ACSTJ de 21-04-2009
Contrato de mútuo Contrato de seguro Seguro de vida Boa fé Declarações inexactas Nexo de causalidade Anulabilidade Interpretação da lei Prazo de arguição
I -Apesar da letra do art. 429.º do CCom referir que o vício para a declaração inexacta do tomador do seguro é a nulidade, encontramo-nos, por força de uma interpretação correctiva e teleológica, perante uma anulabilidade do contrato de seguro, sendo aquela designação literal simples fruto de uma imperfeição terminológica, que também viciava o Código Civil de Seabra, quando se estabelecia a distinção doutrinal entre nulidade absoluta e nulidade relativa, sendo ambas sempre nulidade, mesmo que apenas relativa, esta hoje correspondente à figura da anulabilidade. II - A interpretação referida é a que se mostra mais em harmonia com a unidade do sistema jurídico, que, como regra, qualifica de anulabilidade a invalidade dos negócios por vício na formação da vontade (arts.247.º, 251.º, 252.°, 254.°, 256.° e 257.° do CC), sendo que o art. 429.° do CCom constitui um afloramento do erro vício que atinja os motivos determinantes da vontade, quando se refira à pessoa do declaratário ou ao objecto do negócio, previsto naqueles arts. 251.° e 247°. III - Conforme dispõe o art. 287.°, n.º 2, do CC, enquanto o negócio não estiver cumprido, pode a anulabilidade ser arguida, sem dependência de prazo, tanto por via de acção como por via de excepção, sendo que, o cumprimento do negócio consiste na realização das prestações a que os devedores fiquem vinculados (art. 762.°, n.º 1, do CC), e não na conclusão do contrato por via da aceitação pela seguradora das propostas dos interessados. IV - Assim, como o cumprimento do contrato de seguro pela seguradora consistiria no pagamento do capital garantido, o que esta ainda não fez, tem de se concluir não ter ocorrido caducidade do eventual direito da seguradora de arguir a anulabilidade do contrato. V - Apesar de a segurada não ter falecido em consequência da doença cuja existência omitiu, tem de se entender que a falta de relação causal entre a bronquite asmática e a neoplasia do cólon, ou mesmo entre aquela e, directamente, o óbito da segurada, não afasta a anulabilidade do contrato, uma vez que o art. 429.° não estabelece o requisito da existência de nexo de causalidade entre os factos omitidos ou entre estes e o sinistro para que se verifique a anulabilidade do contrato, contentando-se com que tenham sido proferidas declarações inexactas ou reticentes proferidas pelo segurado ou por quem fez o seguro, susceptíveis de influírem sobre a existência ou condições do contrato, e ainda que o sinistro não ocorra. VI - Não pode sequer ser exigida à ré maior averiguação sobre o estado de saúde da segurada: dado o princípio da boa fé que deve presidir às negociações contratuais (art. 227.° do CC), apenas lhe cabia aceitar a veracidade das declarações daquela, que nenhuma declaração fez constar do boletim de adesão no sentido de não se encontrar nas melhores condições de saúde, ou capaz de fazer duvidar do seu estado, para além do que se ignora o motivo da exclusão do seguro dos riscos de invalidez total e permanente por doença e por acidente.
Revista n.º 636/09 -6.ª Secção Silva Salazar (Relator) Nuno Cameira Sousa Leite
|