ACSTJ de 31-03-2009
Responsabilidade bancária Convenção de cheque Assinatura Falsificação Responsabilidade contratual Presunção de culpa Responsabilidade extracontratual Dever de cooperação para a descoberta da verdade Prova pericial Inversão do ónus da prova
I -A convenção de cheque, estabelecida entre o Banco e o seu cliente autorizado a movimentar a conta com cheques e operações a crédito e débito, exprime a existência de um contrato, que se submete às suas regras próprias e ao regime geral do cumprimento e incumprimento das obrigações; a par dessa obrigação contratual, porque a cargo do Banco existem deveres gerais de conduta postulados pelo risco de actividade, a demandar a observância das legis artis, pode a violação de tais deveres gerar, a um tempo, responsabilidade civil contratual e extracontratual; neste caso, se apenas for invocada violação dos deveres de conduta que lesam direitos subjectivos. II - Não é compaginável com o grau de diligência exigível actualmente que um Banco prudente, zeloso e cauto, não disponha de técnicas e funcionários especializados na detecção de falsificação de assinaturas. III - Mais que controlar a semelhança das assinaturas, o Banco tem o dever de fiscalizar a autenticidade delas, sendo insuficiente a mera inspecção por semelhança, vulgo, “a olho nu”. IV - Ao Banco, no âmbito da convenção de cheque, compete o ónus de provar ter agido com um grau de diligência idóneo, à luz das regras da experiência comum, dos usos bancários e dos progressos da técnica, visando a detecção de qualquer falsificação. V - Se o Banco apenas se limitou a fazer a prova de que, antes de pagar os cheques, verificou a semelhança das assinaturas a olho nu, sem alegar que meios técnicos empregou, ou se tal tarefa foi executada por pessoa experiente e dotada de conhecimentos que, razoavelmente, lhe permitissem descobrir a falsificação, não pode ser isento de censura, relevando que nem sequer se provou estar-se perante flagrante semelhança de assinaturas. VI - Essenciais na relação Banco-cliente, são procedimentos de confiança e de confidencialidade, sobretudo aquele, na vertente que ora releva, sendo de exigir ao Banco uma actuação de promoção e vigilância, em ordem à salvaguarda dos interesses do seu cliente. VII - Decorre do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGIC) -DL 298/92, de 31-12 -na redacção vigente -que, na convenção de cheque, deve o Banco -os seus auxiliares e colaboradores -proceder de acordo com as regras profissionais das legis artis bancárias, no controle da assinatura do sacador como elemento essencial que cria o título e despoleta a obrigação a seu cargo, enquanto depositário do dinheiro. VIII - Age com culpa o Banco que paga um cheque cuja assinatura, imputada ao sacador, até à vista desarmada e sem qualquer equipamento de apoio, se revelava diversa da que constava da ficha de assinatura existente no Banco. IX - Se o Banco pagar um cheque falsificado, incumpre o contrato de cheque, só se libertando de responsabilidade civil se conseguir provar que, mesmo cumprindo escrupulosamente o dever de verificação das assinaturas, não podia ter detectado a falsificação. X - Não age de boa-fé o Banco que, apesar de ter sido alertado da intenção do autor de se socorrer do documento em sua posse, para o submeter a exame pericial, pedindo que, para isso, o não destruísse fisicamente, ignora esse facto e destrói o original do cheque, o que veio a dificultar a prova da falsificação a cargo dos peritos que só puderam basear o seu exame no documento microfilmado. XI - À impossibilidade da prova, por actuação culposa da parte não colaborante para com o onerado, deve ser equiparada [em termos de sanção do art. 344.º, n.º 2, do CC para que remete o art.519.º, n.º 2, do CPC] uma colaboração reticente ou parcialmente inviabilizadora da prova, desde que, dessa falta de colaboração resulte, comprovadamente, fragilidade probatória causada pelo recusante, isto em homenagem ao princípio da colaboração -art. 266.º do CPC -e da boa-fé, seja na perspectiva processual, seja na perspectiva substantiva -art. 762.º, n.º 2, do CC. XII - Mesmo que pela via da responsabilidade contratual, emergente da não ilisão da presunção de culpa do réu -art. 799.º, n.º 1, do CC -este não devesse ser condenado -sempre se poderia considerar, ante a sua censurável falta de colaboração -que ficou invertido o ónus da prova da sua ausência de culpa, por força do art. 344.º, n.º 2, do CC, pelo que competia ao Banco provar que não agiu com culpa ao pagar o cheque nas circunstâncias em que o fez.
Revista n.º 197/09 -6.ª Secção Fonseca Ramos (Relator) * Cardoso de Albuquerque Salazar Casanova
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