ACSTJ de 31-10-2006
Responsabilidade extracontratual Concorrência de culpas Actividades perigosas Culpa do lesado
I - As operações de soldadura são operações que comportam elevado risco, pelas altas temperaturas a que se processa, pela utilização em grande número de casos de maçaricos a gás, pela ocorrência frequente de projecções de partículas de metal. II - A situação em apreço de soldagem de um depósito de combustível de uma viatura com a utilização de um maçarico deve ser considerada como susceptível de gerar danos ainda mais graves, pelo risco de inflamação dos gases, em virtude do calor desenvolvido pelo maçarico. III - Existindo na oficina do Réu, onde essa operação era levada a cabo por este, um placard visível ao público, advertindo as pessoas estranhas ao serviço que era proibida a sua permanência no local, tal aviso só pode ser entendido como referindo-se às zonas de trabalhos, uma vez que na zona de atendimento dos utentes o mesmo não faz sentido. IV - A existência desse aviso visa não apenas a segurança dos utentes da oficina, nos locais onde se processam as diversas operações, mas também a invasão desses locais por curiosos, designadamente os proprietários das viaturas a reparar, prejudicando o trabalho. V - Provando-se que o Réu procedia à soldadura de um depósito de gasóleo - previamente lavado com água -, em local afastado da entrada, usando um maçarico, quando foi abordado pelo Autor, que lhe entregou uma corrente, ocorrendo então a inflamação dos gases existentes no interior do depósito, o qual não continha água no seu interior, “regra de boa prática” adequada ao caso para garantir uma maior dissipação do calor e diminuir a libertação de vapores inflamáveis, vindo o Autor a ser atingido, é de concluir que o Réu não tomou todas as medidas necessárias a evitar o perigo, não ilidindo a presunção que sobre ele recaía (art. 493.º, n.º 2, do CC). VI - No entanto, o Autor actuou também de forma negligente, pois sabia que o Réu procedia a uma operação de soldadura, procedimento de risco, e que devia evitar a presença no local da reparação, pelo que contribuiu com a sua conduta para a produção das lesões que sofreu (art. 570.º do CC).
Revista n.º 2388/06 - 1.ª Secção Paulo Sá (Relator)Borges SoeiroFaria Antunes
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