ACSTJ de 02-12-2008
Direito de propriedade Aquisição originária Usucapião Registo predial Cancelamento de inscrição Pedido implícito Posse Inversão do título Posse de má fé Partilha dos bens do casal
I -Se apenas no recurso da 1.ª instância o Réu recorrente veio, pela primeira vez, suscitar a questão da falta de formulação de um pedido expresso de cancelamento do registo (a favor do casal formado pela Autora e Réu, casamento já dissolvido), deverá entender-se que o facto de se ter ordenado o registo da acção, determinando-se, para isso, a suspensão da instância, e de tal registo ter sido efectuado, implica a aceitação pelas partes e pelo tribunal de que ao pedido de aquisição do imóvel por usucapião se aditou, de forma implícita, o de cancelamento do registo anterior. II - A posse exclusiva como a que a Autora reivindica só pode provar-se mediante a prova da oposição da Autora contra o uso que o Réu pretenda fazer da coisa, a inversão do título da posse (art. 1265.º do CC), não sendo suficiente, para o efeito, a demonstração de quaisquer actos capazes de destruir a presunção de que o uso ou posse do comproprietário/consorte, além do que competiria à sua quota, se exerce por mera tolerância dos outros consortes, ou seja, de actos que privassem os outros consortes do uso a que tinham direito. III - Provando-se que após acordo verbal (portanto, formalmente inválido) de partilha dos bens comuns do casal, a Autora, que já vivia na fracção autónoma (uma garagem) que lhe coube no referido acordo, passou a comportar-se, não como comproprietária ou detentora de um bem comum, mas antes como exclusiva dona desse local, convertendo-o na sua casa de habitação, modificando-o e equipando-o para o efeito com água, luz, telefone e gás, a suas únicas expensas e em seu próprio nome, é de considerar que a Autora passou a deter, em nome próprio, o dito prédio, a partir dos momentos atrás referidos, praticando de forma reiterada, com publicidade, os actos materiais correspondentes ao exercício do direito (art. 1263.º, al. a), do CC). IV - Mais é de concluir que a Autora ilidiu a presunção de má fé da sua posse (cf. art. 1260.º, n.º 2, do CC), porquanto, ao adquiri-la, ignorava a possibilidade de estar a lesar o direito de outrem. Efectivamente, a ignorância de que se lesa o direito de outrem (ausência de má fé) resulta da convicção de que se está a exercer um direito próprio, adquirido por título válido, por se desconhecerem os eventuais vícios da aquisição, no momento em que esta ocorre, sendo irrelevante o conhecimento posterior. V - Sendo a posse da Autora de boa fé, e não havendo registo do título nem da mera posse, a usucapião só pode dar-se no termo de 15 anos (art. 1296.º do CC).
Revista n.º 3348/08 -1.ª Secção Paulo Sá (Relator) Mário Cruz Garcia Calejo
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