Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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 - ACRL de 30-12-2023   A decisão que procede à fixação do rendimento indispensável ao sustento minimamente digno do devedor goza de uma imutabilidade “diminuída”
Sumário (da responsabilidade do relator):
1. A decisão que procede à fixação do rendimento indispensável ao sustento minimamente digno do devedor, à semelhança das decisões proferidas na jurisdição graciosa, goza de uma imutabilidade “diminuída”, podendo ser alterada, se circunstâncias supervenientes o impuserem, isto é, se se alterar a situação que ela visa regular.
2. Todavia, tendo o tribunal a quo conhecido dessa pretensão, por decisão transitada em julgado, não assiste ao insolvente o direito de reiterar o anteriormente requerido com o objectivo de conseguir uma nova decisão mais favorável aos seus interesses, por a tal obstar o caso julgado formado pela anterior decisão.
3. Pese embora a Constituição não consagre um princípio de intangibilidade absoluta do caso julgado, o certo é que este deve ser perspectivado como algo que tem consagração implícita na Constituição, constituindo um valor protegido pela mesma, esteado nos valores de certeza e segurança dos cidadãos postulados pelo Estado de direito democrático, consagrado no seu artigo 2.º e, também, no princípio de separação de poderes, consagrado igualmente naquele artigo e no n.º 1 do artigo 111.º e no n.º 2 do artigo 205.º
Proc. 6210/12.0TBVFX-E.L1 1ª Secção
Desembargadores:  Manuel Marques - Nuno Teixeira - Renata Linhares de Castro -
Sumário elaborado por Carolina Costa
_______
Recurso o próprio, admitido com o efeito devido.

Por a questão a decidir ser simples, passo a decidi-la sumariamente, nos termos do art.º 656º do CPC.
Assim:
I. AAA, divorciado, apresentou-se à insolvência e requereu a exoneração do passivo restante.
Por sentença proferida dia 17/12/2012, transitada em julgado dia 22/01/2013, foi decretada a insolvência do devedor.
Por despacho proferido a 18-02-2014 decidiu-se “conceder ao devedor, por ausência de razões para indeferimento liminar, a exoneração dos créditos identificados nos autos que não forem integralmente pagos durante o processo de insolvência ou nos cinco anos posteriores ao seu encerramento, ressalvados os créditos referidos no nº 2 do artº 245º do C.I.R.E., onde se incluem os créditos por alimentos, desde que, observadas pelos devedores, as condições previstas no artº 239º do C.I.R.E., durante todo esse período (período de cessão), considerando-se o seu rendimento disponível e cedido ao Fiduciário, todo aquele que for por si auferido, em valor superior a €650,00 (...), por se entender este como o razoavelmente necessário para atualmente prover ao seu sustento minimamente digno e de cumprir a sua obrigação de alimentos, sempre sem prejuízo de, em momento ulterior, serem ressalvadas outras despesas do devedor, ora não contempladas e precedendo requerimento fundamentado do mesmo (cfr. art.º 239º, n.º 3, al. b), iii))”.
Na fixação desse valor considerou-se que o “insolvente encontra-se empregado e aufere em média € 1.200,00 mensais, pese embora contribua com pensão de alimentos para a sua filha menor. Vive atualmente com os seus pais e as suas despesas são as correntes”.
Por requerimento de 20/12/2017 o insolvente veio expor e requerer o seguinte:
“Na sequência do despacho de V. Exa relativamente ao valor atribuído de € 650,00 para meu sustento e tendo em conta a pensão de alimentos da minha filha, venho solicitar a vossa Exa o favor de analisar o meu Processo de Insolvência, referido em assunto, considerando o valor atribuído escasso para fazer face as minhas despesas/compromissos. Mais informo, que conto com a ajuda dos meus Pais nas situações mais difíceis. Vivo em união de facto, cuja a companheira está desempregada, aumentando assim as minhas despesas mensais.
Recebi uma carta do Senhor Administrador de Insolvência a informar que teria apenas € 650,00 mensais para sustento e que teria de pagar desde o dia 01/07/2017.
Como V. Exa poderá analisar, ao pagar por exemplo € 150,00 mensais para a massa insolvente, mais dificuldades tenho em pagar valores referente para pagamentos atrasados.
A minha actividade profissional é de Comissionista não tendo Remuneração fixa e ajudas de custo, suportando eu, todas as despesas com Combustivel, Portagens, e Refeições, sendo que esta ultima acontece 2 a 3 vezes por mês em média.
A minha zona de trabalho vai de Leiria a Vila Real de Santo António e que por isso mesmo tenho os meus gastos mensais que são mesmo necessários, sem os ter seria impossível manter esta actividade .
As minhas receitas e despesas mensais são as seguintes :
Receitas: 1.400,00 (Líquidos)
Despesas:
Pensão de Alimentos da minha filha - 150,00— mensal
Segurança Social - 124,09 – mensal
Combústivel - 320,00 — média / mensal
Seguro Automóvel - 210,00 — valor pago em cada trimestre
Via Verde ( portagens) - 75,00 — média / mensal
Refeições e Estadia - 90,00 - média / mensal
Internet - 38,00 — média / mensal
Despesas com Saúde - 95,00 — média / mensal
Vestuário/Calçado - 50,00 — média / mensal
Renda da casa - € 30,00 – mensal
Outras Despesas : Água, Luz, Gás e Alimentação - 290,00 — média / mensal
Valor total: 1.472,09
As minhas comissões são variáveis e muito irregulares e como tal necessito de
dinheiro para fazer face às minhas despesas/compromissos”.
No dia 12/07/2019 o fiduciário veio requerer que o insolvente seja notificado “para vir apresentar os elementos/documentos necessário para apurar o mapa de valores a entregar à fidúcia, no âmbito da exoneração do passivo”, “visto que o insolvente já foi notificado a 06/12/2017 e a 28/05/2019 para apresentar os documentos em falta, conforme anexo 1 e 2.”; e que foi “ também notificada a mandatária do insolvente a 28/05/2019, anexo 3, da qual obtivemos a seguinte resposta em anexo 4”. “Mais se informa que até à data não foi depositado qualquer valor na conta da massa insolvente no âmbito da exoneração, conforme extrato bancário em anexo 5”.
E no relatório de 19/12/2019 informou que:
“O insolvente procedeu ao envio da declaração de IRS e respetiva nota de liquidação referentes aos anos de 2017 e 2018, conforme anexo, no entanto encontra-se em falta a declaração de IRS e nota de liquidação de 2016 bem como os recibos de vencimento desde Junho de 2019 até à presente data.”
Por requerimento de 10/09/2020 o fiduciário informou e requereu o seguinte:
“O insolvente foi notificado a 29 de Julho de 2020 (anexo 1) para apresentar documentos/ elementos necessários para conforme douto despacho elaborar o relatório anual, bem como apurar valores a entregar à massa.
Foi também notificada a mandatária do insolvente, para diligenciar junto do mesmo o envio do requerido pelo Fiduciário (anexo 2).
No entanto, o devedor até à data nada apenas enviou a nota de liquidação referente ao ano de 2018 e 2015, a declaração de WS de 2019, os custos em que incorreu com a Segurança Social até Outubro de 2019 e os recibos verdes emitidos desde Junho de 2019 até Setembro de 2019 (anexo 3).
Assim, encontram-se em falta os recibos verdes emitidos desde Outubro de 2019 até à presente data, os custos com a Segurança Social em que incorreu desde Novembro de 2019 até à presente data, bem como cópia da nota de liquidação referente ao ano de 2019.
Face ao exposto, requer-se a V. Exa que se digne mandar notificar oficiosamente o insolvente para enviar a documentação que se encontra em falta.”
Por despacho de 22/10/2020 decidiu-se:
“(...)
Relatórios anuais sobre o estado da cessão que antecedem
Visto.
(...)
Notifique o devedor para, em dez dias, entregar ao Sr. Fiduciário a documentação
constante do anexo 1 do requerimento ref.ª 9995997, cuja cópia se deverá remeter, sob pena de poder ser cessado antecipadamente o período de cessão e ser recusada a exoneração do passivo restante, nos termos do art. 243.º do CIRE.
Decorrido este prazo, o Sr. Fiduciário, em dez dias, deve informar os autos do (in) cumprimento pelo devedor do ora ordenado, requerendo o que tiver por conveniente”.
Por requerimento de 13/11/2020 o insolvente veio dizer o seguinte:
“1º O Insolvente acusa a receção da comunicação do Ilustre Administrador da Insolvência com data de 29 de Julho do corrente ano, para que até 07 de Agosto fossem remetidos os documentos e informações solicitadas. Cfr. Cópia do mail recebido a 29 de Julho de 2020, sob doc. 1 que desde já se junta e cujo conteúdo se dá por integralmente realizado para os devidos e legais efeitos.
2º No dia 07 de Agosto de 2020 foi enviado um e-mail ao Ilustre Administrador da Insolvência com toda a informação solicitada. – Cfr. Cópia do mail enviado a 07 de Agosto de 2020, sob doc. 2 que desde já se junta e cujo conteúdo se dá por integralmente realizado para os devidos e legais efeitos.
3º No dia 07 de Setembro de 2020, o Ilustre Administrador da Insolvência enviou mail ao Insolvente a requerer alguns documentos que se encontravam em falta, tendo este respondido no dia seguinte que no fim-de-semana seguinte enviaria a documentação em falta. – Cfr. Cópia do mail recebido a 07 de Setembro de 2020 e respondido a 08 de Setembro de 2020, sob doc. n.º 3 que desde já se junta e cujo conteúdo se dá por integralmente realizado para os devidos e legais efeitos.
4º No dia 21 de Setembro de 2020, o Insolvente enviou mail ao Ilustre Administrador da Insolvência com a documentação em falta. - Cfr. Cópia do mail recebido a 21 de Setembro de 2020, sob doc. n.º 4 que desde já se junta e cujo conteúdo se dá por integralmente realizado para os devidos e legais efeitos.
5º Recebeu o Insolvente, com surpresa, o Douto despacho de V. Exa. tendo, no passado dia 11 de Novembro de 2020, enviado novamente toda a documentação e informação solicitadas. - Cfr. Cópia do mail enviado a 11 de Novembro de 2020, sob doc. n.º 4 que desde já se junta e cujo conteúdo se dá por integralmente realizado para os devidos e legais efeitos.
