ACSTJ de 09-10-2008
Contrato atípico Contrato de permuta Liberdade contratual Interpretação da vontade Poderes do Supremo Tribunal de Justiça Enriquecimento sem causa
I -Entre A. e R. foi estabelecido um contrato atípico, segundo o qual, quando a Ré precisasse de bagacina (material de origem vulcânica, utilizado na construção civil) podia extrair a quantidade que precisasse dos prédios do A., havendo este, como contrapartida, a possibilidade de retirar volume idêntico do prédio da Ré, quando de tal necessitasse, situação que oferece muitas semelhanças ao contrato de escambo ou troca. II - Por não ter enquadramento directo em qualquer contrato em especial, previsto no CC, o seu regime jurídico deve obedecer ao que foi livremente estipulado ao abrigo do princípio da liberdade contratual (art. 405.° do CC), lançando-se mão, sempre que necessário e nas situações não directamente contempladas nele, ao regime jurídico decorrente do contrato de compra e venda, ex vi do art. 939.° do CC. III - Para determinar o âmbito de actuação do STJ quanto ao conteúdo e sentido das declarações negociais, importará distinguir quais os casos em que a interpretação da declaração negocial resultou directamente da prova produzida nas instâncias por se haver directamente demonstrado que o declaratário conhecia a vontade real do declarante -matéria de facto -, daqueloutros casos em que a interpretação negocial decorreu com recurso à teoria da impressão do declaratário normal, ao abrigo do disposto no art. 236.º, n.º 1, do CC, ou em violação de outras normas cogentes, relativas à interpretação dos contratos, como as limitações decorrentes do art. 238.º -matéria de direito. IV - Analisando o Acórdão recorrido, vemos que para a interpretação da vontade negocial em que veio assentar a fundamentação para a decisão, houve recurso ao disposto no art. 236.º do CC, com o objectivo de reconstituir o sentido virtual ou hipotético que o homem padrão atribuiria a tais declarações, pelo que se impõe concluir que nos encontramos perante uma questão de direito, competindo ao STJ averiguar se foram cumpridos ou desrespeitados os critérios legalmente estabelecidos para a interpretação feita na decisão recorrida. V - Provado que, no momento em que o A. pretendeu extrair a bagacina, de que era credor, do prédio do R., já esta se havia esgotado, tal representa para aquele um prejuízo, devido ao facto de não poder efectuar já a extracção que compensasse a exploração que o R. havia feito nos prédios do A., sendo certo que a equivalência das prestações presidiu à feitura do contrato. VI - A impossibilidade de exploração de bagacina no prédio do R. é uma impossibilidade absoluta porque o veio se esgotou no prédio objecto de extracção, superveniente, porque posterior à feitura do contrato, e não corresponde a uma situação de incumprimento imputável ao R.. VII - Assim, conclui-se pela extinção dessa obrigação específica decorrente da impossibilidade superveniente do objecto, reconhecendo-se ao recorrido o direito a exigir a restituição do que prestara nos termos prescritos para o enriquecimento sem causa, consoante decorre do art. 795.º, n.º 1, do CC.
Revista n.º 2067/08 -1.ª Secção Mário Cruz (Relator) Garcia Calejo Sebastião Póvoas
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