ACSTJ de 31-03-2009
Poderes do Supremo Tribunal de Justiça Reapreciação da prova Alteração da matéria de facto Presunções judiciais Acidente de viação Morte Morte súbita Danos não patrimoniais Indemnização
I -Nos termos do art. 712.º do CPC, a Relação só pode tocar na matéria de facto apurada na 1.ª instância alterando-a; determinando a renovação dos meios de prova; anulando o julgado; determinando a sua fundamentação. II - Do uso de qualquer destes poderes não cabe recurso para o STJ, mas este Supremo Tribunal pode sobre eles exercer censura directa ou indirecta. III - A censura directa consiste em apurar se a Relação excedeu os limites do art. 712.º do CPC. Exerce censura indirecta -ou tácita -quando verificando o não uso pela Relação dos poderes de alteração ou de anulação da decisão de facto, manda ampliá-la para que constitua base suficiente para a decisão de direito ou determina a eliminação de contradições impeditivas da solução jurídica. IV - A faculdade da al. a) do n.º 1 do art. 712.º do CPC pressupõe que a matéria de facto tenha sido impugnada nos termos do art. 690.º-A (hoje 685.º-B) ou que do processo constem todos os elementos de prova que fundamentaram o julgado em 1.ª instância. V - A faculdade da al. b) do n.º 1 do mesmo art. 712.º pressupõe que os elementos constantes dos autos apontem inequivocamente -e sem possibilidade de ser contrariado por quaisquer outras provas -para uma decisão diversa. VI - Embora a Relação possa fazer uso de presunções judiciais (simples, de experiência ou de primeira aparência) não pode utilizá-las para alterar um facto dado por provado pela 1.ª instância, e alcançar outro diferente, mas tão-somente, dele se servir como fundamento base do raciocínio lógico-discursivo que conduziu à conclusão presumida. VII - E o STJ pode sindicar se foram respeitadas as normas jurídicas que regulam o uso (e a base de que partiu) a presunção judicial. VIII - O conceito legal de morte resulta do definido na Declaração da Ordem dos Médicos prevista no art. 12.º da Lei 12/93 de 22 de Abril (“Critérios de morte cerebral” -DR, I-B, de 11 de Outubro de 1994) e coincide com a perda de funções do tronco cerebral. IX - Este critério normativo vem sendo geralmente adoptado (inclusivamente pela doutrina católica, na sequência da declaração de João Paulo II de 29 de Agosto de 2000, proferida no Congresso Internacional da Sociedade de Transplantes). X - Embora prossigam estudos médicos, neuropsiquiátricos, de psicólogos e teólogos, a propósito de experiências quase morte, de peri morte ou de transição (e até há quem defenda que a morte cerebral não significa a morte do ser humano) deixando intactas certas áreas sensoriais e afectivas imediatamente após a constatação da morte cerebral, não existe ainda rigor científico que possa suportar essas teses. XI - No positivismo de uma decisão judicial só se deve buscar a “verdade” jurídico-factual, pelo que provada a “morte imediata” sequente às lesões sofridas em acidente de trânsito, não é pos-sível indemnizar a dor moral que resulta do leque de sensações (angústia e sofrimento) no momento que precedeu a morte.
Revista n.º 507/09 -1.ª Secção Sebastião Póvoas (Relator) * Moreira Alves Alves Velho
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