Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
Actualidade | Jurisprudência | Legislação pesquisa:


    Jurisprudência da Relação Cível
Assunto    Área   Frase
Processo   Sec.                     Ver todos
 - ACRL de 14-11-2023   O artº 246º nº 2 do Código de Processo Civil impõe que a carta registada com aviso de recepção, destinada a citar pessoa coletiva, seja expedida para a sede inscrita no ficheiro central do Registo Nacional de Pessoas Colectivas
Sumário da responsabilidade do relator (arteº 663º nº 7 do Código de Processo Civil):
I- O artº 246º nº 2 do Código de Processo Civil impõe que a carta registada com aviso de recepção, destinada a citar pessoa coletiva, seja expedida para a sede inscrita no ficheiro central do Registo Nacional de Pessoas Colectivas, estabelecendo o nº 4 daquele normativo que, nos casos de devolução do expediente aí previstos, se proceda ao depósito da carta nos termos previstos no artº 229º nº 5 do Código de Processo Civil.
II- Recai, pois, sobre as pessoas coletivas (e sobre as sociedades) o ónus de garantir a correspondência entre o local inscrito como sendo a sua sede e aquele em que esta se situa de facto, actualizando-a sempre que necessário, a fim de evitar que a sua citação se venha a proceder em local correspondente a uma sede anterior.
III- Sobre a pessoa coletiva impende o ónus de garantir que chegue ao seu conhecimento, em tempo oportuno, uma citação que lhe seja enviada por um Tribunal, o que poderá fazer por qualquer meio à sua escolha, mas se nenhum desses meios tem relevância legal, o risco da sua eventual falha sempre correrá por conta da entidade citanda que poderá vir a ser citada sem disso tomar efectivo conhecimento.
Proc. 2464/22.2T8LSB-D.L1 1ª Secção
Desembargadores:  Pedro Brighton - Teresa Jesus Henriques - Isabel Maria da Fonseca -
Sumário elaborado por Carolina Costa
_______
Apelação
Processo nº 2464/22.2T8LSB-D.L1
Sumário da responsabilidade do relator (arteº 663º nº 7 do Código de Processo Civil):
I- O artº 246º nº 2 do Código de Processo Civil impõe que a carta registada com aviso de recepção, destinada a citar pessoa coletiva, seja expedida para a sede inscrita no ficheiro central do Registo Nacional de Pessoas Colectivas, estabelecendo o nº 4 daquele normativo que, nos casos de devolução do expediente aí previstos, se proceda ao depósito da carta nos termos previstos no artº 229º nº 5 do Código de Processo Civil.
II- Recai, pois, sobre as pessoas coletivas (e sobre as sociedades) o ónus de garantir a correspondência entre o local inscrito como sendo a sua sede e aquele em que esta se situa de facto, actualizando-a sempre que necessário, a fim de evitar que a sua citação se venha a proceder em local correspondente a uma sede anterior.
III- Sobre a pessoa coletiva impende o ónus de garantir que chegue ao seu conhecimento, em tempo oportuno, uma citação que lhe seja enviada por um Tribunal, o que poderá fazer por qualquer meio à sua escolha, mas se nenhum desses meios tem relevância legal, o risco da sua eventual falha sempre correrá por conta da entidade citanda que poderá vir a ser citada sem disso tomar efectivo conhecimento.

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA :
I – Relatório
1- “STR, S.A.” requereu a insolvência de “CTC –
Ldª”, a qual foi declarada por Sentença proferida em 22/3/2022.
2- Na referida Sentença o Tribunal considerou confessados os factos, nos termos do disposto no artº 30º nº 5 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (C.I.R.E.), considerando que a requerida havia sido citada pessoalmente e não tinha deduzido oposição.
