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 - ACRL de 24-01-2024   Relatório dos assessores nomeados. Despedimento coletivo.
Tendo o saneador/ sentença limitado-se a aderir ao Relatório dos assessores nomeados, que deu como integralmente reproduzido, resulta que não se pronunciou sobre se foram cumpridas as formalidades legais do despedimento colectivo, nem, necessariamente, enunciou os respectivos fundamentos de facto e de direito, sendo certo que se trata de questão — obviamente — não abrangida pela assessoria técnica; concluiu que não procedem os fundamentos invocados para o despedimento colectivo sem discriminar todos os factos necessários para a prolação de decisão que considerou plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes e sem indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas pertinentes, o que consubstancia a nulidade do despacho na medida em que não torna nem claro, nem percetível quais os factos em que se fundou a decisão, nem qual a fundamentação jurídica da mesma (art.º 154.0, n.0 1, 607.0, n.0s 3 e 4 e 615º al. b) do CPC).
Proc. 23398/20.0T8LSB-C.L1 4ª Secção
Desembargadores:  Alda Martins - Alves Duarte - -
Sumário elaborado por Carolina Costa
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APELAÇÃO - PROCESSO N.° 23398/20.0T8LSB-C.L1
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa:
1. Relatório
Nos presentes autos de acção declarativa de condenação, com processo especial de impugnação de despedimento colectivo, que RLFF, JMPD e CATT moveram a PRGL, S.A., finda a fase de assessoria técnica, foi proferido despacho saneador em que, além do mais, se decidiu:
«Cumpre proferir a decisão a que alude o n.° 2 do artigo 160.° do Código de Processo do Trabalho.
Os peritos nomeados, por relatório circunstanciado, desenvolvido e motivado, em relação ao qual prestaram os esclarecimentos solicitados nos autos, concluíram que inexiste fundamento para o despedimento coletivo de que trata o presente processo, conforme decorre das conclusões e do parecer emitidos a final do relatório elaborado.
O Tribunal, ponderando o relatório produzido, acolhe tal entendimento.
Remetendo para o que consta do referido relatório, o qual se dá por integralmente reproduzido (assim como para os esclarecimentos ulteriormente prestados pelos peritos), conclui-se pela ausência de motivo para o despedimento coletivo em apreciação, pelo que se julga o despedimento coletivo dos presentes autos ilícito.»
A R. veio interpor recurso de tal segmento do despacho saneador, formulando as seguintes conclusões:
«1.0 Vem o recurso interposto do despacho saneador de fls. , no segmento que declarou a ilicitude do despedimento coletivo em pauta nos presentes autos.
2.0 A decisão subjudice enferma de nulidade, por ter omitido, de modo absoluto, a indicação de factos provados e não provados, limitando-se a remeter genericamente para o relatório pericial e para os esclarecimentos que lhe seguiram [Código de Processo Civil, art.° 615.°/1, alínea b)]
3.0 O suprimento da nulidade ora arguida deverá ser realizado pelo Tribunal de 1.0 instância posto que, em matéria de facto, o Tribunal da Relação procede à respetiva reapreciação, mas não à construção ab initio do rol de factos assentes e não assentes.
4.º A este ensejo, deverá ressalvar-se que a fixação do probatório não poderá assentar, como ocorreu in casu, exclusivamente no relatório pericial junto aos autos, uma vez que o mesmo não se mostra dotado de força probatória qualificada nem inviabiliza a produção de outros meios carreados pelas partes.
5.º A Ré tem direito a produzir a prova documental e testemunhal que arrolou, a qual poderá coadjuvar ou infirmar as observações vertidas no relatório pericial.
6. ª A desconsideração da prova constituída e a preterição da produção da prova constituenda arrolada pela Ré violam o direito fundamental desta à prova.
7. a Seja como for, o relatório pericial foi contraditado pela declaração oferecida pela técnica designada pela Ré, sem que a mesma tenha merecido mínima referência por banda do Tribunal.
8. Acresce que o relatório pericial encerra juízos especulativos, opinativos e valorativos e, como assim, não se revela pertinente ou útil à aferição dos factos relevantes à apreciação da (i)licitude do despedimento coletivo em apreço.
