ACSTJ de 02-12-2008
Contrato de locação financeira Veículo automóvel Documentos Dever acessório Impossibilidade do cumprimento Impossibilidade superveniente Resolução do negócio Contrato de execução continuada ou periódica Obrigação de restituição
I -O contrato de locação financeira é um contrato nominado típico que combina elementos da locação e da compra e venda, tendo como traços característicos constituir um modo de financiamento integral de investimento, ficando o locador obrigado a entregar o bem objecto do contrato ao locatário, este obrigado a pagar uma renda pela utilização e também compensatória do investimento feito, mas mantendo sempre aquele a propriedade do bem entregue até ao termo do contrato, havendo a final uma opção de compra por este por valor residual. II - A entrega de um veículo implica como dever acessório de conduta a entrega dos documentos sem os quais este não pode circular na via pública, como sejam o título de propriedade e o livrete. III - É certo que a entrega de tais documentos pressupõe que seja facultado ao adquirente do veículo a declaração de venda por forma a este regularizar a situação registral, permitindo-se que quem o utilize por força de uma locação possa de imediato circular com uma declaração provisória de venda sujeita a um prazo de validade limitado, mas tal em nada invalida que perante o locatário o proprietário do veículo enquanto locador esteja vinculado a essa obrigação. IV - Provado que a 1.ª R., que comprara o veículo à 3.ª R. por indicação do próprio A. com o qual este acertara as condições respectivas de preço e entrega, logo que alertada da não entrega dos documentos por causa da disputa entre este e a representante da marca, desenvolveu os contactos necessários junto delas para resolver a situação, acabando depois e como último recurso, mas já depois de resolvido o contrato pelo A., por accionar uma e outra, com resultados positivos, a causa da impossibilidade superveniente temporária de cumprimento da obrigação tem de imputar-se em exclusivo à conduta da 2.ª R., terceira em relação ao contrato e nessa exacta medida e por não se ter mantido justificadamente o interesse do locatário credor, tornou-se ela definitiva (art. 808.º, n.º 1, 1.ª parte, n.º 2, do CC) dando direito à resolução (art. 801.º, n.º 2, do CC), mas sem direito a indemnização por falta de culpa da devedora. V - Tratando-se de um contrato de execução continuada a resolução só produz efeitos ex-nunc, não abrangendo as prestações já efectuadas, como se prevê no art. 434.º, n.º 2, do CC.
Revista n.º 3091/08 -6.ª Secção Cardoso de Albuquerque (Relator) Azevedo Ramos Silva Salazar
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