ACSTJ de 02-12-2008
Embargos de terceiro Veículo automóvel Ónus da prova Presunção de propriedade Registo automóvel Falsidade Defesa por excepção
I -Invocando o embargante, como direito próprio violado, a propriedade do veículo arrestado, o referido direito integra a causa de pedir dos embargos de terceiro, tendo, consequentemente, o embargante de alegar e provar os factos constitutivos do direito de propriedade e a violação desse direito pelo arresto decretado (em 16-05-2002). II - O contrato de compra de automóvel é meramente consensual (art. 219.º do CC), sendo a obrigatoriedade do registo funcional. O registo não dá nem tira direitos. A sua função é meramente declarativa e destina-se a publicitar a situação dos bens nele inscritos, como resulta do art. 1.º do CRgP. III - Invocando-se a aquisição derivada, é certo que, para alegação e prova de que o direito de propriedade já existia na pessoa do transmitente, pode o peticionante socorrer-se da presunção derivada do registo, ou seja, se a coisa cuja propriedade se reivindica já se encontrava inscrita a favor do transmitente, à data em que o autor dele a adquiriu derivadamente, não necessita de provar a cadeia de transmissões anteriores. IV - Embora resulte do art. 17.º, n.º 1, do CRgP, que a nulidade do registo só é oponível depois de declarada por decisão judicial transitada em julgado, deverá entender-se que é assim para efeito da extinção do registo, nada obstando a que possa ser arguida, por via de excepção, com o objectivo de ilidir a presunção derivada do mesmo registo. V - Perante a prova da falsidade da declaração que titulou o registo, fica posta em causa a base da própria presunção. Fazer funcionar a presunção do registo feito com um documento falsificado seria mesmo manifestamente abusivo (art. 334.º do CC). VI - Fundamentando o embargante a propriedade do veículo na aquisição a uma sociedade que é terceira na causa, por contrato de compra e venda, e subsequente registo a seu favor, mas verificando-se que a alegada vendedora nunca teve o veículo registado em seu nome e provando-se ser falsa a declaração que serviu de suporte ao registo efectuado a favor do embargante (desde 12-04-2002), falsidade que foi excepcionada pela embargada na contestação, tanto basta para que se possa considerar ilidida a presunção derivada do registo, pese embora a nulidade deste registo não tenha sido declarada judicialmente, com trânsito em julgado, em acção autónoma. VII - Na medida em que a embargada invocou na contestação a falsidade da declaração que serviu de base ao registo, implicitamente estava a excepcionar a nulidade do mesmo, com essa causa, excepção que deve ser julgada procedente, assim postergando a presunção que servia de fundamento à pretensão do embargante de reconhecimento do direito de propriedade, e improcedendo os presentes embargos de terceiro.
Revista n.º 3568/08 -1.ª Secção Paulo Sá (Relator) Mário Cruz Garcia Calejo
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