ACSTJ de 12-03-2009
Contrato de arrendamento Demolição para reconstrução de prédio Câmara Municipal Perda da coisa locada Caducidade Regime aplicável Obrigação de indemnizar Obras de conservação extraordinária Abuso do direito
I -A perda da coisa locada determina a caducidade do contrato de locação, quer resulte de fenómenos naturais, tais como incêndio, terramoto ou outros idênticos, quer de acção legítimas do homem, como a demolição ordenada ao abrigo do RGEU, pelas Câmaras Municipais, no exercício da sua competência de polícia das edificações. II - O critério de qualificação da perda como total ou parcial não é físico ou naturalístico, antes dependendo do fim a que a coisa se destina. III - A perda deve ser tida como total, quando o arrendado não fica em condições de satisfazer o fim de forma capaz. Haverá perda total da coisa arrendada para o fim contratualmente previsto, quando o evento, não imputável ao senhorio, impossibilitar, objectivamente, o uso pelo arrendatário para esse fim. IV - A caducidade do contrato opera ipso jure, com o evento que determina a perda da coisa, sem necessidade de denúncia ou qualquer declaração por parte dos contratantes. Se a coisa se perde, o contrato caduca. V - O regime de caducidade do arrendamento é o vigente à data do facto que o determine. VI - Não se tendo provado que a perda do arrendado decorrente da demolição ordenada pela Câmara Municipal fosse imputável a título de culpa, ao próprio senhorio, no caso aos ora réus, ou que estes tivessem contribuído malevolamente ou com intenção omissiva para tal resultado, a mesma não pode senão atribuir-se ao decurso do tempo e ao normal desgaste dos materiais utilizados na construção, atenta a vetustez do imóvel, e à negligência e desinteresse do arrendatário, traduzida na quase total ausência de quaisquer obras no locado, durante a vigência do contrato e à inexplicável falta de interpelação dos senhorios para as obras tidas por necessárias para a realização do fim contratual. Não existe, pois, a possibilidade de condenar os RR. em indemnização pela perda do locado. VII - Tendo-se dado como provado que, atenta a idade do prédio e o seu estado de degradação, quaisquer obras neste sempre teriam um custo superior a 50.000,00 €, valor esse que ultrapassaria dois terços do rendimento líquido anual do locado, as respectivas obras de conservação extraordinária nunca poderiam seriam determinadas ao senhorio pela entidade competente, ex vi dos artigos 13.º e 11.º do RAU. VIII - No que respeita ao direito do arrendatário à realização de obras pelo senhorio, considerando o cariz sinalagmático do vínculo contratual e não obstante o disposto nos arts. 1031.º, al. b), do CC, e 12.° do RAU importa -por respeito ao princípio geral de direito do equilíbrio das prestações -que exista uma certa proporcionalidade entre os valores das obras e das rendas -cf. arts. 237.° e 994.° CC, havendo, assim, casos em que o valor ínfimo da renda se apresenta manifestamente insuficiente para que se possa exigir ao senhorio a realização de obras cujo montante ascende a valores elevados. IX - Naturalmente que tudo tem de ser perspectivado em função das circunstâncias do caso concreto, não se podendo tolerar, vg. situações em que o senhorio deixa degradar intencionalmente o arrendado, apesar de alertado para o facto pelo inquilino, com a finalidade de, depois, invocar os altos custos da reparação, para se eximir à realização das obras.
Revista n.º 259/09 -1.ª Secção Paulo Sá (Relator) Mário Cruz Garcia Calejo
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