ACSTJ de 13-01-2009
Contrato-promessa de compra e venda Mora Incumprimento definitivo Comportamento concludente Concorrência de culpas Resolução do negócio Restituição do sinal
I -À parte que, no confronto da concorrência de culpas, for a menos culpada assiste o direito à resolução do contrato (que apenas será de excluir em relação ao único ou principal culpado pelo incumprimento). II - No caso de contrato-promessa com sinal passado, a questão de saber se à restituição do sinal em singelo deve acrescer a indemnização pedida (sendo o incumprimento imputável à parte que o prestou, a indemnização é ela própria a perda do sinal, se imputável à parte que o recebeu, a indemnização corresponde à restituição do dobro) resultará da ponderação que se fizer das culpas em concorrência, segundo as regras gerais e do art. 570.º do CC. III - Provando-se que os AA. recusaram outorgar a escritura na data que tinham marcado porque pretendiam que o R. procedesse, a expensas suas, à rectificação da área dos prédios prometidos vender, já que, segundo alegam, estes teriam uma área superior à que constava das inscrições matriciais e descrições do registo predial, e mais se provando que os AA. já tinham pago a sisa, pediram um orçamento para arranjo e restauro do prédio urbano em causa, e tinham disponível um cheque visado emitido a favor dos RR., datado de 4-6-2002 (data marcada para a escritura), no valor correspondente ao resto do preço convencionado (que faltava pagar), a recusa de outorgar a escritura na referida data, só por si, não é facto concludente, no sentido de que os AA. não queriam mais cumprir o contrato, de modo absoluto e definitivo. IV - Por isso, tal recusa apenas os constituiu em mora, tratando-se de mora culposa, porquanto injustificada, desde logo porque ficou por provar a falta de coincidência das áreas, e mesmo que se tivesse demonstrado integralmente o alegado pelos AA., tal desconformidade só os beneficiaria, já que ficariam donos de mais terreno sem o pagar e, sobretudo, porque, no âmbito do plano contratual, nenhuma obrigação assumiram os RR. de proceder a qualquer rectificação das áreas. V - Acresce que, sendo realidade frequente a existência de discrepâncias entre as áreas documentadas e as reais, nada impedia os AA. de, após a compra dos prédios, procederem eles à rectificação que julgassem necessária, já que eram eles os beneficiários dessa desconformidade factual. VI - Perante a mora dos AA. e a sua inacção posterior, só era consentido aos RR. notificá-los admonitoriamente para, dentro de um prazo razoável, cumprirem a sua prestação (marcar e outorgar na escritura de compra e venda), ou alegar e provar terem perdido o interesse na prestação por causa da mora (perda de interesse a apreciar objectivamente), como determina o art. 808.º do CC. Limitando-se o R., passados cerca de 2 meses, a remeter aos AA. carta por via da qual declarou resolver o contrato-promessa em causa, sendo ainda certo que, posteriormente (em 24-03-2003), vendeu os prédios a terceiros, colocou-se o R. em situação de incumprimento definitivo, por ser ilegítima a resolução. VII - Estamos, pois, perante uma situação de mora confrontando-se com outra situação de incumprimento definitivo. Ambas as situações são culposas, importando averiguar qual o grau de culpa com que cada uma das partes concorreu para a quebra de confiança e subsequente destruição do contrato, podendo dizer-se que a conduta culposa dos AA., embora só os constituindo em situação de mora, foi determinante, em parte, da conduta resolutiva do R.. VIII - Na verdade, sabendo-se que os AA. não estavam dispostos a suportar os custos da rectificação da matriz e do registo, e por isso mesmo se recusaram a outorgar a escritura, nada mais fazendo no sentido de desbloquear o impasse que criaram e, não estando o R. também disponível a ser ele a suportar os custos inerentes a tal rectificação (que nem se provou ser, de facto, necessária), tanto mais que a isso não estava contratualmente obrigado, e não sendo essa rectificação condição necessária à realização da escritura, era natural e presumível que pretendesse desvincular-se do contrato promessa em causa. IX - Conclui-se, assim, que para o dano resultante do incumprimento concorreram adequadamente, quer a conduta culposa dos AA. como a do R., igualmente culposa, não se vendo razão para distinguir quantitativa ou qualitativamente as culpas imputáveis a ambas as partes, que por isso, devem ser consideradas de igual grau. Logo, não há lugar à indemnização, o que equivale a dizer-se que não têm os AA. direito à devolução do dobro do sinal mas apenas à sua restituição em singelo.
Revista n.º 3649/08 -1.ª Secção Moreira Alves (Relator) Alves Velho Moreira Camilo
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