ACSTJ de 21-04-2009
Contrato de seguro Seguro de acidentes pessoais Apólice de seguro Cláusula contratual Interpretação da vontade Doença grave Exclusão da responsabilidade Nexo de causalidade
I -Estipulando a apólice de um contrato de seguro de acidentes pessoais que o risco coberto é o de acidente aí definido como “o acontecimento fortuito, súbito, anormal, devido a causa exterior e estranha à vontade do Autor e que nele origine lesões físicas”, constitui acidente e não doença, o facto do segurado, durante a execução do seu trabalho, em circunstâncias climatéricas hostis e em estado de cansaço e stress, ter sido acometido subitamente de sintomas reveladores da existência de um acidente vascular cerebral (AVC). II - A “causa exterior estranha à vontade da pessoa segura”, para efeitos daquela cláusula da apólice, não é apenas um evento produtor de lesões instantâneas, violento e súbito que causa dano imediato e inevitável, [como seria o facto de alguém caminhando na via pública ser subitamente atropelado ou lesionado pela queda de um muro ou atacado fisicamente] pode ser um conjunto de circunstâncias, próximas no tempo e sequenciais em relação a um evento estranho à vontade do segurado, fortuito, anormal e súbito, como é o colapso do corpo humano, se esse colapso não tiver como causa doença preexistente ou predisposição para o evento que se manifestou. III - O acidente pessoal é externo à vítima, a doença é um facto que ocorre no interior do seu corpo por factores vários que nem sequer o estado da ciência pode determinar com rigor, pense-se no caso do cancro. Este critério não exclui que factores que possam ocorrer no decurso de actividade profissional, possam ser incluídos no conceito de acidente pessoal, se pelo seu carácter fortuito, imprevisível e alheio à vontade do segurado causarem danos na sua saúde, como será o caso da existência de enfarto de miocárdio, num quadro em que a vítima não apresentava sinais de doença ou factores predisponentes. IV - A utilização de conceitos indeterminados ou normas em branco num contrato proporcionam ao julgador uma maior latitude de subsunção e adequação ao caso concreto, sempre em obediência a uma sã e proficiente interpretação da vontade negocial. V - Em termos de causalidade adequada, não se tendo provado que o Autor/segurado adoptou comportamento que voluntariamente concorreu para o acidente, antes sendo patente que as consequências para si drásticas, se deveram a factores imprevisíveis, súbitos e imprevistos, importa concluir que as sequelas das lesões foram consequência do acidente que sofreu enquanto desempenhava a sua actividade, pelo que estamos, ainda aí, no domínio de uma causalidade indirecta que o art. 563.º do CC não exclui.
Revista n.º 449/09 -6.ª Secção Fonseca Ramos (Relator) * Cardoso de Albuquerque Salazar Casanova
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