3- Em 28/3/2022, veio a requerida arguir a nulidade de falta de citação
4- Sobre tal pedido incidiu o seguinte despacho, datado de 6/4/2022 :
“A Requerida, alegando ter conhecimento no dia 25-3 passado, da sentença de
insolvência proferida nos autos em 22-3 transacto, veio arguir a nulidade da falta de citação,
fundando-se no art. 188/1/e) do Código de Processo Civil.
Alega, para tanto, que não recebeu qualquer citação ou a notificação da sentença,
apenas tendo tido conhecimento da declaração de insolvência aquando da respectiva
publicação no portal Citius.
Com relevo para a decisão a proferir:
Alega ainda que, está inactiva desde 2017.
Que a sede formal continua a ser a que consta da certidão de registo comercial.
Conclui no sentido de a falta de citação não lhe ser imputável dado que a sede foi
vendida em processo executivo em 14-2-2019 conforme doc. 2.
Notificada, a Requerente veio requerer que se considere a citação válida, porquanto
a Requerida deveria ter procedido à alteração da sede.
Cumpre apreciar e decidir.
Com interesse para a decisão da nulidade, resulta dos autos que:
-Na certidão do registo comercial da Requerida consta como sede da CTC –
Lda.
-Para a qual foi dirigida a carta de citação, a qual foi aceite – conforme decorre dos
autos.
-O distribuidor postal declarou no aviso de recepção, ter procedido ao depósito no
receptáculo postal da carta de citação.
-A notificação da sentença seguiu para a mesma sede via CTT.
Tudo conforme histórico dos autos.
-A sede está inactiva.

A Requerida fundamenta a falta de citação no facto de não ter tido conhecimento do acto por facto que não lhe é imputável.
Efectivamente, estabelece o art. 188/1/e) do Código de Processo Civil que “há falta de citação: (...) e) quando se demonstre que o destinatário da citação pessoal não chegou a ter conhecimento do acto, por facto que não lhe seja imputável”.
No caso vertente, foi remetida carta de citação por via postal nos termos dos arts. 225/4, 228/2, 3 e 4 e 246/2 do Código de Processo Civil, para a morada da sede da Requerida, indicada no requerimento inicial e que constada respectiva certidão do registo comercial.
Da factualidade apurada resulta que nenhuma das cartas remetidas à Requerida foi por esta efectivamente recebida.
Porém, tal não significa que o recebimento das cartas e o consequente desconhecimento pela Requerida da citação e da pendência do presente processo de insolvência não lhe sejam imputáveis.
Com efeito, tendo a Requerida ficado inactiva em 2017 e sido vendido o imóvel onde tinha a sede incumbia-lhe proceder à comunicação da respectiva sede no registo comercial (arts. 3º/1/o) e 15/1 do Código do Registo Predial) e subsequentemente no ficheiro do Registo Nacional de Pessoas Colectivas.
Deste modo, uma vez que a Requerida não procedeu à actualização da morada da sua sede, nem assegurou que a correspondência que não fosse reexpedida era recebida, como era sua obrigação, o não recebimento das cartas de citação é-lhe imputável. Consequentemente não se verifica a arguida nulidade.
Pelo exposto, indefere-se o requerido.
Custas do incidente pela Requerida que se fixa em 1 e 1/2 Uc- art. 1º e 7/4 e Tabela II do Regulamento das Custas Processuais – considerando negar a sua insolvência.
Notifique”.
5- Inconformada com tal decisão, dela recorreu a requerida, para tanto apresentando as suas alegações, com as seguintes conclusões :
“I. No âmbito dos autos supra foi declarada a insolvência da Requerida CTC – Lda., por douta sentença proferida no dia 22/03/2022.
II. Na referida sentença, o Tribunal “a quo” considerou confessados os factos, nos termos do disposto no artº 30/5 do Código da Insolvência e Recuperação de Empresas, porquanto, face aos elementos constantes dos autos, designadamente, a assinatura do aviso de recepção da segunda carta remetida pela secretaria, concluiu que a Requerida havia sido citada pessoalmente e não havia deduzido oposição.
