ACSTJ de 12-02-2009
Contrato de depósito Depósito bancário Conta bancária Conta solidária Enriquecimento sem causa Responsabilidade solidária Obrigação de restituição Proveito comum do casal
I -A falta de causa justificativa do enriquecimento acontece quando não existe uma relação ou um facto que, à luz do direito, da correcta ordenação jurídica dos bens ou dos princípios aceites pelo ordenamento jurídico, legitime tal enriquecimento, por se tratar de uma vantagem que estava reservada a outra pessoa, ao titular do direito. II - Na hipótese de intromissão dolosa em bens ou direitos alheios, sob a forma de uso, consumo ou alienação de coisas de outrem, geradora de um enriquecimento para o intruso e, simultaneamente, causa de um dano para o lesado, sendo o montante do dano idêntico ao do locupletamento, o lesado deve invocar, em primeira linha, o direito à indemnização, e recorrer, subsidiariamente, à obrigação de restituir, com base no enriquecimento sem causa. III - Não se provando que as transferências bancárias para a titularidade da conta dos réus beneficiários dos fundos tenham sido determinadas pelos titulares das contas defraudadas ou por ordem do réu, promitente comprador, inexistindo, portanto, qualquer intermediário no circuito bancário que conduziu essas quantias, directamente, das contas dos lesados para a conta daqueles réus, promitentes vendedores, não é sustentável afirmar-se que tais montantes jamais enriqueceram estes últimos. IV - Considerando que ao contrato de depósito bancário se aplica o regime do contrato de mútuo, as coisas mutuadas tornam-se propriedade do mutuário pelo facto da entrega, correndo o risco do seu perecimento por conta do adquirente, ou seja, do banco devedor, que não fica exonerado pelo facto de desaparecerem das contas dos seus clientes os fundos com que se dispunha a cumprir, enquanto a prestação for possível com coisas do género estipulado, isto é, com dinheiro. V - Sempre que o banco debite na conta do seu cliente uma determinada quantia, sem autorização deste último, nomeadamente, por virtude de uma actuação fraudulenta de um terceiro, não imputável a acto ou omissão do cliente, este manter-se-á credor do montante debitado. VI - Ainda que a ordem de pagamento tenha sido dada a um banco, por um terceiro, mediante via electrónica, acompanhada, eventualmente, da introdução de um cartão de débito e da correcta marcação do PIN respectivo, torna-se irrelevante o cumprimento efectuado por aquele ao credor aparente, não extinguindo a obrigação do banco devedor o cumprimento feito a terceiro, ficando o «solvens» obrigado a efectuar uma nova prestação, perante o verdadeiro credor, enquanto a mesma se não tornar liberatória. VII - A conta solidária expressa, exclusivamente, o direito de crédito que se traduz na faculdade de mobilização dos fundos, de que é titular cada um dos depositantes solidários, na disponibilidade dos valores depositados na conta, cuja titularidade não pré-determina a propriedade dos activos contidos na mesma, e que pode pertencer apenas a algum ou alguns dos titulares da conta ou, até mesmo, a um terceiro, facilitando aos respectivos titulares, tão-só, a disponibilidade dos fundos que nelas existam. VIII - Na falta de demonstração em contrário, presume-se que cada um dos depositantes, em conta bancária solidária, é proprietário de metade dos fundos nela existentes, não pertencendo os mesmos, legitimamente, a qualquer um dos titulares da conta, sendo, portanto, todos responsáveis solidários pela obrigação de os restituir, em consequência do enriquecimento sem causa verificado, independentemente da prova do proveito comum do casal dos depositantes da conta.
Revista n.º 3714/08 -6.ª Secção Hélder Roque (Relator) * Sebastião Póvoas Moreira Alves
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