ACSTJ de 18-12-2008
Bancos Actividade bancária Transferência bancária Abuso do direito Venire contra factum proprium Juros remuneratórios Juros de mora Taxas de juro
I -Os bancos são entidades legalmente habilitadas a praticar profissionalmente actos bancários, sendo essa uma prática habitual, lucrativa e tendencialmente exclusiva. II - Estas características obrigam as instituições bancárias a adoptar uma orgânica própria e muito especializada, capaz de responder eficazmente ao complexo de deveres a que estão vinculadas, e que têm a ver, no sector bancário, não só com preocupações de política económica, de salvaguarda do sistema, mas também com a tutela dos direitos e interesses dos clientes. III - No tocante às relações com os clientes, o RGIC impõe ao banqueiro, enquanto instituição, o dever de adopção de procedimentos de diligência, neutralidade, lealdade e discrição e respeito consciencioso dos interesses que lhe estão confiados. IV - O banqueiro está, assim, vinculado a deveres de actuação conformes com aquilo que é expectável da parte de um profissional tecnicamente competente, que conhece e domina as regras da ars bancaria: tem um fundamental dever de prestação de serviços, que lhe impõe colocar à disposição do cliente a sua estrutura organizativo-funcional, em ordem à execução de tarefas de tipo variado, no âmbito da actividade bancário-financeira, e uma obrigação de acautelamento de interesses do cliente, que lhe impõe uma continuada promoção e vigilância dos interesses deste. V - Na movimentação de conta de depósito do cliente, que constitui um dos aspectos do serviço de caixa a que o banco, por força do contrato de depósito, está obrigado, a obrigação de acautelamento dos interesses do cliente impõe-lhe que aja com elevados padrões de diligência e cuidado, de modo a não fazer transferências daquela conta sem estar seguro de que tais transferências são queridas e ordenadas pelo cliente. VI - Recai sobre o banco o ónus da prova de que a movimentação da conta ocorreu por motivo justificado, designadamente porque tinha ordem ou autorização de transferência emanada do cliente, pelo que, não demonstrado este pressuposto, o banco responde perante o cliente. VII - A figura do abuso do direito surge como um modo de adaptar o direito à evolução da vida, servindo como válvula de escape a situações que os limites apertados da lei não contemplam por forma considerada justa pela consciência social, em determinado momento histórico, ou obstando a que, observada a estrutura formal do poder conferido por lei, se excedam manifestamente os limites que devem ser observados, tendo em conta a boa fé e o sentimento de justiça em si mesmo. VIII - Na configuração do abuso do direito, o art. 334.º do CC consagra uma concepção objectivista: o excesso cometido no exercício do direito tem de ser manifesto; e não é necessária a consciência do abuso, a consciência, por parte do agente, da contrariedade do seu acto à boa fé, aos bons costumes ou ao fim social e económico do direito exercido, bastando que o seja na realidade. IX - A proibição do venire contra factum proprium constitui uma das manifestações do abuso do direito: corresponde à primeira parte da formulação legal, constituindo uma aplicação do princípio da responsabilidade pela confiança, uma concretização do princípio ético-jurídico da boa fé. X - A proibição do venire tem, antes de mais, como pressuposto, uma situação objectiva de confiança -uma anterior conduta de um sujeito jurídico que, objectivamente considerada, é idónea a despertar noutrem a convicção de que ele também no futuro se comportará, coerentemente, de certa maneira; e exige a boa fé da contraparte que confiou. XI - Não pode falar-se em exercício abusivo do direito, em violação do princípio da proibição do venire contra factum proprium, quando uma sociedade reclama do banco, de que é cliente e onde mantém uma conta de depósito, os montantes que este transferiu, ao longo de um ano, para contas de terceiros, sem autorização daquela, mesmo que a sociedade, tendo tido conhecimento das transferências, não tenha reagido de imediato, só o fazendo mais de um ano depois da data em que a última teve lugar, sabendo o banco que só com autorização do gerente da sociedade podia fazer transferências da dita conta. XII - É que, neste caso, não pode ter-se por criada no banco uma situação objectiva de confiança, dado o carácter profissional da actividade deste, executada por uma estrutura profissional de elevado grau de especialização; e falta também o requisito da boa fé, desde logo por não poder sustentar-se ter o banco agido com o cuidado e precauções usuais no tráfico jurídico. XIII - São realidades jurídicas distintas os juros remuneratórios e os juros moratórios: os primeiros visam possibilitar o rendimento de um determinado capital, correspondendo à sua capacidade criadora de riqueza, os segundos são os devidos a título de indemnização pelo não cumprimento tempestivo de uma obrigação pecuniária. XIV - Os juros moratórios legais e os estabelecidos sem determinação de taxa ou quantitativo, relativamente aos créditos de que sejam titulares empresas comerciais, singulares ou colectivas, são os fixados em Portaria conjunta dos Ministros das Finanças e da Justiça (art. 102.º, §3.º, do CCom). XV - A taxa supletiva a que se refere este normativo é fixada semestralmente, de acordo com o disposto na Portaria n.º 597/2005, de 21-06, cujos efeitos se reportam a 01.10.2004.
Revista n.º 2688/08 -2.ª Secção Santos Bernardino (Relator) * Bettencourt de Faria Pereira da Silva
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