Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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    Sumários do STJ (Boletim) - Cível
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ACSTJ de 02-12-2008
 Contrato-promessa de compra e venda Interpretação da declaração negocial Mora Incumprimento definitivo Concorrência de culpas Penhora Interpelação admonitória Prazo razoável Restituição do sinal
I -Convencionando-se no contrato-promessa que a escritura teria de ser marcada pela promitentecompradora, ora Autora, no prazo de 120 dias a contar da data da celebração do contrato, podendo tal prazo ser prorrogado por mais 30 dias, e permitindo-se, por posterior aditamento, uma segunda prorrogação por mais 30 dias, o sentido que qualquer declaratário normalmente diligente atribuiria às ditas cláusulas é o de que o início do prazo para marcação da escritura se contaria desde a data da celebração do contrato e que a segunda prorrogação de 30 dias só se aplicaria se a escritura não pudesse ser marcada no prazo de 120 dias, acrescido da prorrogação de 30 dias.
II - Embora as ditas prorrogações estivessem dependentes de a Autora, por motivo alheio à sua vontade, se encontrar impossibilitada de realizar a escritura nos primeiros 120 dias fixados, devendo disso dar conhecimento atempado à promitente-vendedora, ora Ré, torna-se irrelevante para o caso a falta de comunicação por parte da Autora à Ré da sua impossibilidade de marcar a escritura nos primeiros 120 dias do prazo, visto que esta relevou tal omissão considerando e aceitando as aludidas prorrogações.
III - A penhora da fracção prometida, só por si, não impossibilitava, à partida, o cumprimento da prometida venda, já que a Ré mantinha a titularidade do direito de propriedade e era sempre possível o respectivo levantamento até à data da escritura. Porém, uma vez que com a penhora a Ré perdeu os poderes de gozo sobre a coisa, isto é, a sua posse, que passou a ser exercida pelo tribunal, e a venda que nessas circunstâncias viesse a fazer seria ineficaz em relação à execução, não era exigível à Autora que realizasse o negócio prometido, e nem sequer que marcasse a escritura, enquanto subsistisse a penhora.
IV - Ficando ainda convencionado, no aditamento ao contrato-promessa, que “caso ao segundo contratante (a Autora) não seja possível cumprir os prazos referidos no § 1.º, pagará ao primeiro contraente, juros, à taxa de 2% ano, sobre a quantia em causa (entenda-se, sobre o resto do preço em dívida), fraccionado em mensalidades, até à realização da respectiva escritura pública de compra e venda”, não se trata aqui de uma cláusula penal verdadeira e própria (art. 810.º do CC), que visa a fixação convencional da indemnização e supõe a inexecução definitiva por culpa do devedor, nem tão pouco de uma cláusula penal moratória estabelecida para a indemnização dos danos decorrentes do atraso da prestação (art. 811.º, n.º 1, do CC). O que decorre desta cláusula acessória é que se a Autora não pudesse celebrar o negócio no prazo inicialmente fixado (que assim se transforma num prazo meramente indicativo, sem qualquer conexão com o prazo essencial) não entrará em mora em sentido técnico-jurídico.
V - Consequentemente, não podia a Ré vir notificar admonitoriamente a Autora para esta celebrar a escritura no prazo de 5 dias, como fez por carta de 11-10-2002, uma vez que não havia mora a converter em incumprimento definitivo e não estavam presentes os pressupostos previstos no art. 808.º do CC.
VI - Considerando que o prazo fixado na carta admonitória, atenta a data em que foi recebida pela Autora, terminaria no dia 20-10-2002 (Domingo), mesmo a transferir-se o último dia do prazo para o dia 21-10, verifica-se que o prazo concedido pela Ré ficaria reduzido a 4 dias úteis, o que nada tem de razoável, visto ser manifestamente curto para o efeito pretendido, face aos mais elementares princípios da boa-fé e às regras da experiência comum e do bom senso. Por conseguinte, a dita interpelação não podia produzir os legais efeitos, não convertendo, por isso, a hipotética mora em incumprimento definitivo.
VII - Com a subsequente carta, de 21-11-2002, na qual peremptoriamente a Ré recusou facultar à Autora os documentos entretanto por ela solicitados e que eram essenciais à realização da escritura, reiterando o que já havia dito na carta anterior, isto é, que perdeu o interesse na cele-bração do negócio e que considerava o contrato definitivamente incumprido por culpa da Autora, não deixa a Ré qualquer dúvida de que não pretende cumprir o contrato promessa, que considera já destruído ou resolvido, colocando-se assim em situação de incumprimento definitivo, que veio mais tarde a consolidar-se, de modo irreversível (impedindo a pretensão de execução específica), ao efectuar a venda da fracção a terceiro.
VIII - A concorrência de culpas no incumprimento não impede, só por si, o direito à resolução do contrato bilateral. Existindo direito à resolução (que apenas será de excluir em relação ao exclusivo ou principal culpado pelo incumprimento), existe obviamente direito a pedir a restituição do sinal, que decorre da destruição do contrato e importa a restituição de tudo que as partes tenham recebido uma da outra (arts. 433.º e 434.º do CC). Igualmente nada obsta a que se peticione a indemnização, que, no contrato promessa bilateral, havendo sinal passado, cor-responde, à perda desse sinal, se o incumprimento é imputável à parte que o prestou, ou à restituição do dobro, se imputável à que o recebeu. Saber se à restituição do sinal em singelo deve acrescer tal indemnização resultará da ponderação que se fizer das culpas em concorrência, segundo as regras gerais e do art. 570.º do CC.
IX - Sendo o incumprimento definitivo do contrato, no caso dos autos, sempre imputável apenas à Ré (e mesmo a admitir-se que a Autora se constituiu numa situação de mora, a culpa do incumprimento definitivo teria de imputar-se apenas à Ré), tem a Autora direito à restituição do sinal em dobro, como pediu subsidiariamente.
X - Não obsta à procedência do pedido subsidiário (restituição do sinal em dobro) a circunstância de a Autora não ter expressamente pedido a resolução do contrato. É que a entender-se que a restituição do sinal (em dobro ou em singelo) decorre da resolução do contrato, então não pode deixar de se ter por implícito esse pedido quando a pretensão é a da restituição do sinal.
Revista n.º 2653/08 -1.ª Secção Moreira Alves (Relator) Alves Velho Moreira Camilo