Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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    Sumários do STJ (Boletim) - Cível
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ACSTJ de 05-03-2009
 Contrato-promessa de compra e venda Cessão de quota Matéria de facto Matéria de direito Perda de interesse do credor Prazo admonitório Mora Interpelação admonitória Incumprimento definitivo Sinal Restituição do sinal Concorrência de culpas Câma
I -Na selecção dos factos assentes foi incluída a alínea O) com a seguinte redacção: “Os Autores perderam o interesse na celebração da escritura de cessão de quotas”; com ou sem a sua inclusão nos factos assentes, a perda de interesse na prestação pelos autores está subjectivamente afirmada e ao direito se pede, depois, que no global da análise do universo factual de que disponha, conclua pelo sim ou não da tradução objectiva dessa perda. E só então teremos o direito.
II - Mas não deixaremos de ter apenas facto (à procura do direito) se incluirmos a afirmação subjectiva na fundamentação factual. A afirmação valerá o que vale mas está aquém do direito. A alínea O) deve, pois, manter-se sem que isso, todavia, liberte o julgador de, a final, qualificar objectivamente a situação, enquadrando-a ou não no disposto no art. 808.º, n.º 1, do CC.
III - Se as partes contrataram em 22-05-2001 e consideraram como previsão para a realização da escritura -que clausularam como dependente da obtenção de toda a documentação necessária -o prazo de noventa dias, elas previram que em 22-08-2001, o mais tardar, a documentação estaria pronta e a escritura realizada.
IV - E então é inteiramente aceitável (razoável) que, tendo os autores solicitado por diversas vezes aos réus para marcarem a escritura pública de cessão de quotas, em 27-03-2002 -sete meses depois do dia 22-08-2001 -tenham enviado a cada um dos réus uma carta a pedir-lhes que marcassem a escritura que haviam prometido.
V - E mais aceitável (razoável) é que, acontecendo que os réus não marcaram a escritura nem comunicaram aos autores a data da mesma, os autores tenham enviado a cada um dos réus em 27-05-2002 -um ano depois da data que previa um prazo de 90 dias para a realização da mesma -uma outra carta fixando aos réus mais um prazo de um mês para a execução daquela escritura pois, caso o não fizessem, considerariam existir incumprimento definitivo e culposo por parte dos réus e resolvido o contrato.
VI - Há aqui, portanto, a interpelação admonitória dos réus para o cumprimento do contrato, cumprindo os requisitos de razoabilidade exigidos pelo n.º 1 do art. 808.º do CC e, perante a não realização da escritura (que contratualmente aos réus competia marcar e não marcaram), uma situação de incumprimento definitivo do contrato.
VII - Os réus estavam dependentes da obtenção de toda a documentação necessária para a realização da escritura; e era necessário que a Câmara Municipal emitisse a respectiva licença; e não obstante as diligências efectuadas, os réus não lograram obter a licença de ocupação do estabelecimento e respectivo alvará sanitário.
VIII - Os réus, ao prometer, sabem duas coisas: que têm que adquirir para si o que só depois podem vender aos promitentes-compradores; que têm que munir-se da documentação sem a qual não podem cumprir a sua promessa; e, apesar disso, prometem e assinam uma previsão de 90 dias para conseguir tudo isso; assim, foi temerária a sua promessa -essa mesma temeridade lhes permitiu receber e fazer suas, sem rebuço, quantias avultadas entregues pelos autores.
IX - Deve ser-lhes imputado o não cumprimento da prestação no tempo devido. Mas esse mesmo não cumprimento deve também ser imputado aos autores, em igual medida; porque, contratando, era do conhecimento dos autores, desde a data da celebração do contrato, que os réus estavam dependentes da obtenção de toda a documentação necessária para a realização da escritura; era do conhecimento dos autores, desde o início do negócio, que os réus não eram proprietários das quotas da sociedade em questão, as quais haviam prometido adquirir a outrem; os autores tiveram conhecimento de algumas das diligências efectuadas pelos réus, que não lograram obter a licença de ocupação do estabelecimento e respectivo alvará sanitário.
X - Ou seja, houve aqui, assumidamente, um encontro de vontades em que ambas as partes aceitaram a indefinição e incerteza da disponibilidade do objecto do contrato por parte dos promitentes vendedores, correndo juntas, em partes iguais, os riscos (sempre possíveis) da impossibilidade de se vir a concretizar essa disponibilidade; e, assim, o sinal recebido pelos réus deve ser restituído aos autores, declarado que foi resolvido o contrato, sim, mas em singelo.
Revista n.º 3337/08 -7.ª Secção Pires da Rosa (Relator) * Custódio Montes Mota Miranda Alberto Sobrinho Armindo Luís (declaração de voto)