ACSTJ de 08-01-2009
Contrato de arrendamento Arrendamento florestal Renda Abuso do direito Usufruto Procuração Negócio consigo mesmo Legitimidade substantiva Incêndio IFADAP Nexo de causalidade
I -Decorreram mais de vinte anos no exercício do direito de usufruto sem que se tivesse outorgado qualquer contrato de arrendamento sobre os bens em causa; o contrato de arrendamento florestal foi celebrado por um prazo de 20 anos, renovável por mais 10; a usufrutuária tinha 102 anos de idade; a renda em causa (99,76 €) apresenta-se como manifestamente simbólica, atenta a área arrendada e a qualidade dos terrenos. II - O arrendamento teve como destinatário um familiar próximo da representante/administradora da usufrutuária (o seu marido), bem como desta; os réus já em data muito anterior à outorga do contrato usavam e fruíam os prédios em causa. III - Ressalta à evidência a intenção dos contratantes em fazer perdurar no tempo a situação de fruição dos bens não obstante a eventual extinção do usufruto com a morte da usufrutuária que, por certo, se aproximava, e dessa forma, prejudicar os direitos dos autores enquanto proprietários dos prédios, os quais não obstante a extinção do usufruto não os podiam passar a usar e fruir, nem podiam ter uma compensação justa e adequada pela sua não fruição, atento o valor simbólico atribuído à renda. IV - Verifica-se, assim, uma situação de exercício abusivo do direito, havendo que considerar-se o contrato de arrendamento florestal nulo face ao disposto no art. 294.º do CC. V - Embora o negócio celebrado entre a ré (enquanto representante da usufrutuária) e o seu marido configure um negócio consigo mesma, os autores carecem de legitimidade para arguir a anulabilidade do negócio, uma vez que tal negócio celebrado pela ré, enquanto procuradora, consigo mesma, só é anulável nos termos gerais a requerimento do representado. VI - Se dos factos se colhe a ideia de que em 2001 (ano do falecimento da usufrutuária dos prédios) a mancha de eucaliptos existente na parcela tinha bom porte vegetativo e estava em completa maturação, isso não implicava que o corte devesse obrigatoriamente, no caso, ser feito; se era, por regra, normal cortar os eucaliptos ao fim de nove anos de plantação, não pode esquecer-se que o alargamento desse prazo possibilita um maior desenvolvimento das árvores e, consequentemente, um melhor preço. VII - Deste modo, não se encontra relação de causalidade adequada entre a ocupação do prédio pelos réus e o incêndio que destruiu os eucaliptos. VIII - Da factualidade provada também não pode concluir-se, como pretendem os recorrentes, que caso estivessem na posse dos prédios ter-se-iam candidatado ao prémio/compensação atribuído pelo IFADAP e recebido o mesmo; não ocorre, assim, nexo de causalidade adequada entre a eventual perda de subsídios e a ocupação dos prédios pelos réus.
Revista n.º 3651/08 -7.ª Secção Ferreira de Sousa (Relator) Armindo Luís Pires da Rosa
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