Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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    Sumários do STJ (Boletim) - Cível
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ACSTJ de 09-12-2008
 Contrato de empreitada Abandono da obra Extinção do contrato Declaração tácita Incumprimento definitivo Cálculo da indemnização Danos patrimoniais Danos não patrimoniais
I -O abandono da obra pela empreiteira representa, em termos práticos, a extinção do contrato, independentemente de não ter sido declarada a sua resolução pela parte contrária.
II - Abandonando os trabalhos iniciados, a autora manifestou tacitamente, e em termos que a lei reputa eficazes (art. 217.º, n.º 1, do CC), a sua total indisponibilidade para reparar os defeitos, ou para, ainda que só em parte, construir de novo a obra, o que evidencia o seu propósito firme e definitivo de não cumprir, tornando dispensável a interpelação admonitória do art. 808.º do CC por parte do dono da obra para o efeito de conversão da mora em incumprimento definitivo.
III - Deste modo, provada também a realidade dos prejuízos sofridos pelos recorrentes, torna-se clara a pertinência da aplicação ao caso em análise das normas dos arts. 798.º, 799.º e 1223.º do CC, que lhes conferem o direito a ser indemnizados em consequência do incumprimento da autora/reconvinda.
IV - Não tendo o incumprimento da autora sido total, e sendo evidente a impossibilidade da devolução em espécie, quer dos materiais empregues, quer da mão de obra incorporada na obra, há lugar à aplicação do disposto no art. 434.º do CC, no sentido de que a restituição do que foi prestado terá de reportar-se ao valor dos materiais e da mão de obra incorporados na empreitada inacabada, mas todavia subsistente, havendo que efectuar a compensação entre a parte do preço paga pelo dono da obra e o seu correspectivo -pelo menos parcial -o valor dos materiais e mão de obra, não podendo a parte já satisfeita do preço ser abrangida pelos efeitos da resolução -art. 434.º, n.º 1, parte final.
V - Por isso é que, extinguindo-se o contrato, e ainda que o empreiteiro não tenha manifestado vontade de receber o valor da obra que de facto realizou, o juiz deve ordenar a devolução do preço pago pelo dono somente na parte que exceda o valor da prestação parcial efectuada pelo empreiteiro, sob pena de se verificar injustificável enriquecimento do dono da obra à custa do empreiteiro, que a lei repele (art. 473.º, n.º 1, do CC).
VI - As importâncias estabelecidas na sentença e que a Relação confirmou a título de indemnização pelos danos ocasionados pelo incumprimento não merecem reparo por corresponderem ao custo da eliminação dos defeitos; ao montante destinado ao pagamento da renda de casa para onde os reconvintes terão que deslocar-se no período de realização das obras destinadas à eliminação dos defeitos; e ao dano de incumprimento (dano negativo ou de confiança).
VII - A isto acresce a indemnização por danos morais, que deve ser aumentada para 1.500 €, por ser quanto a nós um facto notório, não carecido sequer de alegação nem de prova, nos termos do art. 514.º do CPC, que as vicissitudes do contrato de empreitada ajuizado, acarretaram para os recorrentes incómodos, dissabores e contratempos com a indispensável relevância para amplamente merecem tutela jurídica, nos termos previstos no art. 496.º, n.ºs 1 e 3, do CC.
Revista n.º 965/08 -6.ª Secção Nuno Cameira (Relator) * Sousa Leite Salreta Pereira