Nestes termos e nos mais de Direito que V. Exa. mui doutamente suprirá, se requer seja dada como cumprida a obrigação do Insolvente e não verificado o incumprimento que obsta à cessão antecipada do período de cessão e à recusa da exoneração do passivo restante”.
No dia 20/01/2021 o fiduciário veio nos termos do disposto no art.° 240.°, n.° 2 do CIRE, apresentar o 1.°, 2.°, 3.° relatório anual, referindo que o devedor tem em dívida à fidúcia a quantia goba de €78.903,98 (esse montante foi calculado tendo por base o montante de €650,00 ficado judicialmente para o sutento do insolvente e do seu agregado familia.
Refere no mesmo requerimento o fiduciário o seguinte:
“Foi o insolvente notificado nesta data sobre o mapa de cálculos do montante devido a entregar à massa no âmbito da exoneração do passivo restante (anexo 9), para proceder à entrega dos valores em falta, dizer a razão da não entrega e informar de que forma pretende efetuar o pagamento.
Foi considerado como custo 25/prct. do valor líquido faturado.
Assim, a insolvente não cumpriu com a totalidade do despacho de exoneração do passivo restante faltando à massa o valor de € 78.903,98.
Mais se informa V. Exa., que procedeu-se à notificação de todos os credores constantes nos autos, nos termos do disposto no art.° 240.°, n.° 2 do CIRE, conforme cópia do print do email em anexo.
Mais se requer a V. Exa., se digne autorizar o pagamento, através do IGFEJ, das despesas e da remuneração devida ao fiduciário, nos termos do n.° 1 do art.° 240.° do CIRE, sendo que, não foi objeto de cessão qualquer quantia por parte do insolvente, o montante de 1 U.C./ ano + IVA fixado no despacho n.° 146350946 referente ao primeiro, segundo e terceiro ano de cessão e mais relação de despesas em anexo no montante de € 12,75.
Mais se requer a V. Exa que se digne mandar notificar oficiosamente os Insolventes para procederem à entrega do montante em dívida (€ 78.903,98) num prazo de 15 dias ou elaboração de um plano de pagamentos que ultrapasse os cinco anos de cessão, sob pena de cessação antecipada”.
Por requerimento de 10/02/2021 o credor BBB veio requerer que “seja determinado novamente a notificação do insolvente para proceder à entrega a massa dos valores em falta, ou seja, a quantia de € 78.903,98. Assim, caso o Insolvente não cumpra com o determinado, requer seja determinada a cessão antecipada do benefício da exoneração do passivo restante, face o descumprimento dos requisitos para a manutenção do benefício.”
Por despacho de 4/03/2021 decidiu-se:
“Relatório anual sobre o estado da cessão que antecede
Visto.
(...)
Notifique o devedor para, em dez dias, apresentar plano de regularização da quantia
de €78 903, 98, por entregar à Fidúcia, que não ultrapasse os cinco anos de cessão (que findam em Junho de 2022), sob pena de cessação antecipada do procedimento de exoneração, com recusa da exoneração do passivo restante, nos termos do art. 243.º do CIRE, conforme requerido pelo Sr. Fiduciário e pelo credor Banco Comercial Português, S.A..”
Esse despacho foi notificado ao insolvente na pessoa da sua mandatária, conforme certificação Citius de 11/03/2021.
Por requerimento de 31/03/2021 o fiduciário veio informar e requerer o seguinte:
“(...) até à presente data o Insolvente não procedeu à entrega de qualquer montante conforme extrato bancário que se anexa.
Assim, requer-se a V. Exa que se digne notificar oficiosamente o Insolvente na sua pessoa para que o mesmo proceda à entrega do montante em dívida (€ 78.903,98) ou que proceda à apresentação de um plano de pagamentos que não ultrapasse os cinco anos de cessão, sob pena de ser ponderada a cessação antecipada do procedimento da exoneração”.
Por despacho de 5/05/2021 ordenou-se a notificação pessoal do insolvente do despacho de 4/03/2021.
Este foi então notificado por carta registada de 18/05/2021.
Por requerimento de 21/05/2021 o insolvente veio expor e requerer o seguinte:
“I – Do prazo concedido
1° O Insolvente, como já demonstrou nos presentes autos por Requerimento datado de 13.11.2020, tentou por várias vezes o contacto com o Ilustre Administrador da Insolvência, sem qualquer sucesso.
2° Enviou, ainda, ao ilustre Administrador da Insolvência todos os documentos justificativos de despesas que influíam no valor considerado como rendimento.
3 ° Mas nunca obteve qualquer resposta e/ou comentário do mesmo.
4° Uma vez que se trata de grande quantidade de documentação justificativa das despesas da atividade e que suportam os cálculos que se irão apresentar a V. Exa., requer o Insolvente que o prazo de 10 (dias) facultado para apresentação do plano de pagamento da fidúcia seja ampliado para prazo nunca inferior a 20 (vinte) dias.
II – Do Valor de Cessão
5° Em Fevereiro de 2014 V. Exa. fixou o valor de cessão todo aquele que fosse superior a €650,00 (seiscentos e cinquenta euros).
6° Nesse ano o valor do salário mínimo nacional era de € 485,00 (quatrocentos e oitenta e cinco euros).
7° Ainda que V. Exa. não tenha indexado o valor de cessão por referência ao Salário Mínimo Nacional, entende o Insolvente, salvo melhor opinião, que V. Exa. entendeu que o insolvente poderia ficar com o valor de € 165,00 (cento e sessenta e cinco euros) a mais do valor do ordenado mínimo:
€ 650 - € 485 = € 165
8° Nesta senda, entende o Insolvente que, para poder manter o poder de compra entendido pelo Tribunal bem como uma vida digna e pagar a pensão de alimentos da sua filha menor, o valor anual de referência tem de ser acrescido da diferença inicialmente apurada - € 165,00 (cento e sessenta e cinco euros).
Assim,
9 °
Ano SMN Diferença
apurada em
2014 Total
(SMN+Dif) Entregar
valores acima
de
2017 € 557,00 € 165,00 € 722,00 € 722,00
2018 € 580,00 € 165,00 € 745,00 € 745,00
2019 € 600,00 € 165,00 € 765,00 € 765,00
2020 € 635,00 € 165,00 € 800,00 € 800,00
2021 € 665,00 € 165,00 € 830,00 € 830,00

10° Se assim não se entender, está atualmente o Insolvente obrigado a sustentar-se a si e pagar a pensão de alimentos com um valor inferior ao atual salário mínimo nacional.
11° Como entendeu o Tribunal da Relação de Guimarães, Proc.° 49/15.9T8SEI.C1, Acórdão de 21.01.2020 “1. Na determinação do rendimento disponível deve buscar-se um ponto de equilíbrio entre os interesses dos credores a verem os seus créditos satisfeitos e o direito do insolvente e do seu agregado familiar a ter um sustento que lhe permita viver com uma mínimo de dignidade.”
12° Entendendo V.Exa. à data em que proferiu despacho inicial da exoneração do passivo restante que o valor de € 650,00 (seiscentos e cinquenta euros), € 165,00 (cento e sessenta e cinco euros superior ao salário mínimo nacional), seria o valor justo para o Insolvente viver com um mínimo de dignidade, salvo melhor opinião, esse critério deveria aplicar-se nos anos seguintes.
13° Eram todas estas questões que o Insolvente gostaria de ter discutido e explicado ao Ilustre Administrador da Insolvência, num princípio de estreita colaboração e, à posteriori, em coordenação com este, dar então conhecimento ao Tribunal, fazer os requerimentos que fossem entendidos fazer e fazer o depósito na conta da massa que for devido.
Nestes termos e nos mais de Direito que V. Exa. mui doutamente suprirá, se requer:
- Seja concedido o alargamento do prazo de 10 (dez) para um nunca inferior a 20 (vinte) dias;
- Seja deferido o pedido de atualização do valor fixado, de acordo com a explicação dada supra, com reporte aos anos 2017 a 2021.”
E por requerimento de 2/09/2021 o insolvente veio expor e requerer o seguinte:
1° O Insolvente, com o devido respeito por V. Exa. e pelo Ilustre Administrador da Insolvência, não pode concordar com o valor de cessão apresentado pelo Dr. Ademar Leite.
Porquanto,
2° Tendo estado a trabalhar como comissionista, todas as despesas da atividade são suportadas por si, bem como impostos e contribuições obrigatórias.
3° Nessas despesas incluem-se: refeições, materiais informáticos de suporte ao exercício da atividade – computadores, tablets, telemóveis -, internet, custo com manutenção da viatura usada (seguros, revisões, inspeções, reparações), custos com deslocações (estadias, combustível, etc), que são impossíveis de dissociar do exercício dessa profissão, sem as quais é impossível exercer a atividade e, não considerá-las, seria violar o livre direito de escolha da profissão, direito este Constitucionalmente protegido pelo art.° 47°, n.° 1 da CRP.
4° Desde logo, e caso não sejam aceites as despesas documentadas da atividade, os 25/prct. que a Autoridade Tributária entende como sendo despesas no regime simplificado, só pode incidir sobre o valor base do recibo depois de deduzidos os impostos e contribuições obrigatórias.
5° À semelhança do que acontece com os trabalhadores por conta de outrem, cujo valor que serve de calculo para a cessão é o valor líquido de imposto e não o ilíquido.
6° Quanto ao prémio auferido de € 10.000,00 (dez mil euros), que o Ilustre Administrador da Insolvência menciona como rendimento, nunca foi recebido em dinheiro/transferência.
7° Isto porque esse prémio foi “pago” em forma de cheque viagem. – Cfr. Cópia do cheque viagem recebido pelo insolvente da sua entidade patronal, que desde já se junta sob doc. 45 B e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido.
8° Para simplificar o entendimento de todos os envolvidos no presente processo, bem como o de V. Exa. e do Ilustre Administrador da Insolvência, anexam-se quadros de excel, por mês e ano, que espelham os valores reais e ou possíveis – tendo em conta o entendimento de V. Exa. bem como a pronuncia de V. Exa. quanto ao último requerimento apresentado pelo Insolvente. – Cfr. Quadros de excel de Julho de 2017 a Março de 2021, que desde já se juntam como doc. 1 a 45 e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos e cópias dos recibos verdes e de vencimento sob doc. 1 A a 45 A, que desde já se juntam e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos.
9 ° Bem como se juntam, para já, as despesas comprovativas dos meses de Julho de 2017 a Agosto de 2018. – Cfr – Cópias das despesas documentadas sob doc. 46 a 247, que desde já se juntam e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos.
