ACSTJ de 12-02-2009
Acidente de trabalho Seguradora Tratamento médico Dever de assistência Cessação Abuso do direito Princípio da confiança Responsabilidade civil Nexo de causalidade Obrigação de indemnizar
I -Tendo sido participado pelo segurado um sinistro, como acidente de trabalho, com graves consequências físicas, que durante cerca de seis meses a seguradora não recusou como tal, tendo organizado um inquérito interno, e proporcionado ao segurado assistência médica em sentido lato e procedido aos pagamentos como se o acidente fosse de natureza infortunística. II - Não se afigura conforme ao princípio da boa-fé interromper tais tratamentos, criando risco para a saúde do assistido. Tal interrupção, ainda quando a seguradora chegue à conclusão (certa ou errada, não importa) de que o sinistro não constitui acidente de trabalho, não pode ocorrer durante o processo de tratamento em curso, enquanto não estiver garantido que o doente já não irá sofrer riscos determinados pela interrupção. III - Tal como a seguradora deve procurar proporcionar ao sinistrado, imediatamente, as melhores condições de tratamento, no âmbito dos serviços de saúde com os quais colabora, de igual modo não deve interromper, abruptamente, tratamentos iniciados, sabendo-se que, com essa interrupção, à dificuldade que sempre constitui a transferência de um doente, acresce a sabida perda de qualidade assistencial. IV - A nossa lei não estabelece, tipicamente, sanção para os comportamentos abusivos de direito, que não são casos de falta de direito, mas antes devem ser configurados como violação do dever jurídico de não actuar em abuso do direito de que se é titular. V - A omissão desse dever, no quadro da previsão normativa do art. 334.º do CC, exprime, além de ilicitude, culpa, constituindo o abusante na obrigação de indemnizar os danos causados. VI - Age com abuso do direito -por trair a confiança incutida -a seguradora que, durante cerca de seis meses, trata um sinistro como se fosse acidente de trabalho e, abruptamente, em fase crucial do estado de saúde do acidentado faz cessar a sua prestação, recusando-lhe assistência médica, por considerar que, afinal, o evento não tinha aquela natureza, sem sequer o ter prevenido de que assim poderia considerar em função do inquérito a que procedera, agravando com tal omissão o estado de saúde do lesado. VII - Em termos de causalidade adequada, não se tendo provado que o lesado negligenciou tratamentos, apesar da sua precariedade económica, e sendo patente que as consequências para si drásticas -amputação de uma perna em consequência do acidente -não se deveram a factores imprevisíveis, nem são de excluir em função do tipo de lesão sofrida, importa concluir que as sequelas físicas que o afectam, foram provocadas pelo acidente, por que a Ré se deveria ter responsabilizado proporcionando-lhe idónea e continuada assistência médica, estamos, ainda aí, no âmbito de uma causalidade indirecta que o art. 563.º do CC não exclui. VII - No quadro factual descrito a seguradora deve indemnizar os danos sofridos, pelo Autor, no contexto de responsabilidade civil com fundamento na sua conduta abusiva do direito.
Revista n.º 73/09 -6.ª Secção Fonseca Ramos (Relator) * Cardoso de Albuquerque Salazar Casanova
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