Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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    Sumários do STJ (Boletim) - Cível
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ACSTJ de 23-10-2008
 Contrato de empreitada Mora Incumprimento definitivo Ónus da prova Direitos do dono da obra Preço Alteração do contrato Excepção de não cumprimento
I -É de empreitada o contrato nos termos do qual uma das partes se obriga em relação à outra a realizar certa obra mediante um preço.
II - O empreiteiro deve executar a obra em conformidade com o que foi convencionado, e sem vícios que excluam ou reduzam o valor dela, ou a sua aptidão para o uso ordinário ou previsto no contrato (art. 1208.º do CC).
III - Para além destas regras especiais, aplicam-se ao contrato de empreitada as normas gerais relativas ao cumprimento e incumprimento das obrigações que não se revelem incompatíveis com aquele regime: o contrato deve ser pontualmente cumprido, no quadro do princípio da boa fé (arts. 406.º, n.º 1, e 762.º, n.º 2, do CC) e o devedor cumpre a obrigação quando realiza a prestação a que está vinculado (art. 798.º do CC).
IV - Ao credor incumbe alegar e provar os factos integrantes do incumprimento da obrigação por parte do devedor, e a este os factos reveladores de que tal não depende de culpa sua (art. 799.º, n.º 1, do CC).
V - Verificado o incumprimento culposo do contrato pelo devedor, assiste ao credor a faculdade da sua resolução, salvo tratando-se de mera situação de mora (arts. 432.º, n.º 1, 801.º, n.º 2, e 804.º, n.º 1, do CC).
VI - Há mora do devedor quando, por motivo que lhe seja imputável, a prestação, ainda possível, não foi efectuada no tempo devido (art. 804.º, n.º 2, do CC).
VII - Ocorre o incumprimento definitivo da obrigação se o credor, em consequência da mora do devedor, perdeu o interesse que tinha na prestação, ou esta não for realizada dentro do prazo que razoavelmente foi fixado, sendo que a perda do interesse na prestação é apreciada objectivamente, isto é, à margem das perspectivas subjectivas do credor (art. 801.º, n.ºs 1 e 2, do CC).
VIII - Aplicando ao incumprimento do contrato de empreitada o referido regime geral do incumprimento obrigacional, temos que se o empreiteiro não executar a obra pelo modo e no tempo convencionados e já não a puder realizar por virtude de o dono da obra nela ter perdido o interesse ou por não a ter realizado no prazo razoável que lhe foi fixado, estar-se-á perante uma situação de incumprimento definitivo que possibilita a resolução do contrato.
IX - O empreiteiro não pode condicionar a execução da prestação a que se obrigou ao pagamento adiantado do preço total da obra quando inicialmente ficou ajustado que o dono da obra pagaria parte do preço antes do início dos trabalhos e o remanescente quando estes acabassem.
X - A simples mora do dono da obra no pagamento de parte do preço da obra, não convertida em incumprimento definitivo, não torna lícita a condição imposta unilateralmente pelo empreiteiro de só dar início aos trabalhos mediante o prévio pagamento da totalidade do preço, por inaplicabilidade do (invocado) regime da excepção do não cumprimento do contrato (art. 428.º, n.º 1, do CC).
XI - A conduta do empreiteiro de condicionar a prestação do seu trabalho ao pagamento adiantado do preço total das obras não pode deixar de ser interpretada como significando recusa ilegítima ao cumprimento da sua obrigação, porque estribada numa exigência que não tem suporte no contrato celebrado e, pois, a que o dono da obra não estava vinculado.
XII - Se este estava, efectivamente, em situação de mora quanto ao pagamento da prestação parcelar do preço, não tinha esse facto a virtualidade de legalmente justificar a recusa assumida pelo empreiteiro de não dar início às obras porque se reportava esta omissão à não satisfação prévia da integralidade do preço (que não fora clausulada) e não à mora supra indicada.
XIII - Assim, incumpriu definitivamente o contrato o empreiteiro que recusou a sua prestação enquanto o dono da obra não procedesse ao pagamento integral e antecipado do preço que não podia deste exigir e exprimiu inequivocamente essa sua vontade de não cumprir, fazendo com que o dono da obra perdesse o interesse que objectivamente possuía na prestação ajustada e tivesse de contratar outro empreiteiro para executar as obras em causa.
XV - O incumprimento definitivo do empreiteiro na execução da obra confere ao respectivo dono o direito de, por si ou por intermédio de outrem, proceder a essa realização e de reclamar daquele a restituição do que tiver pago.
Revista n.º 2978/08 -7.ª Secção Ferreira de Sousa (Relator) Armindo Luís Pires da Rosa