ACSTJ de 11-11-2008
Acidente de viação Auto-estrada Brisa Responsabilidade civil Lei interpretativa Retroactividade da lei Questão nova Decisão surpresa Constitucionalidade
I -Ao aplicar ao caso o art. 12.º, n.º 1, al. b), da Lei n.º 24/07, de 18-07, não foi suscitada no processo uma questão nova de direito, pronunciando-se o reclamado acórdão sobre a mesma questão de direito, que foi objecto de discussão ao longo de todo o processo, que era a questão da natureza da responsabilidade civil das concessionárias das auto-estradas, pelos danos causados nos acidentes de viação nela ocorridos, devido ao atravessamento de animais, e do consequente ónus da prova da culpa. II - Pronunciando-se sobre essa questão, o Acórdão decidiu-a por uma razão de direito resultante da aplicação de uma norma legal que ainda não tinha sido considerada no processo, mas podia têlo feito, ao abrigo do art. 664.º do CPC, pois o Tribunal não está sujeito as alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regas de direito. III - Quando se discutia na doutrina e na jurisprudência, a questão referida em I, o que em última instância se discutia era o problema do ónus da prova da culpa. IV - Tendo-se formado duas fortes correntes doutrinais e jurisprudenciais, defendendo uns que tal responsabilidade revestia natureza contratual, recaindo sobre a ré uma presunção de culpa e incumbindo-lhe provar que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação não provém de culpa sua, e sustentando outros a origem extra-contratual dessa responsabilidade, impendendo sobre os autores o ónus da prova da culpa do autor da lesão, e tendo o referido art. 12.º, aderido implicitamente à corrente da responsabilidade contratual, tanto basta para se afirmar a natureza interpretativa (e não inovadora) da citada Lei n.º 24/07. V - A lei interpretativa, como é o caso, integra-se na lei interpretada, aplicando-se retroactivamente e ficando salvos apenas os efeitos já produzidos pelo cumprimento da obrigação, por sentença passada em julgado, por transacção, ainda que não homologada, ou por actos de análoga natureza -art. 13.º, n.º 1, do CC. VI - O facto do ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança, no caso de acidentes com atravessamento de animais, recair sobre a parte que tem mais dificuldade em fazer a respectiva prova, não implica a inconstitucionalidade do respectivo preceito legal, nem tal opção legislativa viola o princípio constitucional do processo equitativo ou o disposto nos arts. 2.º, 13.º e 62.º, n.° 1, da CRP.
Revista n.º 2424/08 -6.ª Secção Azevedo Ramos (Relator) Silva Salazar Nuno Cameira
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