ACSTJ de 04-10-2006
Mandado de Detenção Europeu Entrega diferida ou condicional Recusa facultativa de execução Caso julgado
I - Tendo o Tribunal da Relação decidido, em execução de um MDE, entregar o recorrente às autoridades espanholas para cumprimento da pena de 3 anos de prisão, mas suspender a entrega, ao abrigo do art. 31.º, n.º 1, da Lei 65/2003, de 23-08 (decisão que teve como pressupostos lógicos a conformidade do mandado com as exigências legais, a não verificação de causa de recusa de execução prevista no art. 11.º, o requerimento do arguido para cumprir em Portugal a pena de prisão em que foi condenado, nos termos do disposto no art. 12.º, n.º 1, al. g), e a possibilidade de «entrega diferida ou condicional» prevista no n.º 1 do art. 31.º), saber se a decisão aplicou correctamente ou não o regime jurídico que rege o MDE, designadamente se aquele requerimento podia ter sido arvorado em causa de recusa facultativa, nos termos da invocada al. g) do n.º 1 do art. 12.º, se a entrega podia ter ficado subordinada à condição da revisão e confirmação, em Portugal, da sentença do tribunal espanhol, se o cumprimento em Portugal da mesma sentença se integra na previsão do n.º 1 do art. 31.º e autoriza o diferimento da entrega, ou mesmo se, no caso daquela al. g), a sentença tem de ser revista ou confirmada, é matéria que não tem de ser agora reexaminada, porquanto assim foi decidido por acórdão transitado em julgado. II - Evidenciando os termos e o contexto dessa decisão que o Tribunal da Relação, mais do que suspender a entrega do arguido, a condicionou à revisão da sentença, é evidente a contradição e o desrespeito pelo caso julgado já formado sobre a questão quando o acórdão recorrido (na sequência de requerimento do MP pedindo a cessação da suspensão da entrega por, não estando instaurado o indispensável processo de revisão, se ter inviabilizado o cumprimento da pena em Portugal) decidiu, em contrário, faltar fundamento legal para a recusa facultativa porque, «sendo discutível se a previsão do art.º 31.º (…) se aplica a decisões proferidas fora de Portugal, o certo é que só é possível a recusa (facultativa) de entrega caso o Estado Português se comprometa a executar aquela pena ou medida de segurança, de acordo com a lei portuguesa, o que no caso vertente não ocorreu sendo que nem sequer se encontra nos autos a sentença condenatória de Espanha»: antes, a causa de recusa facultativa foi reconhecida, embora subordinada à revisão da sentença; agora, não há fundamento legal para a recusa. III - A interpretação da decisão no sentido de que nada foi decidido em contrário, mas apenas se deu como não verificada a condição a que a entrega ficou subordinada, sempre levaria à revogação do acórdão: por um lado, porque não foi estabelecido qualquer prazo para a instauração e/ou para a finalização do processo de revisão; por outro, porque não se colocou a iniciativa da promoção desse procedimento a cargo de alguém em concreto (se há qualquer indício nesse sentido, o ónus parece que impendia sobre o MP, que até deu mostras de o ter aceitado); por outro ainda, porque a verificação da condição não só não se mostra impossível (tanto assim que o arguido, entretanto, requereu a revisão), como, dos termos latos em que foi imposta, não se pode concluir que tenha sido impedida, contra as regras da boa-fé, pelo arguido (que, como mostram os autos, também insistiu junto do tribunal espanhol, tal como o Tribunal da Relação e o MP, pela entrega da certidão da sentença). IV - Estando validamente pendente a condição a que ficou subordinada a entrega, esta não poderia ser executada (arts. 270.º, 272.º e 275.º, todos do CC), sendo de declarar ineficaz o acórdão recorrido, por violar o caso julgado formado pelo acórdão anterior, que permanece inteiramente válido e exequível.
Proc. n.º 3672/06 - 3.ª Secção
Sousa Fonte (relator)
Oliveira Mendes
Santos Cabral
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