10° Repare-se que o Insolvente nem está a incluir no excel as despesas pessoais, como participação nas despesas da casa que habita – renda, água, luz, gás e telecomunicações – nem qualquer valor que assegure a sua alimentação fora do horário de expediente, o que já se inclui no valor da cessão determinado por V. Exa..
11°Acresce que, enquanto trabalhador por conta de outrem, recebe no recibo “reembolso de despesas” efetuadas por conta da entidade patronal.
12° Ora, salvo melhor opinião, não podem ser tidas como rendimento o reembolso de despesas porque esses valores já saíram do rendimento do Insolvente no mês ou meses anteriores e que, em alguns casos, é negativo.
13°Só de despesas médicas, teve de fazer um tratamento estomatológico que ficou em € 1.018,28 (mil e dezoito euros e vinte e oito cêntimos). – Cfr. Cópia de faturas que desde já se juntam sob doc. n.° 248 a 251 e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos.
14°Que desde já se requer a V. Exa. admita a dedução deste valor ao valor que for determinado para entregar à massa.
15° O Insolvente nunca esteve de má-fé em todo o processo, ao invés, sempre quis participar ativamente e sempre teve o cuidado, todos os meses, de colocar de lado o valor que sobrava depois de pagar todas as despesas, impostos e contribuições, pelo que terá sempre esse valor a depositar assim que V. Exa. doutamente se pronunciar sobre o supra exposto.
16°Dada a dificuldade de tempo e minucia que carece a numeração de todas as cópias das despesas para juntar aos autos, não foi possível conseguir numerar todas até 31 de Março de 2021, pelo que serão juntas aos autos em requerimentos avulsos.
Por requerimento de 20/01/2022 o fiduciário veio informar e expor o seguinte:
“Nos requerimentos supra mencionados a Ilustre Mandatária do Insolvente sugere a alteração do valor determinado de C 650,00 para 1 S.M.N. + € 165,00 e requer a dedução de despesas.
Mais se informa a V. Exa que o Fiduciário nada tem a opor quanto à alteração do valor determinado, nem quanto à dedução das despesas de saúde, de alojamento, com aquisição de equipamento e despesas automóveis.
Assim, segundo o parecer do Fiduciário, à presente data encontra-se em dívida a quantia de € 66.458,73, conforme mapa de cálculos em anexo 1.
Alerta-se para o facto de que apenas se encontram contabilizados os rendimentos do Insolvente até Outubro de 2020.
Segundo cálculos da Ilustre Mandatária, até Março de 2021 o Insolvente teria que entregar à massa a quantia de € 47.542,00.
No entanto, até à presente data, apesar do elevado montante que reconhece como estando em dívida, o devedor não apresentou nenhum plano de pagamentos, nem entregou qualquer montante à conta da massa Insolvente, conforme extrato bancário em anexo 2.
Face ao exposto, e tendo em conta o incumprimento por parte do mesmo dos deveres a que está adstrito nos termos do art. 239° n.°4 do CIRE o Fiduciário considera, salvo melhor opinião que deverá ser proferido o despacho final de recusa da exoneração”.
Juntou o seguinte mapa, no qual consta que o insolvente não entregou a quantia global de €66 458,73.
Por despacho de 23/02/2022 decidiu-se:
“Ref.ª 11307830
Requer o devedor o desconto de quantias referentes ao exercício de actividade profissional no montante a entregar à Fidúcia, remetendo-as para os quadros de excel que junta.
Não cabe ao Tribunal perscrutar os referidos “quadros” e extrair a conclusão da quantia que haja de ser deduzida. Como tal, convido o devedor a, em dez dias, aperfeiçoar o seu requerimento, onde deverá alegar concretamente, as quantias e a respectiva natureza, que pretende seja autorizado o requerido desconto.

Ref.ª 10937786
Requer o devedor que se considere incluído no rendimento indisponível o valor referente a pensão de alimentos paga a filha menor de idade, que terá alcançado a maioridade no ano de 2016.
Para decidir a alteração pretendida, convido o devedor a comprovar o pagamento da pensão de alimentos nos anos que indica (até 2021), nomeadamente, através da declaração anual em sede de IRS.

Indefere-se o requerido prazo de 20 dias para apresentar plano de pagamento prestacional à Fidúcia.
A Il. Mandatária foi notificada do despacho de 04-03-2021 em 11-03-2021 e só em 21-05-2021 se apresenta nos autos a contestar o valor de cessão e a requerer o prazo de 20 dias para apresentar plano de pagamentos, o que até à data não sucedeu.
Nem sequer foram efectuados pagamentos à Fidúcia.
Como tal, apresentando-se a quantia em dívida extremamente elevada, ainda que após dedução de valores e eventual alteração do rendimento indisponível, convido o devedor a apresentar o plano de pagamentos, em dez dias, sob pena de ser recusada a exoneração do passivo restante, conforme já requerido pelo Sr. Fiduciário, sob ref.ª 11851336.”
Este despacho foi notificado ao devedor na pessoa da sua mandatária, conforme certificação CITIUS de 25/02/2022.
Por requerimento de 11/03/2022 o insolvente veio, além do mais, indicar o montante das despesas nos meses de Julho de 2017 a Março de 2021.
Por requerimento de 6/07/2022 o fiduciário veio informar e expor o seguinte:
1. O Insolvente procedeu à entrega da quantia de €51.143,55, conforme extrato bancário em anexo 1.
Mais se informa que o Fiduciário nada tem a opor quanto à alteração do valor determinado de € 650,00 para I S.M.N. acrescido do valor pago a título de pensão de alimentos, nem quanto às despesas de saúde, de alojamento com aquisição de equipamento e despesas automóveis, no montante total de € 8.238,19.
Assim, procedeu-se à atualização do mapa de cálculos, tendo em conta a entrega de montante, a alteração do valor determinado, a dedução das despesas, os pagamentos à Autoridade Tributária e Segurança Social e os recibos de vencimento juntos pela Ilustre Mandatária desde Novembro de 2020 até Março de 2021.
Assim, à presente data, caso seja aceite pelo Tribunal o supramencionado encontra-se em dívida a quantia de € 17.254,45 de acordo com mapa de cálculos em anexo 2.
Mais se informa que se encontram em falta os recibos de vencimento desde Abril de 2021 até Março de 2022, bem como declaração de IRS de 2020, 2021 e notas de liquidação dos anos de 2019, 2020 e 2021.
Assim, foi na presente data notificada a mandatária do Insolvente para proceder à entrega da mesma, conforme print do email em anexo 3, de forma a proceder-se à atualização do mapa de cálculos e elaboração do quarto e quinto relatórios anuais.”
No dia 11/08/2022 o fiduciário veio, nos termos do disposto no art.° 240.°, n.° 2 do CIRE, apresentar o 4.° e 5° RELATÓRIO ANUAL - FINAL DA EXONERAÇÃO - LEI 9/2022 e informar nada ter a opor quanto à alteração do valor determinado de € 650,00 para 1 S.M.N. acrescido do valor papo a título de pensão de alimentos, nem quanto à dedução das despesas de saúde, alojamento, automóveis e despesas com aquisição de equipamentos no montante total de € 8.238,19.
Nesse relatório consta que o insolvente entregou a quantia de €51.143,55 e falta entregar a quantia de €28.605,67.
Por requerimento de 13/10/2022 o fiduciário veio dizer:
“Veio o Insolvente sugerir a alteração do valor determinado de € 650,00 para 1 S.M.N. acrescido do valor pago a título de pensão de alimentos.
Mais se informa que o Fiduciário nada tem a opor quanto à alteração do valor determinado, nem quanto à dedução das despesas de saúde, alojamento, automóveis e despesas com aquisição de equipamentos no montante total de € 8.238,19.
Caso seja aceite pelo Tribunal o supramencionado encontra-se em dívida à presente data a quantia de € 28.605,67, conforme mapa de cálculos em anexo I, uma vez que desde Agosto o Insolvente não procedeu à entrega de qualquer montante conforme extrato bancário em anexo 2.
Face ao exposto, requer-se que o Tribunal se pronuncie sobre o solicitado pelo devedor, para o mesmo ser notificado do mapa de cálculos e consequentemente o Fiduciário se pronunciar sobre a concessão da exoneração”.
Por requerimento de 25/10/2022 o insolvente veio, além do mais, dizer, quanto ao valor da cessão, que, como é entendido por grande parte, senão a maioria, da jurisprudência, o valor de pensão de alimentos que seja da responsabilidade do insolvente não entra para contas do valor de cessão, pelo que ao valor fixado de €650,00 acresce o montante daquela pensão (€150,00); e que, tendo a Sra. Juíza entendido em 2014 que o salário mínimo não garantia uma vida digna ao insolvente, fazendo acrescer ao mesmo o montante de €165,00, nos anos seguintes ter-se-á que fazer o mesmo raciocínio sob pena de perda de poder de compra por parte do insolvente, pelo que nos anos de 2017, 2018, 2019, 2020, 2021 e 2022, o valor fixado deve considerar-se actualizado para os valores de €746,50, €777,32, €804,12, €851,03, €891,24 e €944,85, respectivamente.
Por despacho de 20/01/23 decidiu-se:
“Ref.ª 152371288 e ss
Face ao silêncio dos credores, à não oposição do Sr. Fiduciário e aos documentos comprovativos juntos pelo devedor sob ref.ª 12076070, defere-se o requerido, e consequência:
- altera-se o montante do rendimento mensalmente indisponível para quantia equivalente a uma vez o salário mínimo nacional, acrescido do valor comprovadamente pago a título de pensão de alimentos (€ 150, 00);
- autoriza-se o desconto na quantia a entregar à Fidúcia, no montante de €8 238, 19, referentes a despesa de saúde, alojamento, automóveis e aquisição de equipamentos – art. 238.º, n.º 3, al. b), iii), do CIRE.
Notifique.
Para além da remuneração já calculada – conforme o critério legal -, devida ao Sr. Fiduciário, determina-se o reembolso de despesas, no montante de € 10, 96, a retirar da conta da Fidúcia.
Ref.ª 12937548
Notifique os credores e o Sr. Fiduciário para se pronunciarem, querendo, em dez dias.”
Este despacho foi notificado ao insolvente, na pessoa da sua mandatária, conforme certificação CITIUS de 1/02/2023.
