Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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    Sumários do STJ (Boletim) - Cível
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ACSTJ de 10-07-2008
 Contrato de crédito ao consumo Contrato de mútuo Sub-rogação Veículo automóvel Procedimentos cautelares Apreensão de veículo Reserva de propriedade
I -Do teor literal do art. 409.º, n.º 1, do CC conclui-se que só nos contratos de alienação -maxime, nos contratos de compra e venda -é lícita a estipulação da cláusula de reserva de propriedade, a favor do alienante.
II - No mesmo sentido apontam os arts. 15.º, 18.º, 19.º e 21.º do DL n.º 54/75, de 12-02, dos quais decorre que é pressuposto do recurso à providência cautelar de apreensão, prevista nesse diploma, a existência de um contrato de alienação de veículo, em que tenha sido convencionada a reserva de propriedade, só dela podendo lançar mão o alienante.
III - E tal não é contrariado pelo disposto na al. f) do n.º 3 do art. 6.º do DL n.º 359/91, de 21-09 diploma que rege sobre os contratos de crédito ao consumo -que tem em vista apenas as situações em que o crédito é concedido para financiar o pagamento de um bem alienado pelo próprio credor, ou seja, em que a pessoa ou entidade financiadora é a detentora do direito de propriedade do bem alienado.
IV - No contrato de mútuo, celebrado para financiamento da aquisição, pelo mutuário, de um veículo automóvel, não pode o financiador reservar para si o direito de propriedade sobre o veículo, uma vez que, não sendo seu dono, nada vendeu: o contrato de mútuo não é um contrato de alienação, constituindo uma contradição nos próprios termos alguém reservar um direito de propriedade que não tem.
V - Não pode falar-se, sem mais, em sub-rogação do mutuante na posição jurídica do vendedor, nos termos dos arts. 589.º e seguintes do CC, pois a sub-rogação voluntária assenta sempre num contrato, realizado entre o credor e terceiro ou entre o devedor e terceiro, devendo ser, em qualquer caso, expressamente manifestada a vontade de sub-rogar, e exigindo-se, quanto à sub-rogação a favor do terceiro mutuante, que seja feita, no documento do empréstimo, a declaração de que a coisa se destina ao cumprimento da obrigação e que o mutuante fica subrogado nos direitos do credor.
VI - A interpretação actualista deve ser aplicada com a necessária prudência, estando, logo à partida, condicionada pelos factores hermenêuticos, designadamente pela ratio da norma interpretanda e pelos elementos gramatical e sistemático.
VII - No art. 409.º, n.º 1, do CC, quer o elemento gramatical, quer o escopo ou finalidade visado pela norma, afastam a possibilidade de uma interpretação actualista, no sentido de alargar o seu alcance ao contrato de mútuo ou financiamento, mesmo quando se trate de um contrato de mútuo a prestações conexionado com o contrato de compra e venda do bem financiado, sendo, ademais, certo que o financiador não se acha totalmente desprotegido, pois tem meios ao seu dispor para fazer face a eventual incumprimento do mutuário.
VIII - E o mesmo se dirá quanto ao art. 18.º, n.º 1, do já citado DL n.º 54/75: nem a sua letra nem o seu espírito consentem interpretação que leve a considerar que, à necessária acção de resolução do contrato de alienação, de que a providência de apreensão de veículo automóvel constitui dependência, possa equivaler a eventual instauração de uma acção de resolução do contrato de mútuo.
IX - É, assim, nula, porque legalmente impossível, a cláusula de reserva de propriedade, incluída em contrato de financiamento, a favor do financiador que mutuou o preço da aquisição do veículo, não tendo este, em consequência do incumprimento, pelo mutuário, do contrato de mútuo, direito à entrega do dito veículo.
Revista n.º 1480/08 -2.ª Secção Santos Bernardino (Relator) * Bettencourt de Faria Pereira da Silva