III. A Requerida veio arguir a nulidade por falta de citação, através de requerimento que juntou aos autos no dia 28/03/2022, e ali juntou 3 documentos e arrolou testemunhas.
IV. Por douto despacho proferido no dia 06/04/2022, o Tribunal “a quo”, indeferiu a pretensão da Requerida, por considerar não se verificar a arguida nulidade, decisão com a qual a Requerida não se conforma e da qual vai interposto o presente recurso de apelação, sem prejuízo do recurso interposto da douta sentença que declarou a insolvência, cujo interesse mantém.
V. O Tribunal “a quo” omitiu no douto despacho recorrido que a primeira carta registada remetida para a citação da Requerida expedida no dia 09/02/2022, pelo Tribunal “a quo veio devolvida, com a indicação de “Mudou-se”, tendo sido ali aposta de forma manuscrita o seguinte “Dizem-me que se mudou” – Conforme carta junta aos autos no dia 17/02/2022 (Ref.a Citius 31720796).
VI. No dia 23/02/2022, foi expedida uma segunda carta de citação, pelo Tribunal “a tendo o aviso de recepção sido assinado, no dia 28/02/2022, por alguém que a
Requerida CTC, Lda. desconhece em absoluto e carta essa que nunca lhe foi entregue. Aviso de Recepção esse que veio a ser junto aos autos no dia 07/03/2022 (Ref.a Citius 31887176).
VII. Ao contrário do que vem referido no douto despacho recorrido, não resulta dos autos que : “-O distribuidor postal declarou no aviso de recepção, ter procedido ao depósito no receptáculo postal da carta de citação”.
VIII. O que resulta dos autos é a seguinte menção pelo distribuidor postal: “Entregue a terceiros em 2022/02/28” (Ref.a Citius 31887176).
IX. Tal como foi alegado pela Requerida a referida carta de citação (segunda) nunca foi entregue à Requerida CTC – Lda.; nunca foram dadas instruções, a quer que fosse, para que a correspondência dirigida à Ré CTC, Lda. fosse ali recebida; a assinatura do aviso de recepção da segunda carta remetida pelo Tribunal “a foi efectuada totalmente à revelia da Requerida CTC, Lda., desconhecendo, por
completo, quem terá assinado o aviso de recepção, factos que o Tribunal “a quo”, devia ter considerado, desde logo, como assentes, ou caso assim o entendesse, ordenando a produção de prova testemunhal ou outra.
X. Refere ainda o douto despacho recorrido que “-A notificação da sentença seguiu para a mesma sede via CTT”, mas omite que a mesma também veio devolvida com indicação de “Mudou-se”, tal como a primeira carta remetida pelo Tribunal, o que pode ser constatado do Aviso de Recepção junto aos autos, no dia 05/04/2022 (Ref.a Citius 32203227).
XI. Do histórico dos autos constata-se que efectivamente a segunda carta foi remetida pelo Tribunal, no dia 23/02/2022 (Ref.a Citius 413397176) que mais não é do que uma repetição da primeira carta, mas ali não foi feita a advertência a que alude o artº 246º/4 do CPC, isto é, deveria ter ficado a constar expressamente na carta (tipo) o seguinte : “Nos termos do disposto no nº 4 do artº 246º do Código de Processo Civil, fica V. Ex.a citado para, no prazo de 10 dias, deduzir oposição, querendo, à presente acção de insolvência, ficando advertido(a) de que na falta de oposição consideram-se confessados os factos alegados na petição inicial, podendo a insolvência vir a ser decretada (nºs. 1 e 5 do artº 30º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas)”. E ainda que “a citação considera-se efectuada: 1. No dia de assinatura do aviso de recepção; 2. Se a carta tiver sido depositada na sua caixa postal, no dia do depósito; Ou, se não for possível o depósito na caixa do correio, sendo deixado aviso para levantamento no estabelecimento postal devidamente identificado, nos termos previstos no nº 5 do artº 228º do CPC, o citando a não for levantar, no 8º dia posterior à data constante do aviso. Ao prazo indicado acresce uma dilação de: a) 0 dias, (por o processo correr em comarca diferente daquela onde foi efetuada a notificação); ou, b) 30 dias, nos casos previstos no número 2, e isso não foi feito.
