ACSTJ de 28-09-2006
Título executivo Garantia autónoma Cláusula on first demand Fiança Negócio formal Interpretação da declaração negocial
I - A garantia autónoma é uma figura jurídica (cujo fundamento jurídico-positivo se encontra no art. 405.º do CC) que se destina a proteger o credor contra o risco de incumprimento por parte do devedor. II - É uma medida de protecção mais forte do que aquela que constitui o arquétipo das garantias pessoais - a fiança - na medida em que arreda da sua disciplina o princípio da acessoriedade, que constitui o traço característico da fiança. III - Enquanto a obrigação do fiador é acessória da que recai sobre o principal devedor (art. 627.º, n.º 2, do CC), o que significa que o fiador pode opor ao credor os meios de defesa de que pode valer-se o devedor - designadamente as excepções relativas à validade, eficácia, conteúdo, extinção, (...) da obrigação garantida -, a garantia autónoma acha-se inteiramente desligada da relação principal, não podendo o garante opor ao beneficiário as excepções atinentes à dita relação principal. IV - A obrigação assumida pelo garante, na garantia autónoma, funda-se na responsabilidade objectiva, é autónoma e independente, e não se molda sobre a obrigação (de prestar ou de indemnizar) do devedor do contrato-base, nem quanto ao objecto nem quanto aos pressupostos da sua exigibilidade. V - Há, por outro lado, garantias autónomas simples e garantias autónomas automáticas. Enquanto nas primeiras o beneficiário só pode exigir o cumprimento da obrigação do garante desde que prove o incumprimento da obrigação do devedor ou a verificação do circunstancialismo que constitui pressuposto do nascimento do seu crédito face ao garante, já tal prova não lhe é exigível nas segundas, devendo nestas o garante entregar imediatamente ao beneficiário, ao primeiro pedido deste, a quantia pecuniária fixada. VI - Se a garantia não for à primeira solicitação, se não contiver esta cláusula que lhe confere automaticidade, o beneficiário só pode exigi-la desde que prove o facto que é pressuposto do nascimento da obrigação de garantia. VII - A questão de saber se, em dado caso, estamos perante uma fiança ou uma garantia autónoma e, dentro do género, se perante uma garantia autónoma automática e à primeira solicitação, supõe interpretação do negócio jurídico e da vontade das partes, à qual há-de proceder-se de acordo com o disposto nos arts. 236.º e 238.º do CC. VIII - Não se tratando de garantia autónoma, automática ou à primeira solicitação, o documento em que se funda a execução não tem força executiva, não é documento enquadrável na al. c) do art. 46.º do CPC e, como tal, a execução não pode prosseguir - nem devia ter sido instaurada - por inexistência de título executivo - arts. 813.º, a) e 815.º, n.º 1, do CPC (na versão de 1997), 814.º, al. a), e 816.º, na redacção introduzida pelo DL n.º 38/2003, de 08-03.
Revista n.º 2412/06 - 6.ª Secção Afonso Correia (Relator)Ribeiro de AlmeidaNuno Cameira
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