Por requerimento de 13/02/2023 o insolvente veio dizer o seguinte:
“I – Requerimento sob a ref.: 12076070
1º Com o devido respeito, nunca foi pugnado pelo Insolvente a alteração do valor de cessão para o valor correspondente ao salário mínimo nacional.
2º Antes sim que deveria ser aplicada pelo douto Tribunal e pelo Ilustre Administrador da Insolvência a regra aplicada para o valor de cessão: Se foi atribuído o valor de € 650,00 para o seu sustento, quando o salário mínimo era de € 485,00, significa que V. Exa. entendeu que seria necessário para o sustento do Insolvente € 165,00 (cento e sessenta e cinco euros) acima do SMN.
3º No modesto entender do Insolvente, essa regra dever-se-á aplicar aos anos seguintes, tendo por referência o SMN acrescido do montante de € 165,00.
4º Ficando sempre de fora o valor pago a título de alimentos a filho menor, devidamente comprovados, no montante mensal de € 150,00 (cento e cinquenta euros). Ou seja,
5º O Insolvente deveria poder auferir até ao montante equivalente ao SMN de cada ano, acrescido de € 165,00 (cento e sessenta e cinco euros) e € 150,00 (cento e cinquenta euros).
6º Bem como não deverão ser considerados os valores das despesas de atividade, impostos e contribuições obrigatórias, da mesma forma que quanto a trabalhadores por conta de outrem é tido em conta o vencimento líquido, e não o bruto.
7º Aceitar o contrário, seria admitir que o Insolvente ficasse com valor muito abaixo do que fora determinado como disponível, inclusivamente com valor abaixo do SMN, cuja jurisprudência entende ser o mínimo para garantir uma vida com dignidade.
Pelo exposto se requer a V. Exa. se digne deferir que o montante disponível tenha por referência o salário mínimo nacional (atualizado a cada ano), acrescido acréscimo dado inicialmente de € 165,00 (cento e sessenta e cinco euros) e acrescido do montante de € 150,00 (cento e cinquenta euros) para pagamento da pensão de alimentos a filho menor.”
Por requerimento de 21/03/2023 o fiduciário veio informar o seguinte:
“Após dedução das despesas na quantia de € 8.238,19 e alteração do valor determinado para 1 S.M.N. acrescido do valor pago a título de pensão de alimentos, conforme douto despacho, à presente data encontra-se em falta o montante de € 28.605,67 conforme mapa de cálculos e extrato bancário em anexo 1.
Mais se informa que foi dado conhecimento do exposto à mandatária do Insolvente e requerido que diligenciasse junto do seu constituinte o pagamento do montante ou apresentação de plano de pagamentos, conforme anexo 2.
Conforme douto despacho, procedeu-se na presente data aos pagamentos dos honorários e despesas do Fiduciário no montante de € 6.290,65 e € 10,96 respetivamente, conforme anexo 3.
Quanto ao requerimento com a referência n° 12937548, o Fiduciário considera, salvo melhor opinião, que já existiu decisão relativamente ao exposto, pelo que não se irá pronunciar”.
Juntou um mapa, no qual consta que o insolvente entregou a quantia de €51.143,55 e falta entregar a quantia de €28.605,67.
Por despacho de 19/04/2023 decidiu-se:
“Ref.ª 13391438
O período da cessão de rendimentos iniciou-se em Julho de 2017 e considera-se findo em Abril de 2022.
Requer o devedor que se considere excluído do rendimento disponível o montante de € 165, 00, a somar ao salário mínimo nacional vigente em cada ano e à pensão de alimentos paga mensalmente.
No despacho liminar de 18-02-2014, que admitiu o pedido de exoneração do passivo restante, considerou-se indisponível a quantia de € 650, 00, quando o salário mínimo vigente à data de 2012 se cifrava em € 485, 00 (DL 143/2010, de 31-12).
O que significa que se considerou com valor indisponível o referido montante e não o salário mínimo vigente à data, por se entender que corresponderia ao valor essencial a uma subsistência digna.
Assinala-se que nada vem expressamente referido, no referido despacho, quanto à qualificação, nomeadamente como “regra”, da diferença entre o montante fixado e o salário mínimo nacional vigente, nada autorizando a extrapolação da indicada diferença para os anos seguintes, ademais não sustentada em factos atinentes a despesas supervenientes do devedor.
Ora, o período da cessão iniciou-se em 2017 e apenas em 2021 e 2022 o salário mínimo nacional excede os € 650, 00 fixados, sendo o correspondente a €665, 00 e em 2022, a € 705, 00 ((DL 109-B/2021, de 07-12).
Até então, foi sempre inferior (€ 557, 00; € 580, 00; € 600, 00 e € 635, 00).
De modo que se considera ser de manter o rendimento indisponível fixado no despacho liminar sempre que o salário mínimo nacional se apresente inferior, ou seja, até ao ano de 2020 e nos anos de 2021 e 2022, deverá ser considerado como rendimento indisponível o correspondente ao salário mínimo nacional vigente, porque superior e considerado pelo legislador como aquela quantia que responde pela subsistência mínima do devedor.
Ademais, o devedor não alega factos que permitam alterar o rendimento indisponível nos termos requeridos.
Termos em que se indefere o requerido.
Notifique, sendo o Sr. Fiduciário para apresentar cálculo actualizado do rendimento disponível, em função do agora decidido.”
Inconformada com essa decisão, veio o insolvente interpor o presente recurso de apelação, o qual foi recebido, tendo apresentado alegações, nas quais formulou as seguintes conclusões:
A) O Recorrente apresentou-se à Insolvência, a 22 de Novembro de 2012, tendo sido atribuído o valor de ação no montante de 500,00 Eur. (quinhentos euros) – Cfr. Petição Inicial, sob a referência CITIUS 2192083
B) O Recorrente foi declarado insolvente, por sentença transitada em julgado, no dia 17 de Dezembro de 2012, pelas 15 horas e 50 minutos, elaborada pelo Excelentíssimo Senhor Juiz de Direito do Tribunal à quo Dr. Pedro Morgado. – Cfr. Sentença de Declaração de Insolvência, sob a referência CITIUS 8710683.
C) Na referida Sentença, o Meritíssimo Juiz de Direito do Tribunal à quo, para além do saneamento do processo, na segunda página fixou o valor da ação em 96.172,88 Eur. (noventa e seis mil, cento e setenta e dois euros e oitenta e oito cêntimos). – Cfr. Segunda página da Sentença indicada supra.
D) Pelo que, salvo melhor entendimento de V. Exas., o valor atribuído permite ao Recorrente recorrer a todas as instâncias para salvaguardar os seus direitos.
E) O Recorrente foi declarado insolvente, por sentença transitada em julgado, no dia 17 de Dezembro de 2012, pelas 15 horas e 50 minutos, elaborada pelo Excelentíssimo Senhor Juiz de Direito do Tribunal à quo Dr. Pedro Morgado. – Cfr. Sentença de Declaração de Insolvência, sob a referência CITIUS 8710683.
F) Com a Apresentação à Insolvência, apresentada a 22 de Novembro de 2012, foi requerida a Exoneração do Passivo Restante do Recorrente. – Cfr. Petição Inicial, sob a referência CITIUS 2192083.
G) Quanto a este pedido foi preferido Despacho Inicial do Passivo Restante, datado de 18 de Fevereiro de 2014, elaborado pela Excelentíssima Senhora Juiz de Direito do Tribunal à quo, Dra. Sofia dos Santos Costa. – Cfr. Despacho de Exoneração do Passivo Restante, sob a referência CITIUS 10146073.
H) No referido Despacho, quanto ao valor ficou determinado que: “(...) considerando-se o seu rendimento disponível e cedido ao Fiduciário, todo aquele que for por si auferido, em valor superior a € 650,00 (valor excluído do rendimento disponível de ambos os devedores), por se entender este como o razoavelmente necessário para atualmente prover ao seu sustento minimamente digno e de cumprir a sua obrigação de alimentos (...). SIC – Cfr. Segunda página do Despacho Inicial de exoneração do Passivo Restante, sob a referência CITIUS10146073.
I) O Recorrente, perante a fixação de tal valor no ano de 2014, data em que foi fixado, tomou-o sempre por referência, de acordo da seguinte forma: se foi atribuído o valor de 650,00 Eur. (seiscentos e cinquenta euros) para o seu sustento, e para poder pagar a pensão de alimentos à sua filha, quando o salário mínimo era de € 485,00, significa que o Meritíssimo Juiz de Direito do Tribunal à quo entendeu, salvo opinião diversa, que seria necessário para o sustento do Insolvente 165,00 Eur. (cento e sessenta e cinco euros) acima do Salário Mínimo Nacional.
J) Entretanto, várias vezes tentou contactar o Ilustre Administrador da Insolvência, quer por telefone quer por e-mail, tentando marcar uma reunião, quando foi notificado, pela primeira vez e após o encerramento do processo, do relatório anual do Fiduciário, apresentado sobre 3 (três) anos (!) e o suposto valor que teria de entregar à massa. – Cfr. Requerimento, de 20 de janeiro de 2021, sob a referência CITIUS 10253041, Relatório Anual junto aos autos, a 20 de Janeiro de 2021, sob a referência CITIUS 10495733.
K) Tendo sido calculado o montante de 78.903,98 Eur. (setenta e oito mil, novecentos e três euros e noventa e oito cêntimos) a entregar à Massa Insolvente, pelos rendimentos nos anos de 2017, 2018 e 2019.
L) Este Requerimento junto aos autos pelo Ilustre Administrador da Insolvência, deu origem aos doutos Despachos proferido a 04 de Março de 2021 e a 05 de Maio de 2021 que, cujo R. viria a ser notificado pessoalmente no dia 18 de Maio de 2021. – Cfr. Despacho de 04 de Março de 2021, sob a referência CITIUS 147516908; Despacho de 05 de Maio de 2021, sob a referência CITIUS 148215425; e, notificação ao R. a 18 de Maio de 2021, sob a referência CITIUS 148528220.
M) Uma vez que o Recorrente, desde a data do encerramento do processo – 01 de Julho de 2017 - até Setembro de 2019, trabalhava como comissionista para a empresa CCC, LDA - Trabalhador Independente a Recibos Verdes – as despesas, pagamento de impostos e contribuições eram totalmente suportadas pelo Recorrente.
N) Mas o Recorrente não podia concordar com tais valores apresentados por desconsiderarem, quer o pagamento de impostos e contribuições a que estaria obrigado, como as próprias despesas suportadas, e, ainda assim ter de retirar ao valor total bruto todo o valor acima do valor de cessão para entregar à massa.
