ACSTJ de 18-12-2002
Júri Poderes do Supremo Tribunal de Justiça Enumeração da matéria de facto Separação de processos Associação criminosa Tráfico de estupefacientes Agravantes Bando Grande número de pessoas Per
I - O recurso do acórdão final do tribunal de júri, no que ao objecto e fundamentos concerne, pode visar o reexame da matéria de direito e/ou ter como fundamento qualquer dos vícios dos n.ºs 2, als. a) a c), e 3, do artigo 410.º do CPP. II - Não existem fórmulas tabelares para a melhor descrição e separação entre os factos provados e não provados; a que o Júri seguiu não carrega a contradição que o recorrente lhe imputa, nomeadamente quando nos factos não provados introduz uma ressalva delimitadora de factos que considerara provados. III - Tendo havido separação de processos - com alguns arguidos a serem julgados pelo Júri e outros pelo Colectivo simples - a referência a factos cometidos em co-autoria ou coetâneos dos julgados no processo do Júri torna-se indispensável para compreender a actuação dos aqui arguidos e em nada briga com as responsabilidades dos que forma julgados separadamente pelo outro Colectivo. IV - De qualquer modo, toda a prova foi produzida neste processo e dela o Júri retirou as suas ilações, sem violação de qualquer preceito legal. V - Na esteira da doutrina, tem sido entendido que os elementos típicos do crime de associação criminosa são: a pluralidade de pessoas (duas ou mais pessoas); uma certa duração ou permanência do grupo, organização ou associação; um mínimo de estrutura organizatória que sirva de substracto material à existência de algo que supere os agentes; uma qualquer formação de vontade colectiva; um sentimento de ligação por parte dos membros da associação. VI - A associação de delinquentes a que se refere o art. 28.º do DL n.º 15/93, em confronto com a associação criminosa, p. p. pelo art. 299.º do CP, tem uma posição homóloga das associações terroristas; em ambas trata-se de associações (criminosas) qualificadas, numa relação de especialidade para com as associações criminosas em geral. VII - No caso dos autos, a constituição do grupo teria provindo não de um acordo ou pacto prévio ao cometimento dos crimes mas como algo nascido a posteriori, sem que haja resquício de criação de um centro de facto autónomo que esteja acima dos agentes, ao qual estes se liguem para a prática dos crimes de tráfico, p. p. no artigo 21.º, daquele mesmo diploma. VIII - O conceito de bando assenta numa designação de cariz criminológico, que se situa, em razão da existência de um líder, entre algo menos do que a associação e algo diferente da co-autoria. IX - Tendo o principal arguido assumido a posição de líder, actuando concertadamente com mais dois outros arguidos, seus familiares, para se dedicarem, reiteradamente, às actividades de tráfico - em que o primeiro determinava os 'investimentos', ordenava as 'compensações', estipulava os preços de venda, onde e quando se abasteciam dos estupefacientes, a quem os vendiam e onde eram guardados, assim financiando aquela actividade e determinando as tarefas a que os outros obedeciam -, estamos em presença da figura do bando a que se refere a alínea j) do artigo 24º do DL n.º 15/93. X - A agravante de 'grande número de pessoas' revela-se como 'um conceito indeterminado que o juiz deve analisar caso a caso, por forma a acautelar os valores que o legislador quis proteger com tal qualificativa' - evitar a disseminação da droga. XI - Na apreciação casuística a que tem de se proceder não pode deixar de relevar se a distribuição é feita directamente ao toxicodependente ou consumidor ou se faz no elo anterior da cadeia, do grande traficante para o 'revendedor'; outro entendimento levaria a que os maiores traficantes, colocados no topo da pirâmide do abastecimento e da disseminação da droga, nunca seriam incriminados pela agravante, designadamente no caso de terem efectuado apenas uma ou duas grandes 'transacções'. XII - Se o conceito de 'grande número de pessoas', quando em relação com o pequeno 'dealer' ou 'retalhista', carece de uma quantificação mais alargada, pois só a repetição de pequenas quantidades distribuídas pode cumprir o objectivo visado pela agravante, já no caso dos vendedores situados no início da cadeia do tráfico, as quantidades transaccionadas podem ser de tal ordem que, sendo embora menor o número de compradores, ela fique preenchida por força dessas quantidades. XIII - Deve ser declarada perdida para o Estado a viatura 'Mercedes-Benz', pois foi não apenas adquirida com dinheiro proveniente da actividade de tráfico de produtos estupefacientes, como também servia, de forma essencial, para o transporte daqueles produtos nas diversas operações a que os arguidos procederam; o mesmo deve suceder com os objectos em ouro apreendidos, dado que foram obtidos pelos arguidos no âmbito da sua actividade de venda de produtos estupefacientes, tendo recebido os mesmos como contrapartida das entregas de tais produtos. XIV - Não é aplicável o regime do DL n.º 401/82, de 23-09, se a recorrente já tinha mais de 21 anos de idade quando o iter criminis terminou.
Proc. n.º 3217/02 - 3.ª Secção Lourenço Martins (relator) * Pires Salpico Borges de Pinho Leal-H
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