XII. A falta de cumprimento do disposto no artº 246º/4 do CPC, por ausência da advertência ali prevista acarreta uma nulidade da citação , omissão essa que cabia ao Tribunal “a quo” verificar aquando da prolação do douto despacho recorrido, ao apreciar o incidente de nulidade da citação levantado pela Requerida.
XIII. Com o envio da segunda carta remetida pelo Tribunal, não foi dado cumprimento ao disposto no artº 246º/4 do CPC, carta essa que foi assinada por terceiro, cuja identidade desconhece e que não estava mandatado pela Requerida CTC – Lda., para o fazer, tal como foi alegado pela Requerida, no incidente deduzido, pelo que, cabia ao Tribunal, caso entendesse não serem suficientes os documentos juntos pela Requerida ao incidente de arguição de nulidade, ordenar a realização de diligências probatórias que entendesse por convenientes, para aquele efeito, o que não aconteceu.
XIV. Ao contrário do que vem referido no douto despacho recorrido, a Requerida é totalmente alheia ao facto do terceiro ter assinado a segunda carta de citação, tal como é totalmente alheia ao facto do Tribunal não ter dado cumprimento ao disposto no artº 246º/4 do CPC.
XV. A Requerida CTC, Lda, nunca foi citada, uma vez que, tal como vem previsto no artº 188º/l/e) do CPC, há falta de citação : “e) Quando se demonstre que o destinatário da citação pessoal não chegou a ter conhecimento do acto, por facto que não lhe seja imputável”.
XVI. Ao contrário do alegado pelo Tribunal “a quo” não é imputável à Requerida CTC – Lda. o facto do aviso de recepção da segunda carta remetida pelo Tribunal ter sido assinado por terceiro não mandatado pela Requerida, cuja identificação desconhece em absoluto.
XVII. É patente a preocupação do legislador, com o acto processual mais gravoso, da não recepção da carta de citação, quando no artº 228º do CPC, se diz que a carta deve conter “a advertência, dirigida ao terceiro que a receba, de que a não entrega ao citando, logo que possível, o faz incorrer em responsabilidade, em termos equiparados aos da litigância de má fé”.
XVIII. Diz ainda o artº 230º/l do CPC que : “A citação postal efectuada ao abrigo do artigo 228º considera-se feita no dia em que se mostre assinado o aviso de recepção e tem-se por efectuada na própria pessoa do citando, mesmo quando o aviso de recepção haja sido assinado por terceiro, presumindo-se salvo demonstração em contrário, que a carta foi oportunamente entregue ao destinatário”.
XIX. Ora, a Requerida, com vista a ilidir a presunção, demonstrou documentalmente que se encontrava inactiva e que a sede para onde foram remetidas as cartas pelo Tribunal foi vendida em 14/02/2019, e ofereceu testemunhas, para prova de que não mandatou terceiros para receberem as cartas, o que o Tribunal ignorou/rejeitou por completo.
XX. Nos termos do disposto no artº 195º/1 do CPC : “1- Fora dos casos previstos nos artigos anteriores, a prática de um acto que a lei não admita, bem como a omissão de um acto ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa.
XXI. A falta de citação da Ré CTC, Lda. tem manifestamente influência na causa, dado que, na douta sentença recorrida, diz-se expressamente que: “Citada, a requerida não deduziu oposição, pelo que, se consideraram confessados os factos nos termos do artº 30/5 do Código da Insolvência e Recuperação de Empresas”.
