ACSTJ de 31-03-2009
Patrocínio judiciário Gestão de negócios Ratificação Recurso Questão nova Segredo profissional Advogado Interpretação da declaração negocial Letra em branco Preenchimento abusivo Cláusula penal Redução Litigância de má fé
I -A gestão de negócios verifica-se quando uma pessoa assume a direcção de negócio alheio no interesse e por conta do respectivo dono, sem para tal estar autorizado. II - Ainda que tenha sido referido, no requerimento inicial ou na petição inicial, pelo advogado subscritor que não junta procuração da parte respectiva, que age a título de gestão de negócios, não há lugar à ratificação a que alude o n.º 2 do art. 41.º do CPC se, posteriormente, aquele causídico faz ingressar no processo procuração passada em data anterior à da apresentação em juízo daquela peça processual. III - Os recursos visam o reexame, por parte do tribunal superior, de questões precedentemente resolvidas pelo tribunal a quo, e não a pronúncia do tribunal ad quem sobre questões novas. IV - O advogado está obrigado, ética e juridicamente, a guardar segredo de todos os factos de que tome conhecimento, de forma directa ou indirecta, no exercício da sua actividade profissional, só podendo revelar factos abrangidos pelo sigilo profissional mediante prévia autorização da Ordem dos Advogados. V - Mas a extensão do sigilo profissional do advogado está directamente relacionada com a existência efectiva de um segredo, pelo que, para prestar depoimento como testemunha, só será necessária aquela autorização se o depoimento recair sobre factos sujeitos a segredo. VI - Em sede de interpretação dos negócios jurídicos constitui matéria de facto, da exclusiva competência das instâncias, o apuramento da vontade psicologicamente determinável das partes, sendo matéria de direito a fixação do sentido juridicamente relevante da vontade negocial, i.e., a determinação do sentido a atribuir à declaração negocial em sede normativa, com recurso aos critérios fixados nos arts. 236.º, n.º 1, e 238.º, n.º 1, do CC. VII - Na busca do sentido da declaração, nos termos do n.º 1 do art. 236.º, são atendíveis todos os elementos e circunstâncias que um declaratário medianamente instruído, diligente e sagaz, colocado na posição do declaratário efectivo, teria tomado em conta: os termos do negócio e os interesses que nele estão em jogo, a finalidade prosseguida pelo declarante, as negociações prévias, as precedentes relações negociais entre as partes, etc… VIII -A compreensão por esse declaratário normalizado é o critério positivo da interpretação; o conjunto dos sentidos admissíveis constitui o limite da imputabilidade ao declarante do sentido apurado por tal critério. “Para que o sentido apurado em função do declaratário normal seja o sentido relevante é condição necessária e suficiente que aquele sentido pertença ao domínio dos sentidos admissíveis para um declarante razoável”. IX - Verifica-se preenchimento abusivo de uma letra de câmbio (art. 10.º da LULL) quando esta, incompleta no momento em que é passada, é completada contrariamente aos acordos realizados. X - No domínio das relações imediatas, o preenchimento abusivo de uma letra, traduzido num excesso -preenchimento com um montante mais elevado ou em condições mais onerosas -não arreda toda e qualquer pretensão cambiária do portador: o subscritor responde cambiariamente nos limites do acordo de preenchimento, desde que se trate de reduzir a esses limites aquilo que na letra se escreveu ao preenchê-la. XI - A cláusula penal é uma cláusula de responsabilidade civil, uma convenção prévia de incumprimento com determinação da prestação, normalmente em dinheiro, que o devedor terá de satisfazer ao credor em caso de não cumprimento pontual da obrigação a que se acha adstrito para com este. XII - A cláusula penal pode ser reduzida pelo tribunal, de acordo com a equidade, quando for manifestamente excessiva, ainda que por causa superveniente, sendo nula qualquer estipulação em contrário. XIII - É sobre o devedor que impende o ónus de alegar e provar os factos que inculquem ou demonstrem desproporcionalidade entre o valor da cláusula penal e o valor dos danos a ressarcir. XIV - Na ponderação do carácter manifestamente excessivo da cláusula penal deve considerar-se a situação que tal cláusula visou acautelar, a actuação de ambas as partes ao longo da vida do contrato, a gravidade da culpa do devedor, a natureza do contrato e as circunstâncias em que foi celebrado, o tempo da sua efectiva vigência e os efeitos patrimoniais do incumprimento na esfera jurídico-patrimonial do credor, as vantagens que para o devedor advieram do incumprimento, e quaisquer outras circunstâncias que, à luz da justiça, devam ter-se por relevantes, sem esquecer que, com a redução, não se cura de reduzir o montante estipulado de modo a fazê-lo coincidir exactamente com os prejuízos efectivos. XV - Não se surpreendendo, na conduta processual da autora ao longo do processo, ofensa do dever de verdade e de probidade (do dever de agir de boa fé) que, ao recorrer a juízo, sobre ela recai, não se mostrando, pois, que tenha adoptado comportamento processual inadequado à ideia de um processo justo e leal, que constitui uma emanação do princípio do Estado de direito, não há lugar à sua condenação como litigante de má fé.
Revista n.º 3886/08 -2.ª Secção Santos Bernardino (Relator) * Bettencourt de Faria Pereira da Silva
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