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    Sumários do STJ (Boletim) - Criminal
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ACSTJ de 27-09-2006
 Recusa Juiz Admissibilidade de recurso Acórdão da Relação Decisão que não põe termo à causa Direito ao recurso Duplo grau de jurisdição Impedimentos
I - Não é uniforme a resposta do STJ à questão de saber se o acórdão do Tribunal da Relação que decida o incidente de recusa é ou não susceptível de recurso para o STJ.
II - A jurisprudência mais recente vai no sentido da admissibilidade de tal recurso, baseada essencialmente no princípio geral contido no art. 399.º do CPP, mas já no acórdão de 21-05-2005 (Proc. n.º 2818/05 - 3.ª) se reconheceu que «a admissibilidade do recurso da decisão da Relação no incidente de recusa pode, efectivamente ser questionada, pela natureza da decisão que está em causa e pelo paralelismo com o grau hierárquico de decisão final no incidente relativo a impedimentos», embora «no limite das dúvidas, e na perspectiva do critério do favor do recurso» o tenha aí admitido, na linha daquela orientação.
III - É certo que o art. 399.º do CPP fixou o princípio geral de que é permitido recurso das decisões cuja irrecorribilidade não estiver prevista na lei, mas também é verdade que as possibilidades de recurso para o STJ são as taxativamente previstas no art. 432.º do CPP ou, por força do artigo seguinte, os «outros casos que a lei preveja».
IV - Não se encontra norma especial que autorize o recurso deste tipo de decisões da Relação ao abrigo do art. 433.º, designadamente no local mais apropriado, no capítulo do CPP que regula a matéria dos impedimentos, recusas e escusas.
V - Quanto às possibilidades de recurso abertas pelo art. 432.º, estando inquestionavelmente afastadas, pela própria natureza das coisas, as das als. c), d) e e), resta ponderar as das als. a) e b):- a decisão do Tribunal da Relação não constitui decisão proferida em 1.ª instância, porque este tribunal não funcionou como tribunal de 1.ª instância segundo as regras de organização, funcionamento e competência dos tribunais; não se trata de decisão proferida em processo que, pelo seu objecto, seja da competência, em 1.ª instância, do Tribunal da Relação, pelo que se mostra afastada a possibilidade de recurso por via da al. a);- embora não se trate de uma decisão proferida, em recurso, porquanto o Tribunal da Relação não interveio como instância formal de recurso, é sempre uma decisão interlocutória, sobre questão processual avulsa que não pôs termo à causa e, assim, abrangida, de acordo com aquela interpretação, pela al. c) do n.º 1 do art. 400.º do CPP, que dita a sua irrecorribilidade.
VI - O facto de estarmos face a uma decisão não controlável por via de recurso não traduz uma solução conflituante com o direito ao recurso, instituído como uma das garantias de defesa que o processo penal tem de assegurar, nos termos do n.º 1 do art. 32.º da CRP, nem posterga o direito de acesso aos tribunais, consagrado no art. 20.º da Lei Fundamental.
VII - É que, em relação à primeira garantia, a do duplo grau de jurisdição, a mesma apenas tem sido defendida pela jurisprudência do TC relativamente a decisões penais condenatórias e a decisões respeitantes à situação do arguido face à privação ou restrição de liberdade ou de quaisquer outros direitos fundamentais (cf. Acs. do TC n.ºs 390/2004, de 02-06-2004, e 30/2001, de 30-01-2001, in, respectivamente, Acórdãos do TC, vol. 59.º, p. 543, e DR II Série, de 23-03-2001).
VIII - Por outro lado, a garantia constitucional de acesso aos tribunais apenas demanda que o grau de jurisdição único previsto para determinada situação se possa pronunciar de modo formalmente válido sobre a questão.
IX - Não se vê que o Tribunal da Relação não estivesse em condições de se pronunciar validamente sobre o pedido de recusa, sendo de sublinhar que a decisão do incidente concretamente deduzido é, nos termos da lei, da competência do tribunal imediatamente superior, e não do seu presidente, como sucede no âmbito do processo civil onde, apesar disso, se exclui expressamente o recurso (cf. arts. 130.º, n.º 3, e 131.º, do CPC) - o que sem dúvida constitui garantia processual satisfatória, dado o distanciamento do Tribunal da Relação relativamente ao caso concreto.
X - Curiosamente, para o caso de impedimento, a lei consagra expressamente o direito ao recurso, na hipótese de o juiz o não reconhecer, no n.º 1 do art. 42.º do CPP - o que se compreende, porquanto, ao contrário da recusa, em que o juiz responde ao requerimento e o tribunal superior decide (art. 44.º), aqui é o próprio juiz visado que decide se se considera ou não impedido.
XI - É, pois, de concluir que o acórdão por que o Tribunal da Relação decidiu o requerimento de recusa deduzido pelo arguido contra o juiz que preside ao julgamento do processo em causa não é susceptível de recurso para o STJ.
Proc. n.º 2322/06 - 3.ª Secção Sousa Fonte (relator) Santos Cabral Oliveira Mendes