XXII. No caso dos autos, a falta de citação da Requerida CTC, Lda. teve como consequência, o Tribunal considerar confessados os factos articulados pela Requerente que levaram à declaração de insolvência da Requerida, o que acarreta anulação de todo o processado posterior à Petição Inicial, nos termos do disposto no artº 195º/2 do CPC que diz o seguinte : “2- Quando um acto tenha de ser anulado, anulam-se também os termos subsequentes que dele dependam absolutamente; a nulidade de uma parte do acto não prejudica as outras partes que dela sejam independentes”.
XXIII. Nos termos do disposto no artº 30º/1 do CIRE : “1- O devedor pode, no prazo de 10 dias, deduzir oposição, à qual é aplicável o disposto no nº 2 do artigo 25”, sendo certo que, no caso em apreço à Requerida não foi dada a possibilidade de se defender, previamente, à decisão recorrida, que declarou a sua insolvência.
XXIV. O douto despacho recorrido padece de nulidade, por força do disposto no artº 615º/1 c) e d) do CPC, dado que, os elementos de prova constantes no processo impunham que o Tribunal “a quo” considerasse nula a citação da Requerida CTC – Lda.
XXV. Ao julgar não verificada a nulidade da citação, e consequentemente, indeferir o requerido pela Requerida, violou, assim, o douto despacho recorrido, designadamente, o disposto nos artigos 188/1/e), 230º e 246º do CPC.
Nestes termos e sempre com o mui douto suprimento de V. Exas., deve o presente Recurso de Apelação ser julgado totalmente procedente por provado e, consequentemente, ser revogado o douto despacho recorrido e outrossim, ser julgada procedente a arguição de nulidade da citação da Requerida, anulando-se todo o processado posterior à entrada da Petição Inicial, com todas as demais consequências legais, no que farão V. Exas., Venerandos Juízes Desembargadores, a vossa habitual Justiça”.
6- A requerente apresentou contra-alegações, onde conclui :
“1. A única consequência a extrair de se ter enviado carta para citação da R, pessoa colectiva, e de a mesma ter sido devolvida é a de se considerar ter sido dado cumprimento ao disposto no art° 228°, ns.° 1 e 7, CPC, aplicável “ex vi” art° 246°, n° 1, 2 e 4 CPC.
2. A missiva para citação da R seguiu o procedimento a que alude o artº 246º, nº 4 CPC, muito embora a R tenha sido a final citada nos termos do artº 228º, nº 4 CPC e não por mero depósito, pelo que nenhum vício há a apontar do facto da carta de citação não conter as menções a que alude o artº 230º, nº 2 CPC.
3. Ainda que assim não fosse, a questão suscitada sempre seria mera irregularidade, não suscitada perante o “Tribunal a quo” e que neste momento é extemporânea, pelo que sempre se teria por sanada – cfr arts 199º e 202º CPC.
4. A Recorrente alega não ter recebido a carta de citação, mas como a mesma reconhece, tal facto é-lhe imputável nos termos e para os efeitos a que alude o artº 188º, nº 1, al c) CPC, pelo que nunca poderia proceder o incidente de falta de citação, devendo a decisão recorrida manter-se, sendo que a mesma não padece de qualquer nulidade, por ter apreciado todas as questões que foram suscitadas e não haver contradição entre os seus fundamentos e a sua decisão, nem a mesma ser ambígua nem obscura.
5. Em suma, a Recorrente discorda do Tribunal recorrido e tal não configura nenhuma das nulidades invocadas, previstas no artº 615º, nº 1, als, c) e d) CPC.
6. No caso dos autos, a carta para citação da pessoa colectiva presume-se recebida, nos termos dos arts 225º, nº 4, 228º, n.os 2, 3 e 4, 230º, nº 1, e 246º, nº 1, do CPC, como bem se sustenta no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, Processo: 3073/16.0T8STB-A.E1.S2, Relator: Maria do Rosário Morgado, Data do Acórdão: 28-03-2019, publicado no mesmo local.
