Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
Actualidade | Jurisprudência | Legislação pesquisa:


    Sumários do STJ (Boletim) - Cível
Procurar: Assunto    Área   Frase
Processo   Sec.                     Ver todos
ACSTJ de 09-10-2008
 Acidente de viação Atropelamento Comissão Presunção de culpa Culpa Matéria de direito Infracção estradal Excesso de velocidade Culpa do lesado
I -O dono do veículo só é responsável, solidariamente, pelos danos causados pelo respectivo condutor quando se aleguem e provem factos que tipifiquem uma relação de comissão, nos termos do art. 500.º, n.º 1, do CC, entre o dono do veículo e o condutor do mesmo (art. 503.º, n.º 3, do CC).
II - O termo comissão utilizado no citado art. 500.º, n.º 1, do CC não tem o sentido técnico, preciso, que reside nos arts. 266.º e segs. do CSC, mas antes o sentido amplo de serviço ou de actividade realizados por conta e sob a direcção de outrem, podendo esta actividade traduzir-se num acto isolado ou numa função duradoura, ter carácter gratuito ou oneroso, manual ou intelectual.
III - A comissão em causa pressupõe, pois, uma relação de dependência entre o comitente e o comissário que autorize aquele a dar ordens ou instruções a este.
IV - Revelando os factos provados que o concreto veículo era conduzido com ordem do proprietário, mas não tendo ficado assente que o era por conta deste, deve concluir-se que a factualidade apurada é insuficiente para se poder afirmar a existência da relação de comissão de que a lei faz depender a presunção de culpa referida em I.
V - É de direito a questão da apreciação da culpa, muito embora seja de facto a apreciação da factualidade que lhe está subjacente.
VI - É admissível a consideração de que existe uma presunção juris tantum de negligência contra o autor da violação de uma regra estradal.
VII - Provando-se apenas que o veículo interveniente no concreto acidente circulava então a velocidade não inferior a 50 Kms/hora, daqui não se pode extrapolar que o mesmo seguia a uma velocidade superior e, assim, em infracção ao limite legal instantâneo dentro das localidades.
VIII - Embora seja exacto que o condutor deve regular a velocidade de forma a poder, em condições de segurança, executar as manobras cuja necessidade seja de prever, e especialmente fazer parar o veículo no espaço livre e visível à sua frente, de forma a não circular em velocidade excessiva, a verdade é que também não se pode exigir aos motoristas que contem com comportamentos inopinados e culposos dos demais utentes das vias.
IX - Demonstrando os factos apurados que: o veículo automóvel circulava na terceira fila de trânsito do corredor central de uma avenida -havendo nesse corredor central quatro filas, sendo duas delas mais à esquerda atento o sentido de trânsito da viatura -a velocidade não inferior a 50 Kms/hora, e quando passava por baixo do viaduto da CP, surgiu à sua frente um peão, em passo acelerado, tendo já procedido à travessia das três filas do dito corredor central, -mais duas laterais -depois de se ter desviado de um outro veículo que seguia na faixa direita e por este oculto, não tendo sido possível ao condutor evitar o embate; o tempo estava bom e seco, sendo de dia (15h15m); o local do acidente era uma recta, com mais de 200m; no local do embate, os condutores saem de uma zona bem iluminada para outra escura e sombria; o embate ocorreu entre a parte esquerda da viatura e o peão, que tinha 71 anos de idade; não existindo a menos de 50m do local do embate passagem para peões constituída por bandas em zebra, existe nas suas imediações o terminal da CP que é utilizado por peões para efectuar a travessia da avenida em causa em ambos os sentidos, bem como uma travessia subterrânea, deve concluir-se que o acidente em causa ficou a dever-se a culpa exclusiva do peão que, de forma temerária, àquela hora, atravessou a dita artéria sem ter tomado as devidas precauções, quando o trânsito automóvel nela fluía.
Revista n.º 1951/08 -2.ª Secção Serra Baptista (Relator) Duarte Soares Santos Bernardino (vencido)