Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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    Sumários do STJ (Boletim) - Cível
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ACSTJ de 12-02-2009
 Património do Estado Sector empresarial do Estado Transporte colectivo Oferta pública de venda Venda de bens onerados Anulação da venda Redução do preço Culpa in contrahendo Pedido subsidiário Direito de regresso
I -Revelando a interpretação dos contratos que aquilo que a 1.ª autora pretendeu foi adquirir as empresas em si mesmas, enquanto unidades jurídicas autónomas e objectivamente consideradas, enquanto que o objectivo do Estado foi o de vender as empresas que previamente cindiu, de acordo com um plano estruturado para a privatização do sector dos transportes; e provado que apesar da informação constante nos prospectos das Ofertas Públicas de Venda sobre a inexistência de procedimentos judiciais ou arbitrais susceptíveis de terem tido ou virem a ter uma incidência importante sobre a situação económico-financeira das empresas cinditárias, quando as mesmas vieram a ser adquiridas existia uma contingência laboral (isto é, encontrava-se pendente um processo laboral -impugnação do despedimento com justa causa -intentado pelo funcionário despedido contra a Rodoviária) em relação à qual não foi feita qualquer provisão contabilística em nenhuma das referidas empresas, tendo tal acção terminado, após liquidação da condenação, com uma transacção nos termos da qual uma das referidas empresas se obrigou a pagar uma indemnização no valor total de 125.011.619$00, para que o caso dos autos se enquadre juridicamente no âmbito da venda de bens onerados regulada nos arts. 905.º a 912.º do CC, devem verificar-se os respectivos pressupostos.
II - Nos termos dos referidos preceitos, se o direito se mostrar onerado ou limitado por quaisquer direitos (que podem ser, não só direitos reais de gozo ou de garantia, como simples direitos pessoais sobre a coisa, portanto direitos de crédito, desde que eficazes em relação ao comprador), que contra o comprador possam ser feitos valer por terceiros, se essas limitações excederem os limites normais inerentes aos direitos da mesma categoria, o comprador pode exercer algum dos seguintes direitos: pode pedir a anulação do negócio por erro ou dolo; pode optar pela redução do preço; e, é claro, propondo acção anulatória, nada impede que formule o pedido de redução do preço, a título subsidiário.
III - Em contabilidade e auditoria, a avaliação da relevância ou irrelevância, de um erro ou omissão nas contas de uma empresa está associado ao conceito de materialidade, conforme definido na ISA (International Standard on Auditing) 320, a que corresponde, em Portugal, a DRA (Directriz de Revisão/Auditoria) 320, emitida pela Ordem dos Revisores Oficiais de Contas.
IV - Em termos simples, considera-se material um erro ou omissão, no contexto de umas demonstrações financeiras tomadas como um todo, quando esse erro ou omissão seja de molde a influenciar as decisões económicas de um utilizador dessas demonstrações, não existindo nenhuma fórmula matemática que permita determinar automaticamente qual o nível de materialidade aplicável a cada caso concreto.
V - No entanto, os profissionais desta área foram desenvolvendo um conjunto de indicadores tradicionais (percentagens calculadas sobre determinados agregados do balanço e da demonstração dos resultados), no sentido de os ajudar a apurar, de uma forma mais objectiva, os níveis de materialidade aplicáveis, em termos quantitativos, às demonstrações financeiras das empresas.
VI - Ora, analisando os indicadores relativos às várias empresas cinditárias, constata-se que apenas em dois casos excedem os valores entendidos como “padrões”, sendo aqueles valores, na maioria, inferiores aos limites mínimos ou enquadram-se nos intervalos de valores tidos como padrão de referência, o que tudo significa que a omissão em causa (responsabilidade omitida) seria tolerável em relação às contas das empresas em causa.
VII - Afigura-se-nos, portanto, que não pode senão concluir-se ser a contingência em causa imaterial, e por isso irrelevante, daí que a omissão da dita responsabilidade não inquina as demons-trações financeiras das cinditárias contidas nas OPV’s, não tendo aqui aplicação o disposto no art. 905.º do CC, e, consequentemente, também o disposto no art. 911.º do mesmo diploma.
VIII - Acresce que, não existindo nos autos qualquer factualidade que permita concluir terem os RR. omitido dolosamente a referida contingência laboral, não se vislumbra qualquer violação das regras da boa-fé, da lealdade ou da confiança no âmbito de negociações preliminares ou na formação dos contratos que possa fundar qualquer tipo de indemnização à luz do art. 227.º ou 485.º, n.º 2, do CC.
IX - No caso dos autos, porque quem pagou a dívida resultante da concretização da contingência foi a cinditária e não a sociedade cindida, inexiste o pretendido direito de regresso e ao caso não tem aplicação o disposto no n.º 3 do art. 122.º do CSC.
Revista n.º 2605/08 -1.ª Secção Moreira Alves (Relator) Alves Velho Moreira Camilo