7. É a própria Requerida/Insolvente a alegar no recurso que interpõe que não terá recebido a carta de citação por culpa sua: diz a Requerida que tem a sua sede num imóvel que era sua propriedade e que foi vendido no âmbito de um processo executivo, em 14/2/2019, há 2 anos! E nesses dois anos a Requerida não cuidou, por culpa sua, de alterar a sua sede, o que, na versão da própria, inviabilizou a sua citação.
8. Assim, ainda que se comprovasse a tese da insolvente, sempre a sua pretensão teria de improceder.
9. Por tudo o exposto, requerer-se a V.ª Ex.ªs se dignem julgar improcedente o recurso interposto pela insolvente, confirmando a douta decisão recorrida, assim se fazendo a costumada, Justiça”.

II – Fundamentação
a) A matéria de facto a considerar é a seguinte :
1- “STR, S.A.” requereu a insolvência de “CTC – Ldª”, a qual foi declarada por Sentença proferida em 22/3/2022.
2- Da ficha de matrícula da recorrente no registo comercial consta inscrita a sua sede na…, 1600-160 Lisboa.
3- Apresentada a petição inicial dos autos de insolvência em 9/2/2022, a Secção diligenciou pelo cumprimento da citação da recorrente através de carta registada expedida para a morada indicada em 2..
4- Tal carta, em 17/2/2022, foi devolvida pelos serviços de distribuição postal com a menção “Mudou-se (Morada Desconhecida)”.
5- Notificada da devolução, a requerente da insolvência requereu a citação da requerida nos termos do artº 246º nº 4 do Código de Processo Civil.
6- Em 23/2/2022 foi proferido despacho a ordenar a citação nos termos requeridos.
7- A Secção diligenciou pelo cumprimento da citação através da expedição de nova carta registada com aviso de recepção para a morada indicada em 2., que o serviço de distribuição postal certificou ter sido entregue a terceiro em 28/2/2022.
8- Do aviso de recepção junto aos autos, constava a seguinte assinatura da pessoa que recebeu a carta para citação :
9- A recorrente afirma desconhecer a pessoa que recebeu a carta indicada em 7..
10- Junto o aviso de recepção aos autos, em 22/3/2022 foi proferida despacho a considerar efectuada a citação da recorrente e a considerar confessados os factos contantes da petição inicial, por falta de oposição, nos termos do artº 30º nº 5 do C.I.R.E..
11- Na sequência desse despacho, foi proferida Sentença que considerou confessados os factos nos termos do art. 30º, nº 5 do CIRE e declarou a insolvência da recorrente.
12- O expediente para notificação da Sentença à recorrente, foi enviado para a morada indicada em 2., o qual foi devolvido pelos serviços de distribuição postal com a menção “Mudou-se (Morada Desconhecida)”.
13- A sede da recorrente está inactiva.

b) Como resulta do disposto nos artºs. 635º nº 4 e 639º nº 1 do Código de
Processo Civil, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, as conclusões da alegação do recorrente servem para colocar as questões que devem ser conhecidas no recurso e assim delimitam o seu âmbito.
Perante as conclusões da alegação da recorrente, a única questão sob recurso consiste em determinar se ocorreu a nulidade de falta de citação daquela, por aplicação indevida do disposto no artº 30º nº 5 do C.I.R.E..

c) Vejamos :
Como se sabe a citação é o acto pelo qual se dá a conhecer a alguém que contra ele foi deduzido determinado processo, chamando-o ao mesmo, pela primeira vez, para se defender, querendo (artº 219º do Código de Processo Civil), sendo realizada por via pessoal ou edital (artº 225º nº 1 do Código de Processo Civil, aplicável às pessoas colectivas “ex vi” artº 246º do mesmo Código), relevando para o caso que nos interessa, a primeira modalidade, quer por entrega de carta registada com aviso de recepção, ou a certificação da recusa (artº 225º nº 2, al. b) do Código de Processo Civil), ou por contacto pessoal do agente de execução ou funcionário judicial com o citando (artº 225º nº 2, al. c) do Código de Processo Civil).