O) Ficando o Recorrente sujeito à situação de a criar divida, por ficar sem fundos suficientes para poder trabalhar, pagar os seus impostos, as suas contribuições e, mais importante, a pensão de alimentos da sua filha.
P) Razão pela qual deu entrada de vários requerimentos onde, para além de alertar para os efeitos de ser Trabalhador Independente que tem de retirar ao valor bruto os impostos devidos, alertou ainda que o montante de 650,00 Eur (seiscentos e cinquenta euros) que foram determinados em 2014, não poderiam manter-se para os anos seguintes. – Cfr. Requerimentos apresentados pelo R., um, no dia 21 de Maio de 2021 e 3 no dia 02 de Setembro de 2021, sob as referências CITIUS 10937786, 11307830, 11307933 e 11307940, respetivamente.
Q) E ainda juntou aos autos todos os recibos verdes que comprovavam os fundamentos apresentados anteriormente e que serviram de base de calculo. Cfr. Recibos Verdes juntos aos autos com o Requerimento, de 11 de Março de 2022, sob a referência 12076070.~
R) De acordo com o raciocino apresentado no §9º das Alegações, salvo melhor entendimento, o montante determinado como mínimo razoável para o sustento do Recorrente teria de ser anualmente atualizado, da forma demonstrada no §18º das Alegações.
S) Caso contrário o Recorrente estaria anualmente a perder poder de compra, o que não se pretende com um processo de Insolvência, cujo um dos objetivos é permitir que o Devedor se restabeleça e possa dar início a um fresh start.
T) Pese embora, tenha de sujeitar-se aos sacríficos exigidos pela cessão de rendimento, o Recorrente, tem de assegurar uma vida condigna.
U) O Recorrente apresentou vários Requerimentos/Reclamações a demonstrar que, no entendimento daquele, o valor determinado tinha de acompanhar a evolução do salário mínimo nacional acrescido da diferença que o Meritíssima Juiz de Direito do Tribunal à quo, Dra. Sofia dos Santos Costa, entendeu ser necessária para o seu sustento e pagamento da pensão de alimentos, por força do aumento do custo de vida. – Cfr. Requerimento, de 21 de Maio de 2021, sob a referência CITIUS 10937786, Requerimento, de 25 de Outubro de 2022, sob a referência CITIUS 12937548 e Requerimento de 13 de Fevereiro de 2023 sob a referência CITIUS 13391438.
V) Tendo sido proferido despacho pela Meritíssima Juiz de Direito do Tribunal à quo, Dra. Regina Bicho, com o seguinte conteúdo: “Ref.ª 13391438
O período da cessão de rendimentos iniciou-se em Julho de 2017 e considera-se findo em Abril de 2022.
Requer o devedor que se considere excluído do rendimento disponível o montante de € 165, 00, a somar ao salário mínimo nacional vigente em cada ano e à pensão de alimentos paga mensalmente.
No despacho liminar de 18-02-2014, que admitiu o pedido de exoneração do passivo restante, considerou-se indisponível a quantia de € 650, 00, quando o salário mínimo vigente à data de 2012 se cifrava em € 485, 00 (DL 143/2010, de 31-12).
O que significa que se considerou com valor indisponível o referido montante e não o salário mínimo vigente à data, por se entender que corresponderia ao valor essencial a uma subsistência digna.
Assinala-se que nada vem expressamente referido, no referido despacho, quanto à qualificação, nomeadamente como “regra”, da diferença entre o montante fixado e o salário mínimo nacional vigente, nada autorizando a extrapolação da indicada diferença para os anos seguintes, ademais não sustentada em factos atinentes a despesas supervenientes do devedor.
Ora, o período da cessão iniciou-se em 2017 e apenas em 2021 e 2022 o salário mínimo nacional excede os € 650, 00 fixados, sendo o correspondente a € 665, 00 e em 2022, a € 705, 00 ((DL 109-B/2021, de 07-12).
Até então, foi sempre inferior (€ 557, 00; € 580, 00; € 600, 00 e € 635, 00).
De modo que se considera ser de manter o rendimento indisponível fixado no despacho liminar sempre que o salário mínimo nacional se apresente inferior, ou seja, até ao ano de 2020 e nos anos de 2021 e 2022, deverá ser considerado como rendimento indisponível o correspondente ao salário mínimo nacional vigente, porque superior e considerado pelo legislador como aquela quantia que responde pela subsistência mínima do devedor.
Ademais, o devedor não alega factos que permitam alterar o rendimento indisponível nos termos requeridos.
Termos em que se indefere o requerido. “. Cfr. Despacho de 19 de Abril de 2023, sob a referência CITIUS 13391438.
W) Este despacho foi notificado à Mandatária do Recorrente, no entanto, salvo melhor entendimento, tratando-se de um despacho decisório quanto a matéria que prejudicar aquele, devia ter sido notificado na própria pessoa do Recorrente. Não obstante,
X) Com o devido respeito, que é muito, a Meritíssima Juiz de Direito do Tribunal à quo usa dois critérios diferente para indeferir a pretensão do Recorrente.
Y) Repare-se que quando faz referência ao montante determinado em 2014, a Meritíssima Juiz de Direito afirma:
“No despacho liminar de 18-02-2014, que admitiu o pedido de exoneração do passivo restante, considerou-se indisponível a quantia de € 650, 00, quando o salário mínimo vigente à data de 2012 se cifrava em € 485, 00 (DL 143/2010, de31-12).
O que significa que se considerou com valor indisponível o referido montante e não o salário mínimo vigente à data, por se entender que corresponderia ao valor essencial a uma subsistência digna.
Assinala-se que nada vem expressamente referido, no referido despacho, quanto à qualificação, nomeadamente como “regra”, da diferença entre o montante fixado e o salário mínimo nacional vigente, nada autorizando a extrapolação da indicada diferença para os anos seguintes, ademais não sustentada em factos atinentes a despesas supervenientes do devedor. “. (negrito e sublinhados nossos).
Z) Portanto, no entender da Meritíssima Juiz de Direito não foi feita referência ao Salário Mínimo Nacional acrescido de 165,00 Eur. (cento e sessenta e cinco euros) no despacho inicial do passivo restante, como sendo a regra.
AA) Mas, com o devido respeito, a Meritíssima Juiz, no mesmo despacho, vem contradizer-se,
BB) Como se pode ver nesse despacho, e de acordo com o raciocínio da Meritíssima Juiz de Direito, a mesma vem fazer referência ao salário mínimo nacional como forma de estabelecer essa regra ad eternum ficando o Recorrente, de ano para ano, com menor poder de compra para o seu sustento, acabando por ter de retirar do Salário Mínimo Nacional o montante para pagamento da pensão de alimentos, ficando apenas com os seguintes valores para o seu sustento, conforme demonstrado no § 28º das Alegações.
CC) Tenha-se em conta que o Recorrente fez prova de todas as despesas, explicou que era comissionista e que suportava as despesas da sua atividade para contraditar o valor a entregar à massa, de acordo com o relatório apresentado pelo ilustre Administrador da Insolvência.
DD) Portanto, o Recorrente tem, de acordo com despacho anteriormente indicado e desde o encerramento do processo – 01 de Julho de 2017 –, como valor mínimo para o seu sustento um valor inferior ao salário mínimo previsto como o valor mínimo digno para sobrevivência, segundo os critérios da Meritíssima Juiz de Direito do Tribunal à quo, porque, deduzido valor da pensão de alimentos, é isso que acontece.
EE) Pelo que o despacho/sentença quanto à questão em apreço é nula, por ininteligível, nos termos e para os efeitos do artigo 615º, n.º 1, alínea c) do Código do Processo Civil, porque a Meritíssima Juiz de Direito do Tribunal à quo afirma, no mesmo despacho, que na fixação do valor de 650,00 Eur. (seiscentos e cinquenta euros) não foi usado o critério do salário mínimo nacional, mas no entanto, mais à frente, vem aplicar a regra do salário mínimo nacional como valor fixado como valor mínimo para sustento Recorrente e pagamento de pensão de alimentos a que está obrigado.
FF) Sem prescindir, sempre se dirá que,
GG) Em 2014, aquando do Despacho Inicial do Passivo Restante, ficou determinado que: “(...) considerando-se o seu rendimento disponível e cedido ao Fiduciário, todo aquele que for por si auferido, em valor superior a € 650,00 (valor excluído do rendimento disponível de ambos os devedores), por se entender este como o razoavelmente necessário para atualmente prover ao seu sustento minimamente digno e de cumprir a sua obrigação de alimentos (...). SIC – Cfr. Segunda página do Despacho Inicial de exoneração do Passivo Restante, sob a referência CITIUS 10146073.
HH) Este montante fixado viria a produzir efeitos aquando do encerramento do processo de insolvência em causa.
II) Encerramento esse que veio a ocorrer a 01 de Julho de 2017.
JJ) Com a notificação, recebida pelo Recorrente, da comunicação do Ilustre Administrador da Insolvência em que informa que a partir daquela data teria de entregar à Massa Insolvente tudo aquilo que viesse a ter de rendimentos acima de 650,00 Eur. (seiscentos e cinquenta euros), o Recorrente tentou, extrajudicialmente e por várias vezes, marcar uma reunião com o Ilustre Administrador da Insolvência para poder demonstrar que ao valor bruto auferido teriam de ser retiradas as despesas da sua atividade como trabalhador independente. – Cfr. Comunicação do Ilustre Administrador da Insolvência ao Recorrente, sob a referência CITIUS 857312, na data de 12 de Julho de 2019, e Requerimento do Recorrente junto aos autos, datado de 20 de Dezembro de 2017, sob a referência CITIUS 6328715.
KK) Nunca conseguiu obter resposta nem marcação de reunião por parte do Ilustre Administrador da Insolvência.
LL) Nada mais lhe restou que juntar sucessivos Requerimentos nos Autos para demonstrar o seu raciocínio e a sua não concordância com a “tábua rasa” usada como regra para a maioria dos trabalhadores por conta de outrem, quando a situação do Recorrente era diferente – violação do princípio da igualdade de tratamento, na vertente da igualdade, uma vez que tem de se tratar de forma diferente o que é diferente.
MM) Desde então, nunca se conseguiu consenso, como V. Exas. podem verificar
pelo supra exposto.
