ACSTJ de 11-09-2008
Contrato-promessa de compra e venda Incumprimento do contrato Incumprimento definitivo Mora Interpelação Fixação judicial do prazo Escritura pública Obrigação de indemnizar Posse Direito pessoal de gozo
I -O não cumprimento da obrigação pode proceder de causas imputáveis ao devedor ou de causas a este não imputáveis, o que sucede quando procede de facto de terceiro, de caso fortuito ou de força maior, ou de facto do credor; e pode -considerando o efeito sobre a relação creditória assumir as modalidades de não cumprimento definitivo, mora ou cumprimento defeituoso. II - A mora é, em sentido amplo, o mero retardamento da prestação: esta não foi executada no momento próprio, mas ainda é possível, por continuar a ter interesse para o credor. III - A mora pode provir de causa imputável ao devedor ou de facto imputável ao credor, e pode ainda resultar de circunstâncias não imputáveis nem ao devedor nem ao credor, como sucede em certos casos de impossibilidade transitória ou temporária. IV - Nestes casos, se da mora resultaram danos para o credor, não sendo esta imputável ao devedor, este não responde por tais danos; mas não fica exonerado da obrigação, visto que o impedimento ao cumprimento é apenas temporário. V - Relativamente ao tempo do seu vencimento, as obrigações classificam-se em obrigações puras as que, por falta de estipulação ou disposição em contrário, se vencem logo que o credor, mediante interpelação, exija o seu cumprimento -e obrigações a prazo ou a termo -aquelas cujo cumprimento não pode ser exigido ou imposto à outra parte antes de decorrido certo período ou de chegada certa data. VI - Nas obrigações puras vale a regra geral constante do n.º 1 do art. 777.º do CC. Mas esta regra não é absoluta: se se tornar necessário o estabelecimento de um prazo, quer pela própria natureza da prestação, quer pelas circunstâncias que a determinaram, quer pela força dos usos, e as partes não acordarem na sua determinação, a sua fixação é deferida ao tribunal (n.º 2 do art. 777.º); e se as partes tiverem convencionado que a fixação do prazo ficasse ao critério do devedor, no sentido de lhe confiar a faculdade de escolha do momento do cumprimento, atendendo às circunstâncias, deverá o prazo, por aplicação analógica do n.º 3 do art. 777.º, ser fixado pelo tribunal, se aquele o não fizer. VII - Tendo sido estipulado, no caso dos autos, que a marcação da escritura definitiva do contrato-prometido seria “a convocar pela ré (promitente vendedora), com a antecedência de oito dias”, e não ignorando o autor (promitente-comprador) as razões, alheias à ré, que haviam entravado o prosseguimento das obras de construção do empreendimento onde se situava a fracção objecto do contrato-promessa, não era a interpelação extrajudicial por aquele efectuada à ré o meio adequado para fixar o prazo: impunha-se, atendendo às circunstâncias, a sua fixação pelo tribunal. VIII - Não tendo o retardamento da prestação da ré -traduzido na impossibilidade temporária em que se achou, de efectuar o contrato-prometido -resultado de facto seu, nem sendo resultante de culpa sua, ela não responde pelos danos moratórios sofridos pelo autor. IX - O promitente-comprador, investido prematuramente no gozo da coisa, que lhe é concedida na pura expectativa da futura celebração do contrato-prometido, não é possuidor dela, porque lhe falta o animus possidendi: ele é apenas o titular de um direito pessoal de gozo, destinado a perdurar como tal, até à celebração do contrato definitivo ou à adjudicação compulsória da coisa ou até à resolução ou anulação do contrato-promessa.
Revista n.º 1547/08 -2.ª Secção Santos Bernardino (Relator) * Bettencourt de Faria Pereira da Silva
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