ACSTJ de 10-07-2008
Contrato-promessa de compra e venda Loteamento clandestino Nulidade do contrato Resolução do negócio Benfeitorias Enriquecimento sem causa Pedido reconvencional
I -O contrato-promessa não tem eficácia translativa da propriedade visto tratar-se de um contrato de natureza meramente obrigacional (por regra) cujo objecto é a obrigação de celebrar o contrato prometido (obrigação de facere). Não é, pois, título de posse, que é um direito real, pese embora a tradição da coisa prometida possa conferir, em determinadas circunstâncias (por exemplo, quando foi paga a totalidade do preço convencionado), a posse real e efectiva. II - No caso dos autos, tendo o Autor, promitente-comprador, plena consciência que os lotes prometidos vender não só não lhe pertenciam, como nem sequer eram propriedade do promitentevendedor, mas sim de terceiro, do qual ficou dependente a regularização de toda a situação criada pelo contrato-promessa, não podendo o Autor deixar de saber que tais lotes não tinham sequer existência jurídica, por se tratar de um loteamento particular ilegal, é de concluir que o Autor nunca passou de mero detentor precário. III - Pese embora essa sua qualidade, pode haver lugar à aplicação (directamente ou por analogia) no que concerne às construções que edificou no prédio rústico -do regime estatuído no art. 1273.º do CC, já que, em caso de nulidade, anulabilidade ou resolução (como foi o caso) do contrato-promessa, o n.º 3 do art. 289.º do CC manda aplicar o disposto nos arts. 1269.º e ss. (incluindo, portanto, o referido art. 1273.º). IV - A construção de uma casa de habitação em determinado lote de terreno não é uma benfeitoria necessária, visto que nada tem a ver com a perda, destruição ou deterioração do solo em que foi implantada. V - Em condições normais, tratar-se-ia de uma benfeitoria útil, na medida em que tal incorporação aumentaria o valor do prédio. Porém, tal aumento de valor não constitui um facto notório, porque se trata de um loteamento ilegal, não tendo o Autor alegado sequer que a casa construída ilegalmente é passível de ser legalizada, sendo certo que pode ter de vir a ser demolida (por ser clandestina ou por não respeitar as regras de construção que vierem a ser aprovadas para o dito loteamento ou até por não ser admissível construir no local). Daí que não se possa considerar que o Autor tenha direito a ser indemnizado por benfeitorias ou mesmo por via do enriquecimento sem causa. VI - Não tendo sido admitido (no despacho saneador) o pedido reconvencional, o qual foi deduzido subsidiariamente, para a hipótese de condenação do Réu a pagar ao Autor o custo das edificações levantadas nas parcelas a restituir ao Réu, tendo sido agora decidido absolver o Réu da pedido de condenação no pagamento da referida indemnização, impõe-se concluir que fica prejudicado o conhecimento da questão processual da admissibilidade do pedido reconvencional, por inútil. VII - A Relação, ao decidir pela resolução do contrato-promessa, tinha de ordenar a restituição integral de tudo o que fora prestado em conformidade com o disposto no art. 433.º do CC, conjugado com o art. 289.º, n.º 1, ambos do CC, ainda que tal não tivesse sido pedido.
Revista n.º 249/08 -1.ª Secção Moreira Alves (Relator) Alves Velho Moreira Camilo
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