ACSTJ de 09-12-2008
Negócio consigo mesmo Contrato de compra e venda Procuração Regime da separação Venda entre cônjuges Princípio dispositivo Documento autêntico Força probatória
I -Provando-se que os RR., casados segundo o regime de separação de bens, detinham procuração emitida pelos AA. conferindo-lhes poderes -que podiam ser exercidos em conjunto ou separadamente -para venderem, pelo preço e condição que entendessem, o apartamento em questão e que, no exercício desses poderes, o R. agindo separadamente da R. mulher, em representação dos AA., vendeu à R., agindo esta em nome próprio, o referido apartamento pelo preço de 9.975.96€, não estamos perante um negócio consigo mesmo tal como vem definido no art. 261.º do CC. II - Com efeito, o R. marido não vendeu o imóvel a si próprio, nem o negócio produz qualquer efeito na sua esfera patrimonial, atento o regime de bens que presidiu ao casamento dos RR., assim como não agiu em situação de dupla representação. III - Não suscitando os AA. a questão da propriedade do apartamento em causa, limitando-se a alegar que o adquiriram por contrato de compra e venda, pretendendo apenas a anulação do aludido negócio, por se tratar, na sua opinião, de um contrato celebrado pelo R. marido consigo próprio, e uma vez que os RR., por sua vez, nunca põem em causa que o negócio foi efectuado em nome e em representação do A., não pode configurar-se o mesmo como uma compra e venda entre cônjuges, proibida pelo art. 1714.º, n.º 2, do CC. IV - O facto de se ter provado que foi o R. marido quem pagou o preço, pela compra do apartamento e todas as despesas inerentes à sua aquisição, bem como o condomínio e outras despesas relativas à sua utilização, sempre agindo como seu verdadeiro dono, sem qualquer oposição, não determina que tenha, no âmbito desta acção, de ter-se o R. marido como o verdadeiro proprietário do apartamento em questão, porque ninguém tal peticionou, nem a usucapião opera automaticamente. V - Apesar de constar da escritura pública que o preço do negócio seria pago com dinheiro pertencente ao A., os RR., que impugnaram tal afirmação, podem provar a sua inveracidade por qualquer meio admissível em direito. VI - A força do documento autêntico prova apenas que essa declaração foi feita perante o notário, mas não prova que corresponda à verdade, visto que não é um facto atestado por aquele oficial público com base na sua percepção (art. 371.º do CC). VII - Trata-se aqui de matéria fáctica sujeita à livre apreciação do tribunal, não cabendo na competência do STJ sindicar a resposta ao quesito que versou sobre tal facto, por não se verificar qualquer das excepções previstas no art. 722.º, n.º 2, do CPC.
Revista n.º 3298/08 -1.ª Secção Moreira Alves (Relator) Alves Velho Moreira Camilo
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