NN) Ficando o Recorrente, durante o respetivo período de cessão, apenas e só com o valor de 485,00 Eur. (quatrocentos e oitenta e cinco euros) até Dezembro de 2020, 500,00 Eur. (quinhentos euros) no ano de 2021 e 540,00 Eur. (quinhentos e quarenta euros) no ano de 2022. (!!) – Cfr § 27º das Alegações, sendo que, o valor de salário mínimo nacional, estabelecido legalmente, como condigno à sobrevivência, era para os anos em apreço o vertido no § 39º das Alegações.
OO) Como entendeu o Tribunal da Relação de Guimarães, Proc.º 49/15.9T8SEI.C1, Acórdão de 21.01.2020 “1. Na determinação do rendimento disponível deve buscar-se um ponto de equilíbrio entre os interesses dos credores a verem os seus créditos satisfeitos e o direito do insolvente e do seu agregado familiar a ter um sustento que lhe permita viver com um mínimo de dignidade.”.
PP E o Tribunal da Relação de Évora, Proc.° 379/14.7TBSTR-D.E1, de 05.11.2015 “ 2-Na fixação deste valor haverá que ter-se em conta o número de membros do agregado familiar dependente do rendimento do insolvente, bem como a subsistência com um mínimo de dignidade é assegurada, no limite, por montante equivalente à retribuição mínima mensal garantida.” .
QQ) Na mesma senda, o mesmo Tribunal da Relação de Évora, no Proc.° 53/21.8T8STR-B.E1, de 24 de fevereiro de 2022, afirma que “Esse montante necessário para salvaguarda do sustento digno do devedor não deve exceder, em princípio, o montante correspondente a três salários mínimos, nem ficar aquém do salário mínimo nacional.”.
RR) E diz ainda o Tribunal da Relação de Lisboa, Proc.° 19030/22.5T8SNT-B.L1-1, de 24.05.2023, que “1 – Na fixação do rendimento indisponível para efeitos de exoneração do passivo restante, a denominada “escala de Oxford” serve como referência, como padrão para determinar o patamar mínimo da capitação dos rendimentos de um agregado familiar, mas não é um modelo exato para a fixação da medida do rendimento mínimo de sobrevivência com dignidade, não afastando a necessidade de apuro casuístico. 2 - O apuramento do montante a ceder, quando o devedor trabalha por conta de outrem, auferindo montante certo, deve ser feito mês a mês, tal como a cessão do rendimento objeto desta. 3 – A remuneração mínima garantida, que corresponde ao mínimo de subsistência com dignidade, inclui a remuneração mensal e os subsídios de férias e de Natal pelo que o cálculo do montante indisponível não pode ser inferior à remuneração mínima anual dividida por doze, segundo a fórmula: RMMG x 14/12M.”.
SS) Mais refere que “Concordamos com o raciocínio mas não podemos deixar de frisar que, e seguindo a linha condutora do Ac. STJ citado acima, o que é muitas vezes decidido é que o salário mínimo nacional é o limiar mínimo abaixo do qual não deve passar-se, no exato sentido de que não poderá nunca, sejam quais forem as condições do insolvente e do seu agregado, fixar como sustento minimamente digno do devedor menos que um salário mínimo por devedor, nomeadamente rejeitando que o Rendimento Social de Inserção possa cumprir esse papel – cfr. também os Acs. TRC de 06/07/2016, TRE de 04/12/14, TRP de 22/05/19, TRL de 27/02/18 ou TRP de 16/09/14[8].”.
TT) E ainda que “Concordamos, como já referido, que a remuneração mínima garantida pode não ser o mínimo, e que as despesas apuradas podem elevar (nunca baixar), esse mínimo de sobrevivência, no caso concreto. Mas, como já referimos e frisamos, isso não quer dizer que o mínimo de sobrevivência seja sempre igual às despesas apresentadas.
UU) Tal como frequentemente acolhido nos nossos tribunais, a denominada “escala de Oxford”, tem servido de referência, mas não de modelo exato para a fixação da medida do rendimento mínimo de sobrevivência com dignidade. É um ponto de referência, uma escala de equivalência que pode servir como padrão, mas que não afasta a necessidade de apuro casuístico – ver neste sentido, entre outros, o Ac. TRC de 21/01/2020 (Maria João Areias) ou o Ac. 7RG de 17/05/2018 (António Barroca Penha), ou 7RL de 27/09/2018 (António Santos)[11].”.
VV) Por todo o supra exposto, com o devido respeito, a Senhora Dra. Juiz do Tribunal à quo emitiu um despacho/decisão, confuso, ininteligível, uma vez que, salvo melhor opinião, se contradiz dizendo no início não foi usado o critério do salário mínimo nacional, e mais à frente demonstra o seu raciocínio, quer serve de base à decisão, usando o critério do salário mínimo nacional.
WW) Pelo que nos termos do artigo 615º, n.º 1, alíneas b) e c) do Código de Processo Civil, o despacho/decisão, é nulo, devendo ser substituído por outro que apresente um raciocínio lógico e devidamente fundamentado, o que aqui se requer. Caso assim não se entenda,
XX) Sempre se dirá que houve alteração da decisão inicial, plasmada no Despacho Inicial do Passivo restante, reduzindo o valor mínimo considerado condigno, sem qualquer razão que o justifique.
YY) E que, por força dessa alteração, o Recorrente perdeu, sucessivamente, poder de compra, como também, tinha de retirar do referido valor mínimo para a sua subsistência, o montante para completar ou pagar na totalidade a pensão de alimentos da sua filha.
ZZ) Logo, requer-se que o despacho/decisão proferido, e do qual se recorre, seja substituído por outro que não reduza o valor inicialmente determinado, causando uma situação em que o Recorrente fica para o seu sustento pouco mais que o IAS previsto para cada ano.
Não foram apresentadas contra-alegações.
Por despacho proferido dia 12/10/2023 exarou-se o seguinte:
“Por estar em tempo, ter legitimidade e se tratar de decisão recorrível, admito o recurso interposto pelo devedor, o qual é de apelação, com subida imediata, em separado e efeito devolutivo – art. 14.º, n.º 5, do CIRE e arts. 627.º, n.º 1, 629.º, n.º 1, 631.º, n.º 2, 637.º,
638.º, n.º 1, do CPCivil, aplicáveis ex vi art. 17.º do CIRE.
Para efeitos processuais, o valor da causa equivale ao valor do passivo a exonerar –
art. 248.º- A do CIRE - € 208 915, 87 (€ 268 722, 09 (Apenso B) - € 8 662, 67 (rateio ref.ª
7349928 e ref.ª 8209498) - € 51 143, 55 (rendimento disponível entregue – ref.ª 14027114)),
excluindo os créditos públicos não exoneráveis).
Organize traslado, contendo certidão das peças processuais indicadas no
requerimento de interposição de recurso em ref.ª e deste despacho, seguindo-se a respectiva
subida ao Venerando Tribunal da Relação de Lisboa.”
Cumpre decidir.

II. As questões a decidir resumem-se a saber:
- se a decisão recorrida é nula, nos termos do art. 615º, n.º 1, als. c) e d) do CPC;
- se, em data anterior à prolação da decisão recorrida, foi proferida nos autos decisão
transitada em julgado sobre a mesma matéria;
- se é caso de revogar a decisão recorrida e alterar o valor necessário para o sustento
minimamente digno do devedor.

III. Do mérito do recurso:
Da arguida nulidade da decisão recorrida:
Diz o apelante que que a decisão recorrida é nula, dado que o tribunal a quo emitiu um despacho/decisão, confuso, ininteligível, uma vez que se contradiz dizendo no início que não foi usado o critério do salário mínimo nacional, e mais à frente demonstra o seu raciocínio, que serve de base à decisão, usando o critério do salário mínimo nacional (conclusões EE) e VV)), pelo que nos termos do artigo 615º, n.º 1, alíneas b) e c) do Código de Processo Civil, o despacho/decisão, é nulo, devendo ser substituído por outro que apresente um raciocínio lógico e devidamente fundamentado, o que aqui se requer (conclusão W)).
Dispõe o art. 615º, n. 1 als b). c) do CPC, que a sentença é nula quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão (al. b) e quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível (al. c).
Como referem Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, CPC Anotado, volume 2º, 3ª edição, Almedina, pags.734/735/736, apenas se verifica a nulidade prevista na al. b) quando falte em absoluto a indicação dos fundamentos de facto ou a indicação dos fundamentos de direito da decisão; e a alínea c) do n.º 1 do citado art. 615º contempla apenas a ininteligibilidade da parte decisória e não da fundamentação.
Ora, no caso, é manifesto que a decisão recorrida contém fundamentação de facto e de direito.
Nesta refere-se que:
“O período da cessão de rendimentos iniciou-se em Julho de 2017 e considera-se findo em Abril de 2022.
Requer o devedor que se considere excluído do rendimento disponível o montante de € 165, 00, a somar ao salário mínimo nacional vigente em cada ano e à pensão de alimentos paga mensalmente.
No despacho liminar de 18-02-2014, que admitiu o pedido de exoneração do passivo restante, considerou-se indisponível a quantia de € 650, 00, quando o salário mínimo vigente à data de 2012 se cifrava em € 485, 00 (DL 143/2010, de 31-12).
O que significa que se considerou com valor indisponível o referido montante e não o salário mínimo vigente à data, por se entender que corresponderia ao valor essencial a uma subsistência digna.
Assinala-se que nada vem expressamente referido, no referido despacho, quanto à qualificação, nomeadamente como “regra”, da diferença entre o montante fixado e o salário mínimo nacional vigente, nada autorizando a extrapolação da indicada diferença para os anos seguintes, ademais não sustentada em factos atinentes a despesas supervenientes do devedor.
Ora, o período da cessão iniciou-se em 2017 e apenas em 2021 e 2022 o salário mínimo nacional excede os € 650, 00 fixados, sendo o correspondente a €665, 00 e em 2022, a € 705, 00 ((DL 109-B/2021, de 07-12).
Até então, foi sempre inferior (€ 557, 00; € 580, 00; € 600, 00 e € 635, 00).
De modo que se considera ser de manter o rendimento indisponível fixado no despacho liminar sempre que o salário mínimo nacional se apresente inferior, ou seja, até ao ano de 2020 e nos anos de 2021 e 2022, deverá ser considerado como rendimento indisponível o correspondente ao salário mínimo nacional vigente, porque superior e considerado pelo legislador como aquela quantia que responde pela subsistência mínima do devedor.
