Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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    Sumários do STJ (Boletim) - Cível
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ACSTJ de 02-12-2008
 Acção de reivindicação Contrato de comodato Estabelecimento de ensino Obrigação de restituição Abuso do direito Prazo razoável
I -Nem todo o direito pode ser exercido de um modo absoluto, mesmo quando se é detentor dele, se o seu exercício for manifestamente ofensivo da boa fé, dos bons costumes, ou contrário ao fim social e económico do direito visado (cf. art. 334.º do CC).
II - Embora o Município Autor, na qualidade de comodante, tenha o direito de pedir a restituição do edifício comodato, reclamando a sua devolução pela Cooperativa Ré, uma vez que não celebrou com esta, actual dona da Escola instalada no mesmo edifício, qualquer contrato, nem teve qualquer intervenção no Protocolo estabelecido entre esta Cooperativa, a anterior proprietária da Escola e o Ministério da Educação, mostra-se ilegítimo o pedido de devolução formulado se o mesmo implicar uma exigência imediata.
III - Na verdade, é chocante que, a pretexto de simples mudança da titularidade de propriedade da Escola, se queira pôr fim imediato à situação de comodato do edifício em que a mesma funciona, uma vez que a cedência deste tinha sido feita no pressuposto do prosseguimento de um bem colectivo, para o enriquecimento tecnológico, artístico, cultural e pedagógico das populações do concelho, objectivos cuja prossecução se faz ao longo de anos lectivos, inexistindo de momento na zona um outro edifício com idênticas características onde possam continuar a ser ministrados os cursos que o próprio Autor promoveu.
IV - Acresce o facto de a Ré, ao suceder na posição da anterior proprietária da Escola, ter ficado responsável pela eventual devolução dos subsídios concedidos, até 10 anos depois de findas as obras realizadas ao abrigo do programa FEDER (o que só acontecerá em Janeiro de 2010), financiamento este que veio a beneficiar o próprio edifício reivindicado.
V - Mas não será de considerar abusiva a pretensão do Autor se à Ré for concedido um prazo razoável que lhe permita criar alternativas, não defraudando os legítimos interesses das pessoas que estão afectas à frequência e ao funcionamento da Escola, afigurando-se que só deve tornar-se efectivo esse direito após o final do ano lectivo de 2009-2010.
VI - Como a Ré foi interpelada para a respectiva devolução em 19-03-2003, para poder beneficiar da moratória que agora em seu favor se estabelece, deverá passar a pagar ao Autor a quantia de 2.500€ mensais, a partir do presente mês (quantia correspondente àquela que, como está provado, teria de pagar no mínimo, por uma ocupação de outras instalações com características semelhantes) a fim de se estabelecer um justo equilíbrio entre a obrigação de devolução e o momento adequado e oportuno para o fazer, de modo a que a demora na entrega não seja aproveitada para um enriquecimento injustificado da Ré à custa do empobrecimento do Autor (art. 476.º do CC).
VII - Por outro lado, o Autor terá de devolver à Ré, como sucessora dos direitos e deveres da anterior proprietária da Escola, a comparticipação (no montante de 88.994€) realizada por ela mesma ou sua antecessora a título de benfeitorias necessárias, uma vez que o comodatário é equiparado ao possuidor de má fé (art. 1138.º do CC).
Revista n.º 3239/08 -1.ª Secção Mário Cruz (Relator) Garcia Calejo Hélder Roque