Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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    Sumários do STJ (Boletim) - Cível
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ACSTJ de 30-09-2008
 Corte ilegal de árvores Ministério Público Defesa do ambiente Loteamento Falta de licenciamento Município Responsabilidade extracontratual Requisitos Obrigação de indemnizar Reconstituição natural Ininteligibilidade do pedido Abuso do direito
I -Provado apenas que a recorrente abateu 267 sobreiros, sem a legalmente exigida autorização do competente organismo florestal estadual, tendo tal corte de conversão sido por aquela levado a cabo para a realização das obras de urbanização de um loteamento, cujo respectivo alvará de aprovação lhe havia sido concedido pelo município, sem que do conteúdo da referida licença constassem outras restrições, que não as relativas aos projectos respeitantes à electricidade e ao gás, mas não provada a existência de dano, mostra-se insusceptível de imputação à recorrente qualquer responsabilidade indemnizatória, resultante do acto pela mesma praticado de arranque das indicadas espécies protegidas.
II - Não constando do pedido formulado nos autos as condições em que tal reflorestação deva ter lugar, o mesmo reveste a natureza de um pedido vago, ou seja, não preciso e determinado, em que se torna impossível à respectiva contraparte exercer sobre o mesmo o seu direito de defesa, nomeadamente no que respeita à apreciação/impugnação do conteúdo e extensão das condições que lhe venham ulteriormente a ser exigidas pelo organismo estadual competente, as quais não podem revestir carácter arbitrário e/ou discricionário.
III - Como directa e imediata consequência da necessidade, para a efectivação do corte ou arranque de sobreiros, em povoamento ou isolados, de autorização da Direcção-Geral das Florestas ou da direcção regional de agricultura competente, “nos terrenos em que tenha ocorrido corte ou arranque ilegal de povoamento de sobreiro... é proibido, pelo prazo de 25 anos a contar da data do corte ou arranque: (…)as operações relacionadas com edificação, obras de construção, obras de urbanização, loteamentos e trabalhos de remodelação dos terrenos…” – art. 5.º, al. b), do referido DL n.º 169/2001, de 25-05.
IV - A referida inibição construtiva reveste natureza sancionatória, como meio dissuasor, pela sua extensão temporal, da efectivação do abate não autorizado de sobreiros como facto consumado a uma posterior utilização do terreno em que aqueles se encontravam implantados, para fins urbanísticos, enquanto que a medida administrativa de reposição arbórea, a que se refere o art. 23.° do DL n.º 169/2001, embora resultante da mesma actuação ilícita, reveste natureza meramente repositória do povoamento florestal antecedentemente existente, diversidade de fins estes, que afastam, assim e desde logo qualquer hipotética eventual relação de subordinação entre as mesmas, já que o indicado impedimento construtivo não tem como fim específico permitir o desenvolvimento da área onde o abate teve lugar.
V - Tendo o Município concedido à ora recorrente o alvará de loteamento, sem que do mesmo algo conste quanto à concessão da autorização de arranque constante do respectivo PDM, e tendo resultado infrutíferas as diligências levadas a cabo pela recorrente para obtenção de tal autorização junto do Núcleo Florestal, conclui-se que aquele município, através do seu presidente, não cumpriu a legislação então vigente para o deferimento do licenciamento requerido, nomeadamente procedendo à consulta da autoridade florestal competente, sobre a admissibilidade do loteamento ou seus eventuais condicionamentos, face às espécies arbóreas implantadas no terreno.
VI - Tal omissão é geradora da nulidade da licença concedida para a operação de loteamento -art. 68.º, al. c), do DL n.º 559/99 -, pelo que, consequentemente, o alvará emitido pelo Município, a favor da recorrente, não pode titular um acto administrativo de licenciamento definitivamente consolidado, como por aquela vem sustentado, nem, por outro lado, servir de fundamento à admissibilidade legal de um acto ferido de ilegalidade, questões estas, que, embora revestindo natureza administrativa, por força do estatuído no art. 96.º, n.º 1, do CPC, este Supremo Tribunal está obrigado a conhecer.
VII - O MP ao instaurar a presente acção, não agiu na defesa de quaisquer interesses da Administração Central, uma vez que, face ao estatuído no art. 45.º, n.º 1, da Lei n.º 11/87, de 07-04 Lei de Bases do Ambiente -, na redacção que lhe foi dada pelo art. 6.º da Lei n.º 13/2002, de 19-02, à sua intervenção na lide subjaz como razão primacial a preservação dos vários habitats florestais protegidos pela legislação em vigor, como meio de conservação do equilíbrio ambiental, e consequentemente da melhoria da qualidade de vida dos cidadãos -art. 4.º daquela LBA -, inverificando-se, portanto, o pressuposto da actuação daquele em representação do Estado, em que a recorrente se fundou para a invocação da desconformidade da actuação do mesmo, relativamente à titularidade dos interesses subjacentes ao direito cujo exercício por aquele foi levado a cabo, mostrando-se insusceptível de enquadramento na figura jurídica do abuso de direito, acolhida no art. 334.° do CC.
Revista n.º 393/08 -6.ª Secção Sousa Leite (Relator) * Salreta Pereira João Camilo