Ademais, o devedor não alega factos que permitam alterar o rendimento indisponível nos termos requeridos”.
Termos em que se indefere o requerido.”
Por outro lado, o vício de ininteligibilidade que o apelante imputa à decisão recorrida prende-se com uma alegada ambigidade/obscuridade da fundamentação, ao afirmar que Tribunal à quo usa dois critérios diferente para indeferir a pretensão do Recorrente (conclusão X).
Tanto basta para se concluir, como se conclui, no sentido da decisão recorrida não enfermar dos vícios que lhe são imputados pelo apelante.
Diz ainda este que o despacho recorrido foi apenas notificado à sua mandatária e que, salvo melhor entendimento, tratando-se de um despacho decisório quanto a matéria que prejudica aquele, devia ter sido notificado na sua própria pessoa (conclusão W)
Porém, a lei, em matéria de exoneração do passivo restante, apenas determina a notificação pessoal do insolvente dos despachos iniciais, de exoneração, de cessação antecipada e de revogação da exoneração – arts. 247º, 230º, n.º 2, e 37º do CIRE.
E ainda que assim se não entendesse, esse vício constituiria uma mera irregularidade processual (art. 195º, n.º 1, do CPC) e não uma nulidade da decisão recorrida.
E tal irregularidade não foi arguida no prazo legal de 10 dias (art. 199º, n.º 1, do CPC), pelo que sempre se teria sanado.
Deste modo, desatende-se a arguida nulidade da decisão recorrida.
Do montante excluído da cessão do rendimento disponível:
Por decisão proferida dia 18/02/2014 foi admitido liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante formulado pelo devedor e determinado que, durante o período da cessão, o rendimento disponível que este venha a auferir seja cedido ao fiduciário, com exclusão da quantia correspondente a 650€, “por se entender este como o razoavelmente necessário para atualmente prover ao seu sustento minimamente digno e de cumprir a sua obrigação de alimentos, sempre sem prejuízo de, em momento ulterior, serem ressalvadas outras despesas do devedor, ora não contempladas e precedendo requerimento fundamentado do mesmo (cfr. art.º 239º, n.º 3, al. b), iii))”.
Na fixação desse valor considerou-se que o “insolvente encontra-se empregado e aufere em média € 1.200,00 mensais, pese embora contribua com pensão de alimentos para a sua filha menor. Vive atualmente com os seus pais e as suas despesas são as correntes”.
O período da cessão iniciou-se, porém, mais de três anos depois, isto é, a 1 de Julho de 2017, por força do estatuído no art. 6º, n.º 6 do Dec. Lei n.º 79/2017, de 30/06, onde se estabeleceu que “Nos casos previstos na alínea e) do n.' 1 do artigo 230.' do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de março, em que não tenha sido declarado o encerramento e tenha sido proferido o despacho inicial de exoneração do passivo restante, considera-se iniciado o período de cessão do rendimento disponível na data de entrada em vigor do presente decreto-lei.”.
Por requerimento de 20/12/2017 o insolvente, depois de aludir ao facto de ter sido fixado o montante de 650,00 euros mensais para o seu sustento, solicitou ao tribunal a análise do processo, por considerar “o valor atribuído escasso”, para fazer face às suas despesas/compromissos (que elencou, no valor global de €1.472,09), dizendo que vive com a ajuda dos pais e que vive em união de facto, estando a sua companheira desempregada, aumentando assim as suas despesas mensais.
Peticionou assim uma alteração para mais do valor necessário ao seu sustento minimamente digno e do seu agregado.
Sobre esse requerimento não incidiu oportunamente qualquer pronúncia por parte do tribunal.
Posteriormente, por requerimento de 21/05/2021, o insolvente veio dizer, quanto ao valor da cessão, que como em Fevereiro de 2014 o tribunal fixou a quantia de €650,00 para o seu sustento, quando o SMN era de €485,00, então nos anos subsequentes, aquele valor deve ser actualizado em função das actualizações do SMN, acrescido de €165,00 (€ 650 - € 485).
Requereu por isso a actualização do valor fixado, passando nos anos de 2017, 2018, 2019, 2020 e 2021 para os montantes de €722,00, €745,00, €765,00, €800,00 e €830,00, respectivamente.
E por requerimento de 25/10/2022 o insolvente veio dizer, quanto ao valor da cessão, que, como é entendido por grande parte, senão a maioria, da jurisprudência, o valor de pensão de alimentos que seja da responsabilidade do Insolvente não entra para contas do valor de cessão, pelo que ao valor fixado de €650,00 acresce o montante daquela pensão (€150,00); e que, tendo a Sra. Juíza entendido em 2014 que o salário mínimo não garantia uma vida digna ao insolvente, fazendo acrescer ao mesmo o montante de €165,00, nos anos seguintes ter-se-á que fazer o mesmo raciocínio sob pena de perda de poder de compra por parte do insolvente, pelo que nos anos de 2017, 2018, 2019, 2020, 2021 e 2022, o valor fixado deve considerar-se actualizado para os valores de €746,50, €777,32, €804,12, €851,03, €891,24 e €944,85, respectivamente.
Assim, o insolvente requereu uma alteração/actualização do valor do rendimento fixado pelo despacho de 18/02/2014.
E podia fazê-lo, posto que a aludida decisão, à semelhança das decisões proferidas na jurisdição graciosa, goza de uma imutabilidade “diminuída”, podendo ser alterada, se circunstâncias supervenientes o impuserem, isto é, se se alterar a situação que ela visa regular.
Como se refere no Ac. RE de 20 de Dezembro de 2018, Maria da Graça Araújo (relatora), acessível em www.dgsi.pt:
“O regime está previsto, em geral, para as resoluções proferidas em processos de jurisdição voluntária (artigo 988º do Cód. Proc. Civ.), mas aplica-se, também, em certos processos de jurisdição contenciosa, como nas acções de alimentos a maiores (artigo 2012º
do Cód. Civ.)[Neste sentido, Ac. STJ de 27.5.10, in http://www.dgsi.pt Proc. nº 970/03.7TMLSB-D.S1]
O despacho inicial de exoneração do passivo restante (em que se determina o montante a excluir do rendimento disponível), cujo cumprimento se vai prolongar por cinco anos, apresenta-se como outro dos casos de jurisdição contenciosa em que as circunstâncias factuais em que assentou a decisão podem sofrer alterações.”
De resto, o próprio art. 239º, n.º 3, al. b) iii) do CIRE alude a uma alteração posterior.
E estando em causa a fixação de uma quantia que “seja razoavelmente necessária” para o “sustento minimamente digno do devedor e do seu agregado”, ou seja, para fazer face às suas necessidades, tal reconduz-nos ao conceito de alimentos, os quais são susceptíveis de alteração se as circunstâncias determinantes da sua fixação se modificarem, vigorando o novo montante desde a data da formulação do pedido de alteração (arts. 2003º, 2004º, 2006º e 2012º do C.C.).
Admite, pois, a lei a modificação do julgado com fundamento na alteração superveniente das circunstâncias, não sendo nestas situações imutável o caso julgado anterior.
Porém o tribunal a quo só conheceu de tais pretensões pelo despacho de 20/01/2023, no qual decidiu que:
“Face ao silêncio dos credores, à não oposição do Sr. Fiduciário e aos documentos comprovativos juntos pelo devedor sob ref.ª 12076070, defere-se o requerido, e consequência:
- altera-se o montante do rendimento mensalmente indisponível para quantia equivalente a uma vez o salário mínimo nacional, acrescido do valor comprovadamente pago a título de pensão de alimentos (€ 150, 00)”.
Este despacho foi notificado ao insolvente, na pessoa da sua mandatária, conforme certificação CITIUS de 1/02/2023.
Esta decisão não foi impugnada através de recurso, tendo transitado em julgado dia 20/02/2023 – arts. 638º, n.º 1, do CPC e 9º, n.º1, e 17º do CIRE.
É certo que, antes do decurso do prazo de recurso, por requerimento de 13/02/2023, o insolvente veio dizer que “nunca foi pugnado pelo Insolvente a alteração do valor de cessão para o valor correspondente ao salário mínimo nacional” e solicitou “que o montante disponível tenha por referência o salário mínimo nacional (atualizado a cada ano)”, o ”acréscimo dado inicialmente de € 165,00”, “acrescido do montante de € 150,00 (...) para pagamento da pensão de alimentos a filho menor.”
Porém, o assim requerido não tem a virtualidade de suspender o prazo peremptório de recurso, posto que o prazo é contínuo – art. 138º, n.º 1, do CPC.
Na sequência daquele requerimento, foi proferida dia 19/04/2023 a decisão recorrida, na qual, para além de se indeferir o requerido, se exarou que “se considera ser de manter o rendimento indisponível fixado no despacho liminar sempre que o salário mínimo nacional se apresente inferior, ou seja, até ao ano de 2020 e nos anos de 2021 e 2022, deverá ser considerado como rendimento indisponível o correspondente ao salário mínimo nacional vigente, porque superior e considerado pelo legislador como aquela quantia que responde pela subsistência mínima do devedor”.
Na apelação, propugna, porém, o apelante que:
- Pelo despacho de 14/12/2014 ficou determinado o valor de €650,00 como sendo o necessário para o insolvente “atualmente prover ao seu sustento minimamente digno e de cumprir a sua obrigação de alimentos” (conclusão H);
- O ora apelante, perante a fixação de tal valor no ano de 2014, tomou-o sempre por referência, de acordo da seguinte forma: se foi atribuído o valor de 650,00 Eur. para o seu sustento, e para poder pagar a pensão de alimentos à sua filha, quando o salário mínimo era de € 485,00, significa que o Tribunal à quo entendeu que seria necessário para o sustento do Insolvente 165,00 Eur. acima do Salário Mínimo Nacional (conclusão I);
- Este montante viria a produzir efeitos aquando do encerramento do processo de insolvência (conclusão HH), sendo que este veio a ocorrer a 01 de Julho de 2017 (conclusão II);
- O montante determinado como mínimo razoável para o sustento do recorrente teria de ser anualmente actualizado (conclusão R), caso contrário estaria anualmente a perder poder de compra, o que não se pretende com um processo de Insolvência, cujo um dos objetivos é permitir que o Devedor se restabeleça e possa dar início a um fresh start (conclusão S);
- Posto que, de acordo com diversos acórdãos dos Tribunais da Relação, que cita, o salário mínimo nacional é o limiar mínimo abaixo do qual não deve passar-se, sejam quais forem as condições do insolvente e do seu agregado, devendo buscar-se um ponto de equilíbrio entre os interesses dos credores a verem os seus créditos satisfeitos e o direito do insolvente e do seu agregado familiar a ter um sustento que lhe permita viver com um mínimo de dignidade (conclusões OO) a UU));
- Houve alteração da decisão inicial, plasmada no despacho inicial da exoneração do passivo restante, reduzindo o valor mínimo considerado condigno, sem qualquer razão que o justifique (conclusão XX);
- E que, por força dessa alteração, o Recorrente perdeu, sucessivamente, poder de compra, como também, tinha de retirar do referido valor mínimo para a sua subsistência, o montante para completar ou pagar na totalidade a pensão de alimentos da sua filha (conclusão YY);
- Logo, requer-se que o despacho/decisão proferido, e do qual se recorre, seja substituído por outro que não reduza o valor inicialmente determinado, causando uma situação em que o recorrente fica para o seu sustento pouco mais que o IAS previsto para cada ano (conclusão ZZ).
