flor (tem voto de vencido - integraria a conduta no art. 25.º, al. a), do DL 15/93)