9.a Destarte, de todo relevaria o relatório pericial para alcandorar a conclusão que o Meritíssimo Juiz a quo alcançou.
10. Consequentemente, deve ser revogada a declaração precipitada e inopinada (data venia) de ilicitude do despedimento.
11.a Devendo os autos prosseguir para realização da audiência de discussão e julgamento.
12. a Caso não se entenda enfermar o despacho saneador, na parcela impugnada, de nulidade por ausência de fundamentação, sempre se deverá afirmar que eiva de nulidade por ininteligibilidade, posto que, bem lido, não se alcança a concreta ratio decidendi da declaração de ilicitude do despedimento [Código de Processo Civil, art.° 615. °/1, alínea c)] .
13. ° A decisão recorrida violou o estabelecido nos artigos 20.°/4 e 205.°/1 da Constituição da República Portuguesa, no artigo 154.71 do Código de Processo Civil e no artigo 160.0/3 in fine do Código de Processo do Trabalho»
Os AA. JMPD e CATT apresentaram respostas ao recurso, pugnando pela sua improcedência.
Admitido o recurso como apelação, e remetidos os autos a esta Relação, observou-se o disposto no art. 87.°, n.° 3 do CPT, lendo o Ministério Público emitido parecer no sentido da procedência do recurso.
Cumprido o previsto no art. 657.° do CPC, cabe decidir em conferência.
2. Questões a resolver
Tal como resulta das conclusões do recurso, que delimitam o seu objecto, a única questão que se coloca a este Tribunal é a da nulidade da sentença por ausência de fundamentação ou, assim não se entendendo, por ininteligibilidade.
3. Fundamentação
3.1. Os factos a atender são os resultantes do Relatório supra.
3.2. Estabelece o Código de Processo do Trabalho, na parte que interessa:
Artigo 157.°
Assessoria técnica
1 - Terminados os articulados, se tiver sido formulado pedido de declaração de
improcedência dos fundamentos invocados para o despedimento, o juiz nomeia um assessor
qualificado na matéria.
(—)
Artigo 158.°
Relatório
1 - Os assessores nomeados juntarão aos autos relatório de que constem as verificações materiais realizadas, as informações recolhidas e sua origem e, bem assim, parecer sobre os factos que fundamentaram o despedimento colectivo e sobre se este encontra ou não justificação.
(—)
Artigo 160.°
Audiência prévia
1 - Juntos o relatório e os documentos a que se referem os artigos anteriores, é convocada audiência prévia nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 591.° do Código de Processo Civil.
2 - Sendo proferido despacho saneador, este destina-se também a decidir:
a) Se foram cumpridas as formalidades legais do despedimento colectivo;
b) Se procedem os fundamentos invocados para o despedimento colectivo.
3 - Não pode ser relegada para momento posterior ao despacho saneador a decisão sobre as questões referidas nas alíneas a) e b) do número anterior, bem como sobre quaisquer excepções que obstem ao respectivo conhecimento, excepto se, no que se refere à alínea b) do número anterior, o processo não contiver, nessa fase, todos os elementos necessários para a prolação de decisão.
4 - A decisão proferida sobre as questões referidas nas alíneas a) e b) do ri.° 2 tem, para todos os efeitos, o valor de sentença.
Posto isto, é certo e seguro que o tribunal recorrido devia ter proferido despacho saneador-sentença em que decidisse:
a) Se foram cumpridas as formalidades legais do despedimento colectivo;
b) Se procedem os fundamentos invocados para o despedimento colectivo, excepto se entendesse que o processo não continha, naquela fase, todos os elementos necessários para a prolação de decisão, caso em que os mesmos deviam ser atendidos no despacho destinado a identificar o objeto do litígio e a enunciar os temas da prova, nos termos dos arts. 160.°, n.° 1 do CPT e 591.°, n.° 1, al. O do CPC.
Ora, estabelece ainda o Código de Processo Civil, aplicável ex vi art. 1.°, n.° 2, al. b) do CPT:
Artigo 152.°
Dever de administrar justiça - Conceito de sentença
1 - Os juízes têm o dever de administrar justiça, proferindo despacho ou sentença sobre as matérias pendentes e cumprindo, nos termos da lei, as decisões dos tribunais superiores.