Por sua vez, e também em termos breves, diremos que as causas de falta de citação, na prática, geralmente, se reconduzem a um único fundamento, isto é, à demonstração que o destinatário da citação pessoal não chegou a ter conhecimento do acto, por facto que não lhe era imputável, conforme disposto no artº 188º nº1, al. e) do Código de Processo Civil (neste sentido cf. Acórdão da Relação de Lisboa, de 18/5/2000, Relator Arlindo Rocha, consultado na “internet” em www.dgsi.pt).
A verificação da falta de citação importa a nulidade de tudo o que foi processado após a petição inicial, salvando-se apenas esta (artº 187º al. a) do Código de Processo Civil).
Compreende-se que assim seja, pois, na verdade, a citação é, sem dúvida, um acto processual essencial, assegurando o direito de defesa ou de oposição, numa efectivação do contraditório, como princípio estruturante do processo civil, de cuja efectiva aplicação deve resultar a igualdade de tratamento dos litigantes (artº 3º do Código de Processo Civil).
Tais princípios gerais não podem ser obliterados no âmbito do processo de insolvência, sem deixar de se terem presentes as especificidades próprias deste último.
Na verdade, nos termos do artº 29º nº 1 do C.I.R.E., na ausência de motivo para indeferimento liminar do pedido de insolvência deduzido contra o devedor, e não sendo caso de dispensa de audição prévia nos termos do artº 12º do mesmo diploma, este deve ser citado pessoalmente para deduzir oposição com expressa advertência para a cominação prevista no artº 30º nº 5 do C.I.R.E, de que, na ausência de oposição, se consideram confessados os factos alegados pelo requerente e a insolvência é declarada se se preencherem alguma das alíneas do artº 20º nº 1 do C.I.R.E..
De referir ainda que o C.I.R.E. não contém norma específica relativa à realização da citação ou às suas invalidades ou irregularidades pelo que, com as devidas adaptações, se necessário, o regime legal a considerar é o previsto no Código de Processo Civil, aplicável “ex vi” artº 17º do C.I.R.E..

d) Ora, sendo a apelante uma sociedade comercial por quotas, há que lhe aplicar o regime de citação das pessoas coletivas especificamente previsto no artº 246º do Código de Processo Civil e, em tudo o que não estiver por eles especialmente regulado, aplica-se o disposto nas subsecções anteriores, com as necessárias adaptações. Em conjugação com o artº 228º nº 1 do Código de Processo Civil, prevê o artº 246º nº 2 do mesmo diploma que a citação das pessoas colectivas é cumprida através de carta registada com aviso de recepção endereçada para a sede da citanda inscrita no ficheiro central de pessoas coletivas do Registo Nacional de Pessoas Colectivas (RNPC), correspondendo esta à solução adoptada pelo Código de Processo Civil de 2013 e que é justificada pela “autoresponsabilidade dos entes coletivos quanto ao cumprimento dos preceitos legais que impõem a publicitação dos atos que interessam a terceiros” (cf. A. Geraldes, P. Pimenta e L. Sousa, in “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. I, 2ª ed., pg. 240).
De acordo com o preceituado nos artºs. 230º nº 2 e 246º nºs. 3 e 4 do Código de Processo Civil, não sendo possível proceder à entrega da carta ao legal representante da pessoa coletiva ou a um seu funcionário por qualquer motivo que não seja a recusa da assinatura do aviso de recepção, a carta é devolvida ao Tribunal e é remetida nova carta registada com aviso de recepção para a sede da citanda, com a advertência de que a citação se considera efectuada na data certificada pelo distribuidor postal ou, no caso de ter sido deixado aviso, no oitavo dia posterior a essa data, presumindo-se que o destinatário teve oportuno conhecimento dos elementos que lhe foram deixados. Nos termos do artº 229º nº 5 do Código de Processo Civil (aplicável “ex vi” artº 246º nº 4 do Código de Processo Civil), o distribuidor do serviço postal deve certificar a data e local exacto em que depositou a segunda carta (remetida nos termos do artº 246º nº 4 do Código de Processo Civil) e remeter de imediato a certidão ao Tribunal.
