ACSTJ de 04-10-2006
Contrato-promessa Trespasse Venda de coisa defeituosa Estabelecimento comercial Licença de estabelecimento comercial e industrial Redução do preço Alvará Responsabilidade contratual Dever acessório Saúde pública
I - Os autores prometeram trespassar uma coisa que não tinha as qualidades que garantiram à ré e que eram essenciais ao fim a que se destinava; na verdade, faltava a autorização administrativa de funcionamento do estabelecimento comercial de café e snack-bar, o que redundava na inexistência da qualidade garantida, já que os autores tinham convencido a ré da legalização atempada do mesmo estabelecimento. II - Estamos, por isso, perante a promessa de venda de coisa defeituosa, mas cujo defeito não é superveniente - atentos os factos fornecidos pelos autos - nos termos do art. 918.º do CC; assim, a redução do preço pretendida pela ré era possível não só porque ela jamais invocou o incumprimento definitivo dos autores como também por força da aplicação directa das normas constantes dos arts. 911.º, 913.º e 939.º do CC. III - Efectivamente, a ré teria - tanto quanto os factos indicam - celebrado sempre a promessa (tanto assim que a continuou a manter), o que nos reconduz à redução do preço do trespasse como exigência primária daquele equilíbrio prestacional. IV - A omissão total de comportamento dos autores na procura de um alvará de utilização insere-se no conjunto negocial do contrato que celebraram com a ré; eles só podem ser responsabilizados civilmente por tal omissão porque a obtenção do alvará se insere no conjunto de deveres acessórios de conduta que os autores assumiram contratualmente para ser possível e viável a realização da prestação devida, ou seja, do contrato prometido; estamos, pois, na esfera típica da responsabilidade contratual e não aquiliana. V - O art. 483.º do CC é, aqui, totalmente inaplicável ao contrário do que defende a ré; não houve facto dos autores que violasse direito subjectivo da ré e menos ainda que violasse norma que tutelasse directamente interesses da mesma ré. VI - As normas que regulam a concessão do alvará de utilização de estabelecimentos comerciais não conferem qualquer direito subjectivo à ré; nem sequer se destinam a preservar directamente qualquer interesse seu; destinam-se, sim, a garantir interesses gerais de saúde pública e de qualidade de serviço a prestar aos utentes dos estabelecimentos em questão. VII - Nem sequer reflexamente os interesses da ré são, aqui, protegidos por tais normas e menos ainda o serão - como parece sugerir a recorrente - pela Portaria n.º 196-A/2001 que confere subsídios de apoio.
Revista n.º 2393/06 - 2.ª Secção Noronha Nascimento (Relator)Abílio de VasconcelosDuarte Soares
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