2 - Diz-se «sentença» o acto pelo qual o juiz decide a causa principal ou algum incidente que apresente a estrutura de uma causa.
(• • .)
Artigo 154.°
Dever de fundamentar a decisão
1 - As decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas.
2 - A justificação não pode consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no
requerimento ou na oposição, salvo quando, tratando-se de despacho interlocutório, a
contraparte não tenha apresentado oposição ao pedido e o caso seja de manifesta
simplicidade.
(...)
Artigo 607.°
Sentença
(...)
2 - A sentença começa por identificar as partes e o objeto do litígio, enunciando, de seguida, as questões que ao tribunal cumpre solucionar.
3 - Seguem-se os fundamentos, devendo o juiz discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final.
4 - Na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência.
5 - O juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto; a livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes.
Artigo 615.°
Causas de nulidade da sentença
1 - É nula a sentença quando:
a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade
ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.
(...)
Compulsado o despacho saneador-sentença recorrido, constata-se que o tribunal, na prolação da decisão a que se refere o art. 160.°, n.° 2 do CPT, limitou-se a aderir ao Relatório dos assessores nomeados, que deu como integralmente reproduzido, de onde resulta que:
- não se pronunciou sobre se foram cumpridas as formalidades legais do despedimento colectivo, nem, necessariamente, enunciou os respectivos fundamentos de facto e de direito, sendo certo que se trata de questão — obviamente — não abrangida pela assessoria técnica;
- concluiu que não procedem os fundamentos invocados para o despedimento colectivo sem discriminar todos os factos necessários para a prolação de decisão que considerou plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes (posto que, implicitamente, se entendeu ser desnecessária a produção das provas
sujeitas a livre apreciação), e sem indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas pertinentes.
Como refere o Ministério Público no seu Parecer:
«Da leitura do despacho recorrido constata-se que este é totalmente omisso a factos bem como à sua fundamentação de direito, decidindo por remissão, nomeadamente não resultando claro do mesmo a apreciação das matérias subsumidas nas alíneas a) e b) acima referidas.
o controlo judicial da validade do despedimento colectivo implica por parte do tribunal, não só a verificação objectiva da motivação invocada para justificar a redução global dos postos de trabalho, mas também a verificação da idoneidade de tal motivação para, em termos de razoabilidade, determinar a extinção dos concretos postos de trabalho - ac. STJ de de 13.01.2010 citado em António Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, Almedina , pág. 772.
Tal consubstancia a nulidade do despacho na medida em que não torna nem claro, nem percetível quais os factos em que se fundou a decisão, nem qual a fundamentação jurídica da mesma.»
A absoluta falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito, em violação do disposto nos arts. 154.°, n.° 1 e 607.°, n.°s 3 e 4 do CPC, constitui causa de nulidade da sentença nos termos do art. 615.°, n.° 1, al. b) do mesmo diploma.
A declaração de nulidade da decisão recorrida importa a necessidade de prolação de nova decisão pelo tribunal de 1.a instância, uma vez que não compete à Relação proferir a decisão sobre a matéria de facto mas apenas reapreciar pontos concretos que sejam impugnados pelas partes, se for o caso.
4. Decisão
Nestes termos, acorda-se em julgar a apelação procedente e declarar a nulidade do despacho saneador-sentença recorrido e, em consequência, determina-se que o tribunal recorrido profira novo despacho saneador-sentença em que, com especificação dos fundamentos de facto e de direito, decida:
a) Se foram cumpridas as formalidades legais do despedimento colectivo;
b) Se procedem os fundamentos invocados para o despedimento colectivo, excepto se entender que o processo não contém, nesta fase, todos os elementos necessários para a prolação de decisão, caso em que os mesmos devem ser atendidos no despacho destinado a
identificar o objeto do litígio e a enunciar os temas da prova, nos termos dos arts. 160.°, n.° 1
do CPT e 591.°, n.° 1, al. f) do CPC.
Custas pelos Apelados.
Lisboa, 24 de Janeiro de 2024
Alda Martins
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Alves Duarte
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