Como já deixámos expresso, pelo despacho de 20/01/2023, transitado em julgado, decidiram-se os pedidos sucessivamente formulados pelo insolvente de alteração/actualização pra mais do valor fixado no despacho de 14/12/2014, no qual se fixou em €650,00 o montante “razoavelmente necessário para atualmente prover ao seu sustento minimamente digno e de cumprir a sua obrigação de alimentos, sempre sem prejuízo de, em momento ulterior, serem ressalvadas outras despesas do devedor, ora não contempladas e precedendo requerimento fundamentado do mesmo (cfr. art.º 239º, n.º 3, al. b), iii))”.
Naquele despacho de 20/01/2023 decidiu-se alterar “o montante do rendimento mensalmente indisponível para quantia equivalente a uma vez o salário mínimo nacional, acrescido do valor comprovadamente pago a título de pensão de alimentos (€ 150, 00)”.
Assim, de acordo com a referida decisão, o devedor/insolvente passou a dispor para o seu sustento minimamente digno de quantia equivalente ao salário mínimo nacional (nos anos de 2017, 2018, 2019, 2020, 2021 e 2022 o valor deste foi de €557,00, €580,00, €600,00, €635,00, €665,00 e €705,00, respectivamente).
Cada um desses montantes, somado ao valor da pensão de alimentos destinado à filha do insolvente totalizava um valor superior ao inicialmente fixado (€650,00), pois que este incluía já o valor daquela pensão.
Seja como for, a decisão prolatada dia 20/01/2023 transitou em julgado (art. 628º do CPC), pelo que o ora apelante se conformou com a fixação do rendimento indispensável ao seu sustento minimamente digno, bem como com o montante das despesas relativas ao pagamento da pensão de alimentos à sua filha.
Não obstante esse facto, o tribunal a quo, na sequência de um requerimento do insolvente de 13/02/2023 – neste o mesmo refere nunca ter pugnado pela “a alteração do valor de cessão para o valor correspondente ao salário mínimo nacional” e solicitou “que o montante disponível tenha por
referência o salário mínimo nacional (atualizado a cada ano)”, o ”acréscimo dado inicialmente de € 165,00”, “acrescido do montante de € 150,00 (...) para pagamento da pensão de alimentos” –, por despacho de 19/04/2023, conheceu de novo da pretensão de alteração/actualização do rendimento disponível formulada nos autos pelo insolvente, ainda que a tenha indeferido, explicitando, porém, que “se considera ser de manter o rendimento indisponível fixado no despacho liminar sempre que o salário mínimo nacional se apresente inferior, ou seja, até ao ano de 2020 e nos anos de 2021 e 2022, deverá ser considerado como rendimento indisponível o correspondente ao salário mínimo nacional vigente, porque superior e considerado pelo legislador como aquela quantia que responde pela subsistência mínima do devedor”.
De acordo com esta decisão, o devedor/insolvente passou a dispor para o seu sustento minimamente digno:
- nos anos de 2017, 2018, 2019 e 2020, da quantia mensal de €650,00;
- no ano de 2021, da quantia de €665,00;
- no ano de 2022, da quantia de €705,00,
acrescendo aos referidos montantes o valor da pensão de alimentos paga à filha.
Ora, como é sabido, o caso julgado obsta à reapreciação da relação ou situação jurídica
material que já foi definida por decisão transitada (cfr. artigos 576º, nº 2, e 577º, alínea i), do CPC).
A referida excepção “visa evitar que o órgão jurisdicional duplicando as decisões sobre idêntico objecto processual, contrarie na decisão posterior o sentido da decisão anterior ou repita na decisão posterior o conteúdo da decisão anterior” – cfr.. Miguel Teixeira de Sousa (“O Objecto da Sentença e o Caso Julgado Material”, BMJ 325, p. 49).
Sendo assim, não pode esta Relação conhecer das questões agora colocadas na apelação atinentes à alteração/actualização do valor razoavelmente necessário para o sustento minimamente digno do devedor (este pretende que ao valor do salário mínimo acresça a quantia de €165,00).
E ainda que (eventualmente) a decisão proferida dia 20/01/2023) violasse o princípio da dignidade da pessoa humana ou qualquer outro princípio consagrado constitucionalmente, como propugna o apelante, ainda assim, esta Relação não podia reapreciar essa questão, por a tal obstar o caso julgado formado.
Pese embora a Constituição não consagre um princípio de intangibilidade absoluta do caso julgado, o certo é que este deve ser perspectivado como algo que tem consagração implícita na Constituição, constituindo um valor protegido pela mesma, esteado nos valores de certeza e segurança dos cidadãos postulados pelo Estado de direito democrático, consagrado no seu artigo 2.º e, também, no princípio de separação de poderes, consagrado igualmente naquele artigo e no n.º 1 do artigo 111.º e no n.º 2 do artigo 205.º
E as únicas excepções ao princípio da ressalva ou intangibilidade do caso julgado, previstas no art. 283º, n.º 3 da Constituição, resultam de essa norma constitucional conferir ao próprio Tribunal Constitucional uma possibilidade de modelação da extensão do efeito retroactivo da declaração de inconstitucionalidade, facultando-lhe o afastamento da força vinculativa do julgado quando a norma declarada inconstitucional respeitar a matéria penal, disciplinar ou de ilícito de mera ordenação social e for de conteúdo menos favorável ao arguido.
Ora, como é evidente, tal situação não se verifica no caso dos autos, já que nos movemos num litígio de natureza civil, situado no campo do direito da insolvência, que nada tem a ver com o campo do direito penal ou sancionatório público e, nessa medida, insusceptíveis de aplicação analógica a outras áreas do ordenamento jurídico, através de uma opção que seria feita, não pelo TC, mas pelo próprio intérprete e aplicador da lei.
Como se assinala no acórdão do STJ, de 29 de Setembro de 2011, Lopes do Rego (Relator), acessível em www.dgsi.pt, vem-se “entendendo que – como se refere na CRP Anotada de J. Miranda e R. Medeiros , Tomo III, pag. 832 – o significado específico da ressalva dos casos julgados manifesta-se, em primeiro lugar, na ideia de que a inconstitucionalidade da lei aplicada não impede que a respectiva sentença transite em julgado. Por isso, embora esteja pensada para os efeitos da declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral, a referência da primeira parte do nº3 do art. 282 aos casos julgados tem, nesta primeira dimensão, um alcance geral: as decisões jurisdicionais, mesmo quando fundadas em lei inconstitucional, podem, nos termos gerais, transitar em julgado e, como tal, devem ser respeitadas”.
Deste modo, o caso julgado formado pela decisão proferida a 20/01/2023 obsta a que o tribunal (de 1ª instância ou o tribunal hierarquicamente superior) possa formular um qualquer juízo diverso do contido em tal decisão sobre o valor do rendimento necessário ao sustento minimamente digno do devedor.
Consequentemente, não tendo o insolvente no requerimento de 13/02/2023 invocado uma qualquer alteração superveniente das circunstâncias após a prolação daquela decisão, não podia o tribunal a quo conhecer de novo do pedido de alteração/actualização do valor fixado.
Assim, o tribunal de 1ª instância não poderia deixar de indeferir, como indeferiu, o pedido de alteração/actualização do montante fixado na decisão de 20/01/2023.
Improcede, por isso, a apelação, confirmando-se, por estas razões, a decisão de indeferimento daquele pedido.
Uma nota final:
Não se conhece na presente decisão da questão atinente ao segmento da decisão proferida a 19/04/2023 onde se exarou que “se considera ser de manter o rendimento indisponível fixado no despacho liminar sempre que o salário mínimo nacional se apresente inferior, ou seja, até ao ano de 2020 e nos anos de 2021 e 2022, deverá ser considerado como rendimento indisponível o correspondente ao salário mínimo nacional vigente, porque superior e considerado pelo legislador como aquela quantia que responde pela subsistência mínima do devedor”, por a mesma não ser objecto do recurso.
Sumário (da responsabilidade do relator):
1. A decisão que procede à fixação do rendimento indispensável ao sustento minimamente digno do devedor, à semelhança das decisões proferidas na jurisdição graciosa, goza de uma imutabilidade “diminuída”, podendo ser alterada, se circunstâncias supervenientes o impuserem, isto é, se se alterar a situação que ela visa regular.
2. Todavia, tendo o tribunal a quo conhecido dessa pretensão, por decisão transitada em julgado, não assiste ao insolvente o direito de reiterar o anteriormente requerido com o objectivo de conseguir uma nova decisão mais favorável aos seus interesses, por a tal obstar o caso julgado formado pela anterior decisão.
3. Pese embora a Constituição não consagre um princípio de intangibilidade absoluta do caso julgado, o certo é que este deve ser perspectivado como algo que tem consagração implícita na Constituição, constituindo um valor protegido pela mesma, esteado nos valores de certeza e segurança dos cidadãos postulados pelo Estado de direito democrático, consagrado no seu artigo 2.º e, também, no princípio de separação de poderes, consagrado igualmente naquele artigo e no n.º 1 do artigo 111.º e no n.º 2 do artigo 205.º

IV. Decisão:
Pelo acima exposto, decide-se:
a. Julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida, na parte impugnada;
b. Custas da apelação pelo apelante.
c. Notifique.
Lisboa, 30 de Dezembro de 2023
(Manuel Marques - Relator)
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