ACSTJ de 28-09-2006
Recurso para fixação de jurisprudência Matéria de direito Impedimentos Competência do relator Legitimidade Interesse em agir
I - O facto do relator de um recurso de fixação de jurisprudência ter intervido como adjunto no acórdão recorrido e ter votado favoravelmente o mesmo acórdão não constitui impedimento à intervenção daquele em tal recurso extraordinário. II - Quando se trata de fixar jurisprudência, sendo, pois, o objecto do recurso restrito a mera questão de direito para mais, elevando-se do caso concreto, pois, a final o que o tribunal pleno vai dizer é, em abstracto, como se fosse criar uma norma legal, qual a jurisprudência que, doravante, há-de ser seguida em todos os casos idênticos, de uma forma ou de outra, em regra, já todos os elementos singulares que o compõem, tiveram ocasião de sobre ela se pronunciar publicamente e assim, com antecipação, tomaram posição sobre o tema do recurso extraordinário. III - E então, a valer aqui aquela ordem de razões que vale para as instâncias, seria de concluir que, no limite, todos eles, estariam, por isso, impedidos, numa palavra, seriam parciais, o que tornaria impraticável, a final, toda e qualquer fixação de jurisprudência. IV - Ora, sendo tal conclusão um resultado que o legislador decerto não pretendeu, até pelo absurdo que representa, temo-la como arredada, ou, o que é o mesmo, concluímos que o regime de impedimentos do art. 40.° do CPP não tem aqui aplicação. V - No recurso de fixação de jurisprudência «está em causa o tratamento dado a uma determinada questão de direito e já não uma mera aplicação do direito a certos factos, situação essa, sim, susceptível de condicionar em concreto a liberdade de determinação do juiz. VI - Por outro lado, inserindo-se este recurso entre os meios destinados a garantir a coerência e a estabilidade da jurisprudência, faz todo o sentido que na decisão participem todos os juízes da secção, designadamente daqueles que têm posições divergentes para assim se garantir a consideração de toda a argumentação pertinente. VII - Finalmente há que dizer que se está perante diferentes formações do mesmo órgão, caso em que, como se viu, a questão em causa não é abordada sob o mesmo prisma nem o órgão jurisdicional cumpre função idêntica em ambas as situações». VIII - «Não basta ter legitimidade para se poder recorrer de qualquer decisão; necessário se torna também possuir interesse em agir, (…) que se reconduz ao interesse em recorrer ao processo, porque o direito do requerente está necessitado de tutela; não se trata, porém, de uma necessidade estrita nem sequer de um interesse vago, mas de qualquer coisa intermédia: um estado de coisas reputado bastante grave para o demandante, e que, assim, torna legítimo o recurso à arma judiciária; à jurisprudência é deixada a função de avaliar a existência ou inexistência de interesse em agir, a apreciação da legitimidade objectiva é confiada ao intérprete que terá que verificar a medida em que o acto ou procedimento são impugnados em sentido favorável à função que o recorrente desempenha no processo; a necessidade deste requisito é imposta pela consideração de que o tempo e a actividade dos tribunais só devem ser tomados quando os direitos careçam efectivamente de tutela, para defesa da própria utilidade dessa mesma actividade, e de que é injusto que, sem mais, possa solicitar tutela judicial».
Proc. n.º 2791/06 - 5.ª Secção
Pereira Madeira (relator)
Santos Carvalho
Costa Mortágua
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