Foi precisamente este o procedimento legal que o Tribunal “a quo” seguiu, em cumprimento dos supracitados normativos : Perante a devolução da primeira carta registada com aviso de recepção remetida para citação da requerida, a secção confirmou a morada da sede da requerida inscrita no RNPC e enviou segunda carta para citação, da qual o serviço postal lavrou nota de entrega, certificação à qual o Tribunal atendeu, e bem, para considerar a apelante regularmente citada e, na ausência de oposição ao pedido, julgar confessados os factos alegados na petição inicial.

e) Ora, defende a recorrente que não pode considerar-se citada para os termos dos autos uma vez que o local onde foi cumprida a citação já não é a sua sede, referindo que perdeu o acesso ao imóvel em 2019, altura em que o mesmo foi vendido no âmbito de uma acção executiva.
No entanto, há que referir que, nos termos do disposto no artº 4º nº 1, al. a) do Decreto-Lei nº 129/98, de 13/5, as sociedades comerciais são entidades obrigadas a inscrição no ficheiro central de pessoas coletivas, estando sujeitas a inscrição as respetivas constituição e alteração da sede ou endereço postal (artº 6º, als. a) e d) do referido Decreto-Lei).
Sucede que, “in casu”, as cartas para citação da recorrente foram enviadas para a morada que no registo comercial consta como sendo a sua sede, pelo que, se a apelante não as recebeu por já não ter sede naquele local desde 2019, outra coisa não se pode concluir que não seja a de considerar a não recepção por facto que lhe é imputável uma vez que é sobre ela que recai “o ónus de garantir a correspondência entre o local inscrito como sendo a sua sede e aquele em que esta se situa de facto, atualizando-o com presteza, a fim de evitar que à sua citação se venha a proceder em local correspondente a uma sede anterior” (cf. Acórdão da Relação de Lisboa de 17/11/2015, Relatora Rosa Ribeiro Coelho, consultado na “internet” em www.dgsi.pt).
Nem se diga, como argumenta a recorrente, que a segunda carta para citação foi recebida por pessoa que não estava autorizada pela sociedade para tal efeito. Com efeito, esta questão fica prejudicada com a conclusão que acima se retirou em relação à responsabilidade da apelante.
Ou seja, esta última circunstância não tem relevância legal, pois o risco da eventual falha na notificação sempre correrá por conta da entidade citanda que poderá vir a ser citada sem disso tomar efetivo conhecimento.
Não se está perante uma exigência impossível de cumprir, pois teria bastado que a apelante tivesse tomado a deliberação de mudança de sede e procedido ao seu registo em tempo devido.
Não o tendo feito, deve-se a motivo que lhe é imputável o facto de não ter tido conhecimento da citação realizada, não podendo ter-se como verificada a hipótese de falta de citação prevista no artº 188º nº 1, al. e) do Código de Processo Civil.

f) Deste modo, conclui-se que a apelação deduzida não merece provimento, sendo de manter a decisão recorrida.

III – Decisão
Pelo exposto acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa em negar
provimento ao recurso confirmando na íntegra a decisão recorrida.
Custas : Pela recorrente (artigo 527º do Código do Processo Civil).
Processado em computador e revisto pelo relator
Lisboa, 14 de Novembro de 2023
Pedro Brighton
Teresa Sousa Henriques
Isabel Fonseca
   Contactos      Índice      Links      Direitos      Privacidade  Copyright© 2001-2024 Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa