ACSTJ de 15-02-2007
Acidente de viação Motociclo Capacete de protecção Legitimidade passiva Gabinete Português da Carta Verde Intervenção provocada Presunção de culpa Culpa do lesado Presunções judiciais Ónus de alegação Ónus da prova
I -Se no caso de acidentes com veículos matriculados no nosso país, prevenindo a lei a hipótese de não ser possível ao autor da acção identificar a seguradora ou apurar mesmo a existência de seguro, pode o mesmo demandar directamente o civilmente responsável, devendo o tribunal notificar oficiosamente este último para indicar ou apresentar documento que identifique a seguradora do veículo interveniente, no caso ajuizado, foi por exclusiva iniciativa do tribunal, em função dos documentos juntos pelos 1.º e 2.º réus, comprovativas de que o motociclo estava matriculado na Suiça e aí seguro, que o autor decidiu chamar, através do incidente de intervenção, a respectiva seguradora Suiça e o Gabinete Português de Carta Verde, as quais não arguíram a sua ilegitimidade, sendo admitido o incidente por despacho que transitou em julgado. II - Deste modo, fica adquirida a plena legitimidade passiva das ditas duas intervenientes, não podendo deixar de entender-se como coberta pela norma especial do n.º 3 do art. 29.º do diploma do seguro obrigatório o seu chamamento à lide, sendo certo que o autor justificou a razão pela qual optou, quase no limite do prazo de prescrição, por demandar directamente o dono e condutor do motociclo. III - Nestas condições, sem prejuízo de apenas deverem figurar na acção como responsáveis pela satisfação do pedido indemnizatório formulado pelo autor as sobreditas intervenientes, fica justificado o accionamento directo inicial dos responsáveis civis (proprietário e condutor), devendo excluir-se da acção apenas o 1.º e 2.º réus, em face da comprovação do seguro. IV - O art. 570.º, n.º 2, do CC, ao prescrever que, baseando-se a responsabilidade numa simples presunção de culpa, a culpa do lesado, na falta de disposição em contrário, exclui o dever de indemnizar, quer dizer que, então, a responsabilidade do agente há-de basear-se na prova efectiva da sua culpa; e este tratamento legal, no que respeita ao condutor de viaturas por conta de outrem, explica-se perfeitamente: mal se compreenderia que, provada a culpa do lesado (ainda que só parcial), continuasse o comissário a suportar o peso de uma presunção tão gravosa como é a do n.º 3 do art. 503.º do CC. V - Foi recorrendo à faculdade de fazer uso de presunções judiciais que, no acórdão recorrido, se tirou a ilação, dos factos provados, de que tanto o condutor do motociclo como o autor concorreram culposamente para a produção dos efeitos danosos na pessoa deste; o condutor do motociclo, porque o despiste isolado de um veículo faz sempre presumir uma condução inábil e imperita, ao próprio competindo a prova de que assim não foi; nada tendo sido demonstrado que afastasse a ilação, corroborada pelo facto do condutor não ter a devida habilitação legal, segue-se ficar suficientemente demonstrada a culpa do mesmo, não por mero efeito de uma presunção legal, mas com recurso à chamada prova de primeira aparência. VI - O autor porque não provou (nem sequer alegou) que, não obstante a falta de capacete, as lesões, com a gravidade atingida, teriam, na mesma, ocorrido, caso levasse capacete; e o certo é que era passageiro de um motociclo e, como tal, deveria usar capacete de protecção, tendo em conta o que dispunha o art. 82.º, n.º 3, do CEst, então em vigor. VII - A obrigatoriedade do uso de capacete tem a ver com as velocidades altas, a estabilidade precária e a falta natural de protecção dos veículos de duas rodas accionados a motor; não são circunstâncias exógenas, como, por exemplo, o perigo representado pelo trânsito dos outros veículos, que levaram o legislador a impor o uso de capacete, mas, sim, circunstâncias relativas às próprias características daqueles veículos. VIII - Esta última observação tem importância para o correcto enquadramento do n.º 1 do art. 570.º do CC; neste caso, ao réu não cabe provar que as lesões não se teriam verificado se o lesado tivesse capacete; bastando-lhe provar que a vítima não tinha, efectivamente, capacete; cabe, sim, ao autor o ónus de alegar e provar que, não obstante a falta de capacete, as lesões, com a gravidade atingida, teriam na mesma ocorrido caso levasse o capacete protector.
Revista n.º 4744/06 -2.ª Secção Oliveira Rocha (Relator)Duarte SoaresFerreira Girão
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